terça-feira, 1 de agosto de 2023

HOMEM QUE SUBIU NO CONGRESSO NOS ATOS GOLPISTAS DE 8/01 É HOMENAGEADO NO SENADO POR MEMBRO DA CPI

EM 26 DE MAIO deste ano, certamente um filme passou na cabeça do capoeirista Sergio Luís dos Santos Lima, conhecido em Brasília pelo apelido Sergio Brucutu. Ao ganhar no Senado uma homenagem de um parlamentar pelos seus trabalhos como “líder comunitário”, ele voltou ao mesmo prédio em que esteve pouco mais de cinco meses antes – mas em uma situação totalmente diferente.

Agora celebrado na Casa do Povo, Sergio Brucutu foi um dos milhares de bolsonaristas que participaram da manifestação que culminou com a depredação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, no dia 8 de janeiro. Como tantos outros, produziu provas contra si mesmo: publicou nas redes sociais uma série de fotos no topo do Congresso Nacional – uma área de acesso restrito.

Sua participação registrada nos atos terroristas, no entanto, não o impediu de receber a honraria. Sergio Brucutu recebeu o certificado em uma cerimônia conduzida pelo senador Izalci Lucas, do PSDB, também do Distrito Federal. Como membro titular da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga os atos de 8 de janeiro, o senador é um dos  incumbidos de investigar a tentativa de golpe de estado.

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Quadro histórico da política brasiliense, Izalci adota na CMPI do Golpe uma postura similar à que teve na CPI da Covid. Com um discurso menos inflamado que o dos bolsonaristas mais radicais, traduz notícias falsas, preconceito e radicalismo em um discurso pomposo. Na aparência, é mais “soft” do que boa parte dos líderes da extrema direita brasileira. Mas, no conteúdo, como mostra a homenagem ao homem que invadiu o topo do Congresso, é mais um brucutu.

Nós procuramos o gabinete do senador Izalci Lucas para que comentasse o certificado entregue a Sérgio Brucutu, questionando se ele sabia que o homenageado havia participado da manifestação do 8 de Janeiro.

Após a publicação deste texto texto, o senador Izalci Lucas afirmou, em nota, que “na sessão solene em Hhmenagem ao Dia do Líder Comunitário, são convidados os principais líderes de cada cidade e eles indicam líderes ligados às suas comunidades e segmentos que atuam com destaque”.

Segundo o parlamentar, no caso de Sergio Brucutu, “sua indicação foi feita pelo mestre em capoeira, Katita. Com relação a pessoa que você ressaltou, digo-lhe que não a conheço, mas acreditei na liderança que o indicou.”, afirmou.

·         A paz após o golpe

Embora não haja imagens que o mostrem dentro dos prédios públicos invadidos, o fato de Sergio Brucutu ter alcançado o teto do Congresso já demonstra irregularidade. O acesso ao espaço estava fechado naquele domingo, 8 de janeiro, e os manifestantes precisaram furar um bloqueio policial para chegar ali. A autoincriminação de Sergio Brucutu não passou despercebida por muito tempo. Sua identidade foi revelada pela página de Instagram “Contra Golpe Brasil”, ainda no fim da tarde de 8 de janeiro.

A exposição de seu nome e usuário do Instagram na página, que conta com dezenas de milhares de curtidas, não constrangeu Sergio Brucutu. Pelo contrário. Até hoje, ele mantém o álbum de sete imagens feitas no 8 de Janeiro – duas delas são selfies, mostrando o próprio rosto sorridente em meio à multidão.

O deboche à denúncia de que participou dos atos seguiu no dia seguinte, quando publicou uma montagem com sua foto e as palavras “wanted [procurado], recompensa em píquice”. No dia 10 de janeiro, voltou a publicar imagens feitas por ele no ato, agora tentando tirar o corpo fora: “Eu sou testemunha ocular do que aconteceu. A quebradeira veio de dentro. A ignorância partiu dali também com apoio de 300 sindicalistas paulistas passando-se por manifestantes”.

Sergio Brucutu não é o único. Nesta semana, contamos no Intercept que outra liderança do 8 de Janeiro anda frequentando gabinetes públicos – neste caso, com um excelente salário. A influencer Karol Eller, demitida da EBC pela participação nos atos golpistas, agora é assessora parlamentar e ganha R$ 17,9 mil mensais, pagos pelo gabinete do deputado estadual bolsonarista Paulo Mansur, do PL de São Paulo.

Nos perdoem pela insalubridade, mas não estamos falando de Karol Eller e Sergio Brucutu à toa. O Brasil, como nação, deve à sua população uma prestação de contas do que houve no dia 8 de janeiro de 2023. É urgente que saibamos tudo que aconteceu ali: dos mentores aos financiadores, dos invasores aos destruidores.

A CPMI que corre no Congresso foi criada pela própria extrema direita para disseminar teorias conspiratórias sobre o 8 de Janeiro. Ela é, portanto, absolutamente incapaz de responder ao tamanho desse desafio. A justiça, por sua vez, guarda sigilo sobre suas investigações e processos. Cabe ao jornalismo, portanto, não esquecer os nomes que tentaram enterrar nossa democracia – Karol, Sergio, Jair. Quem quer o golpe não merece a paz.

 

Ø  Zequinha Marinho, senador que ajudou terrorista, é o bingo do bolsonarismo: pastor, amigo de grileiro e faz rachadinha

 

A CPI do 8 de janeiro convocou o terrorista George Washington, o bolsonarista que planejou um atentado terrorista em Brasília. Ele foi preso depois que a polícia descobriu que ele planejava  explodir um caminhão de combustível perto do aeroporto de Brasília. “O senhor (Jair Bolsonaro) despertou esse espírito”, escreveu o terrorista em uma carta para o ex-presidente. 

Há menos de um mês de ser preso, o terrorista esteve presente em uma audiência pública no Senado Federal convocada por senadores bolsonaristas. De caráter golpista, a reunião foi palco de ataques ao processo eleitoral e ao STF, pedidos de prisão do ministro Alexandre de Moraes e a defesa aberta de um golpe militar. George Washington estava lá junto de outros dois acusados de participar do planejamento do atentado a bombas. Os policiais legislativos desconfiam que parte  dos invasores de 8 de janeiro aproveitaram essa entrada no Senado para mapear alguns pontos do prédio.

O nome do senador que autorizou a entrada do terrorista George Washington estava mantido sob sigilo, mas a Folha descobriu. Trata-se do paraense Zequinha Marinho, do Podemos do Pará, um personagem pra lá de obscuro que reúne em si todos os estereótipos de um político bolsonarista. É pastor evangélico, tem ligações com madeireiras na Amazônia, atua em favor de grileiros, persegue os povos indígenas, é negacionista climático e é acusado de se lambuzar com rachadinha em seu gabinete. Perceba que o senador completa o bingo dos predicados do bolsonarismo: tem um pouco de Ricardo Salles, um pouco de Silas Malafaia, um pouco de Flávio Bolsonaro.

Antes de estrear na política nos anos 90, Zequinha foi gerente do Banco da Amazônia e pastor da Assembléia de Deus. Sua carreira política começou em 97, quando foi deputado estadual no Pará. Depois, foi deputado federal do estado por 10 anos. Em 2015, chegou a ser vice-governador durante o mandato de Simão Jatene, um político marcado por escândalos de corrupção. A defesa da família, dos bons costumes e dos interesses ruralistas sempre foram suas principais bandeiras. Zequinha já era um legítimo bolsonarista antes do bolsonarismo existir.

Eleito senador na onda bolsonarista de 2018, Zequinha passou a ser visto por madeireiros, grileiros e garimpeiros da Amazônia como uma porta de acesso ao governo federal. Uma reportagem da Agência Pública reuniu relatos e documentos que mostram as movimentações de Zequinha junto ao governo federal para atender esses criminosos que atuam na região amazônica. “Chama o Zequinha” era uma frase repetida entre eles quando precisavam de uma ajudinha de cima.

O senador atuou com especial apreço para retirar a proteção da terra indígena de Ituna Itatá, no Xingú, onde povos indígenas vivem isolados. Do seu gabinete saiu uma série de ofícios para órgãos públicos responsáveis pela fiscalização da região. Por muito pouco Zequinha não conseguiu fazer com que a Funai retirasse a proteção da área. O órgão cogitou a possibilidade, mas se viu obrigado a voltar atrás depois da enorme repercussão internacional dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, que ocorreram justamente em uma terra indígena invadida por criminosos.

O senador completa o bingo dos predicados do bolsonarismo: tem um pouco de Ricardo Salles, um pouco de Silas Malafaia, um pouco de Flávio Bolsonaro.

De qualquer forma, os posseiros ocuparam parte dessas terras ilegalmente. O maior deles é Jassônio Costa Leite, considerado o maior grileiro de terras indígenas da Amazônia. Adivinha quem é seu amigo particular? Sim, ele mesmo, o Zequinha. Segundo o Ibama, Jassônio é o líder dos invasores de terras indígenas, o “chefe do esquema criminoso”. É ele quem faz o loteamento e vende os terrenos invadidos. Em 2021, após ser alvo de uma operação de combate ao desmatamento do Ibama que o multou em R$ 105 milhões, o posseiro pediu ajuda para Zequinha – ele  gravou um vídeo ao seu lado chamando os servidores do órgão de “bandidos e malandros”.

A revolta do senador está no fato do Ibama ter como prática queimar os equipamentos dos criminosos para que não sejam reutilizados em novos crimes. Poucos dias após o encontro entre Zequinha e Jassônio, o então ministro Ricardo Salles exonerou os diretores de fiscalização do órgão. Como disse um dos servidores exonerados ouvido pela Agência Pública, “Na queda de braço entre ele [o senador] e os fiscais, mesmo os mais antigos, Zequinha sempre sai ganhando”.

Em discurso no Senado, Zequinha abusou das mentiras sobre os povos da região: “não é uma terra indígena, é uma área de pretensão indígena. E o pior: não há índio lá, nem isolado, nem reconhecido por ninguém”. Zequinha faz questão de ignorar os mais de 30 anos de dados coletados por indigenistas ligados à Funai, que atestam a existência de povos indígenas em isolamento na região. A falsa narrativa é usada para justificar as ações predatórias na área indígena. A luta do senador pelo domínio da região deu resultado: 84% do desmatamento de Ituna-Itatá aconteceu justamente durante os 3 primeiros anos de mandato de Zequinha.

No ano passado, Zequinha organizou reuniões entre garimpeiros clandestinos do Pará com ministros do governo Jair Bolsonaro. O objetivo era apresentar um requerimento para impedir a atuação de servidores do Ibama e da Polícia Federal nas regiões em que atuam ilegalmente. Os garimpeiros foram recebidos pelos ministérios da Justiça, Meio Ambiente, Segurança Pública, Agricultura, Minas e Energia, Direitos Humanos e a Advocacia-Geral da União. Durante uma das reuniões no Ministério da Agricultura, Zequinha afirmou que a ação do Ibama no oeste do Pará era “pior do que o Estado Islâmico na Síria”.

Entre os presentes nessa caravana em Brasília, estavam representantes da cooperativa Cooperouri, uma velha conhecida de policiais e fiscais quando o assunto é garimpo ilegal. Segundo investigação da Polícia Federal, a Cooperouri integra uma grande organização criminosa que atua na extração clandestina de ouro na Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará.

Em 2021, durante a Operação Handroanthus, a Polícia Federal apreendeu mais de 226 metros cúbicos de madeira ilegal, uma carga avaliada em R$ 129 milhões. O então ministro Ricardo Salles atuou pessoalmente para conseguir liberar a carga criminosa. Salles afirmou ter sido acionado por um grupo de parlamentares, entre eles Zequinha.

Para a surpresa de ninguém, o senador paraense é também um militante do negacionismo climático. Segundo ele, o aquecimento global é apenas “folclore”, já que a “interferência humana é muito pequena”. No primeiro ano do governo Bolsonaro, o Congresso Nacional instalou uma comissão de deputados e senadores para discutir o tema das mudanças climáticas e o aumento recente no número de queimadas da Amazônia. Quem foi escolhido para ser o presidente dessa comissão? Sim, Zequinha, o  negacionista climático e representante dos garimpeiros. O episódio é uma síntese do que foi o bolsonarismo no poder.

As malandragens de Zequinha não se limitam à Amazônia. Elas acontecem também dentro do seu gabinete. O senador é réu pelo crime de concussão em um processo que se arrasta por 10 anos. Marinho nega a “rachadinha” feita dentro do seu gabinete, mas as provas contra eles são robustas.

Zequinha já era um legítimo bolsonarista antes do bolsonarismo existir.

O caso começou em 2011, quando era deputado federal e presidente do PSC do Pará. Ele obrigava os seus 23 funcionários a darem uma parte dos seus salários para o partido. Em um e-mail enviado a uma servidora, Zequinha cobrava a grana de um dos funcionários: “Peça ao Humberto para providenciar com a maior brevidade possível o depósito correspondente a 5% do bruto que ele recebe. Ok?”. O funcionário se recusou a pagar e Zequinha o demitiu por e-mail: “Diante da impossibilidade de Vossa Senhoria autorizar o débito de 5%  do Partido Social Cristão, ficou determinada sua exoneração”. O Ministério Público Estadual pediu a cassação de Zequinha Marinho.

Em 2021, ele foi alvo de um novo pedido de cassação por irregularidades na captação e gastos de recursos de campanha em 2018 — o famoso caixa 2. O MP também pediu a cassação de sua esposa, Júlia Marinho, acusada de desviar R$ 2,3 milhões da cota de gênero do fundo eleitoral para Zequinha.

Esses são apenas alguns episódios escabrosos no currículo do senador bolsonarista. Há muito mais, mas este texto precisa acabar. Zequinha é um homem baixinho, mas sua trajetória em favor do que há de pior no Brasil é gigante. Graças a ele, garimpeiros, grileiros e até o terrorista que planejou explodir um caminhão no aeroporto de Brasília foram recebidos com tapete vermelho no Congresso Nacional e nos ministérios do governo federal. Zequinha é a personificação do que é o bolsonarismo. É o negacionista climático que preside comissão sobre o clima, o pastor evangélico que atua contra os povos originários, o defensor dos bons costumes que faz rachadinha no gabinete. É o combo completo.

 

Fonte: The Intercept

 

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