sexta-feira, 28 de julho de 2023

Seria o PL hoje o centro articulador da direita “moderada” no Brasil?

Nos últimos meses, um valoroso espaço midiático está sendo dado ao Partido Liberal (PL) com uma tônica de que este pode ser o porta-voz mobilizador da direita nacional, no curto período. A questão se aprofunda ainda mais quando notamos que há um palco para que este processo ocorra dentro do ideal de uma direita civilizada, moderada e preocupada com a pauta nacional, nos moldes de um liberalismo clássico. Alguns dirigentes deste partido estão sendo convocados a demonstrar como esta organização pode ter esta face sonhada. O detalhe dessa propaganda é o confronto com a realidade de um partido que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro, Valdemar Costa Neto e uma importante bancada pelo Brasil afora.  

A imprensa nacional hegemônica, sobretudo a Globo, o Estadão e a Folha, nesta ordem, parece estar repaginando a terceira via, que antecedeu os noticiários das eleições de 2022. Notamos novamente boas doses de entusiasmo editorial e nem tanta precisão na análise política.   

Situando um pouco da história do PL, apresento um quadro feito por Laís Burgadt, na sua dissertação de mestrado, que fala das histórias desta sigla e do partido atualmente intitulado Republicanos. 

Situando um pouco da história do PL, apresento um quadro feito por Laís Burgadt, na sua dissertação de mestrado, que fala das histórias desta sigla e do partido atualmente intitulado Republicanos. 

Nota-se, de imediato, certas incongruências conceituais e ideológicas, como o fato do partido que se reivindica liberal ter algum grau de proximidade político-semântica com a questão do trabalhismo nacional.  

Desde dezembro de 2022 o programa partidário tem uma tônica de defesa do conservadorismo de direita, de acordo com documentos em seu site.  Em 2006, o manifesto do partido defendia o combate à desigualdade, a defesa liberdade econômica etc. Há claramente um modelamento programático contextualizado com as conjunturas de cada época, a saber, os governos Lula I e II, e atualmente próxima do bolsonarismo. Nota-se que há bem mais uma capacidade camaleônica e pragmática do que apegada à coerência ideológica.   

Outras contradições marcam a trajetória política do PL, o que atesta que é algo novo e associado à conjuntura atual a estratégia de se projetar como porta-voz da direita liberal e conservadora. Vale a ressalva de que os partidos brasileiros costumeiramente apresentam contradições latentes entre os aspectos nominais, o programa e as práticas políticas. Na Nova República, estas mediações são resolvidas nos processos práticos da política. Fundamentalmente, o nosso centrão, campo este que o PL vem ocupando, é expert nessa conduta.  

·         Igreja Universal do Reino de Deus 

Ainda citando Burgadt (2021), o ano de 2006 foi crucial na reorganização entre a igreja – sobretudo a Universal do Reino de Deus – e o PL, tendo exatamente a figura de Valdemar Costa Neto como peça-chave de redefinição de rumos partidários. O PL foi abrigo de alguns dirigentes da IURD, como o bispo Marcelo Crivella. Posteriormente, a IURD preferiu se reposicionar em um partido no qual tivessem maior controle. A sigla de destino foi o Republicanos, antes Partido Republicano Brasileiro (PRB).  Alguns remanescentes de igrejas (evangélicas, em geral) ainda estão no PL, como o pastor e senador Magno Malta. Desde então, Costa Neto vem desempenhando uma função de liderança-mor do PL.  

Esta mesma instituição já esteve com Lula nos dois primeiros mandatos, ocupando o papel da vice-presidência com José Alencar. Este foi um fator que gabaritou Costa Neto para se aproximar de Bolsonaro, que não tinha um partido até às vésperas do pleito de 2022. Valdemar tinha experiência de eleição presidencial e governo, e diz que sempre teve um bom diálogo com Lula, que era mais fácil lidar com ele do que com Bolsonaro.  

O fato atual é que Valdemar conseguiu captar, na aproximação com Bolsonaro, uma grande oportunidade para se alavancar e está tendo muito sucesso na empreitada. Como o próprio fala, eles têm muito que agradecer a Bolsonaro e os dados que apresentarei mostram que na “bola dividida”, apesar da tentativa de se redesenhar, o pragmatismo do PL tende a falar mais alto do que uma suposta aderência a um liberalismo, pois não necessariamente esse viés é condizente com a trajetória e as práticas da legenda.  

Não é toda liderança que encontra o espaço com que Valdemar vem contando: o precioso apoio midiático para redesenhar uma retórica política. O viés adotado é o de que o seu partido é essencialmente liberal nos princípios e defensor da direita brasileira, e para isso destaca que eles reivindicam a liberdade de mercado e o conservadorismo.  

Em relação ao atual governo, destaca Valdemar, eles se posicionarão como oposição, embora estejam dispostos a liberar a bancada no Congresso Nacional para votar no que for favorável ao país, como no recente caso da Reforma Tributária, na Câmara, em que dos 99 deputados do PL, 20 foram favoráveis. Já há indícios agora de que alguns deputados querem se aproximar do governo Lula, sobretudo os do nordeste. Nessas condições, seguir o modelo do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de ser uma grande federação de distintos interesses, é mais difícil por vários motivos, dentre eles o fato de que não é esta a tradição do PL. Abrigando também o bolsonarismo, é muito difícil congregar tantos interesses sem altas doses de conflito.  Ainda pegando o MDB como exemplo, apesar da alta capacidade adaptativa, o partido só galgou a presidência através da posse do vice-presidente, pós algum tipo de impedimento do presidente eleito. O PL nem mesmo neste posto chegou, faltando-lhe mais acúmulo político.  

A votação da Reforma Tributária, na Câmara, impôs uma provação a Bolsonaro, no sentido de se gabaritar como liderança articuladora, pois a sua posição de refuta ao texto foi derrotada tanto no campo da direita, quanto no próprio PL. Por outro lado, ele segue forte como cabo eleitoral. O movimento de Bolsonaro de articular lideranças sempre foi um desafio, pois ele subjuga quem se aproxima dele. Sua força atrai e repele a elite política, ao mesmo tempo. Só frente às massas que o idolatram é que mantém aderência. Bolsonaro agrega características de uma liderança autoritária, centralizadora e fascista.   

·         Manchetes 

No dia 11 de julho do presente ano, Valdemar foi entrevistado no programa Estúdio I, da Globo News. Muito do que descrevo neste artigo foi extraído das entrevistas nesse veículo. Nos últimos dois meses, a aparição dele vem sendo rotineira no canal. No dia 13 de julho, foi a vez de Carlos Portinho, líder do PL no Senado. O próprio falou que era a primeira vez dele naquele espaço. Foi possível ver uma repetição da narrativa iniciada por Costa Neto. Esse tipo de programa tem uma característica de formação de opinião. Fiz um levantamento das notícias sobre Valdemar nas páginas dos três principais veículos que mencionei no início do artigo e há evidentemente uma maior projeção dessa liderança e do partido nos últimos dois meses. Para termos uma ideia, entre 2005 e 2007, o nome de Valdemar, nas buscas do Google, estava mais associado ao Mensalão, à prisão e à Polícia Federal. Foi com a filiação de Bolsonaro que ele ganhou mais destaque nos noticiários, sempre na posição de defensor do partido.

O tom das manchetes e das entrevistas se repete: apresentar um programa de direita como alternativa a Lula. A Folha de São Paulo é o jornal que mais fez um balanço crítico, até agora, em comparação com os outros veículos. Uma indagação constante é se esse jogo será suficiente para brecar o ímpeto de Bolsonaro, mas não desprezando o seu capital político. Valdemar tenta lidar com as contradições, embora seja categórico em dizer que ninguém segura Bolsonaro, que os votos são dele, apelando constantemente para o carisma do ex-presidente.  

Nesse cenário, está sendo então ventilado qual será o nome da direita a concorrer em 2026. Tarcísio de Freitas é sistematicamente cogitado. Embora este componha o partido Republicanos, Valdemar é convocado corriqueiramente a falar sobre Tarcísio. Um dado chama atenção sobre este cenário, em São Paulo: no primeiro turno, mais de 520 mil votos para governador foram depositados no número 22 (número do PL) e não no 10, do Republicanos.  

Com o amplo espaço de projeção pública e propaganda indireta dado a Valdemar, ele tem se portado como um intelectual da direita, fato não costumeiro com alguém de origem do centrão. Dialeticamente, ele tenta explicar o que é ser centrão e de direita, ser de oposição e votar com o governo. Tudo isso sem supostamente se apresentar como um extremista-bolsonarista.  Recentemente, Costa Neto proferiu uma frase notória, afirmando que de extrema-direita era Hitler e assim tentando se distanciar desse campo.  

Tratando um pouco mais da recente força da sigla, apresento alguns números: elegeu dois governadores, no Rio de Janeiro e Santa Catarina. No Senado, conquistou onze vagas. No RJ, por exemplo, os três senadores são do PL. Outros estados que o PL tem senadores são ES, GO, RN, MT, RO, SP e TO. Foram eleitos mais de 340 prefeitos e mais de 3.400 vereadores da sigla, mas nenhum em capitais. Seus deputados estaduais estão em todas as regiões do Brasil, em quase todos os estados, menos PI e AC.  São 252 no total, sendo a maioria de pessoas brancas, homens, vários são capitães, delegados, cabos, sargentos, majores, coronéis, tenentes. Poucos pastores, sendo de destaque o irmão de Silas Malafaia, Samuel Malafaia. São 9 prefeitos no RJ, 28 em SC e 40 em SP. 

Este dado de SP chama atenção e contrasta com uma afirmação de Costa Neto, na Globo News, em que ele apontou que Tarcísio não entrou na sigla, em 2022, pois eles não tinham estrutura partidária suficiente para fazer campanha de governador no estado, bancando paralelamente a candidatura da tentativa de reeleição de Bolsonaro. Tal argumento me parece controverso diante da quantidade de prefeituras ganhas em 2020. Rumores apontam, no entanto que há tensões entre Tarcísio, Valdemar e o PL desde o governo Dilma, quando Tarcísio foi diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). É nebuloso também se Tarcísio segue no Republicanos.  

O Valor publicou uma matéria, em 13 de julho, descrevendo que Bolsonaro, no PL, está sendo um ótimo negócio para a sigla, que saltou de 5,5% dos fundos partidário e eleitoral para 16,1 % do fundo partidário e 17,8% do fundo eleitoral. Em resumo, de 2023 a 2026, o aumento da receita bolsonarista para o PL é em torno de R$ 1,7 bilhão.  

Nas eleições de 2024, há expectativa do PL de eleger algo em torno de mil prefeitos. Em 2026, o objetivo é ampliar ainda mais sua bancada de deputados.  

Fechando esta análise, o PL tem todos os motivos para agradecer a Bolsonaro e ao bolsonarismo, de fato. A sigla se diferencia do Partido Social Liberal (PSL), que elegeu Bolsonaro, em 2018, pela melhor capacidade política, pela maior experiência. Deve seguir usando Bolsonaro no que convém, tentando mantê-lo “fraco” politicamente, ao mesmo tempo que servirá de cabo eleitoral, mas com isso terá dificuldade para se equilibrar no discurso da direita moderada. Da mesma forma, será difícil barrar o ímpeto autoritário de Bolsonaro, visto que a história moderna recente comprova que lideranças fascistas nunca são controladas plenamente enquanto tiverem algum grau de força. Os desdobramentos no Judiciário podem complicar mais a vida e a visibilidade de Bolsonaro. Por enquanto, ele ainda tem força política considerável, mais ampla do que o partido PL em si.   

Pelo que já se constata, para uma gama importante de eleitores brasileiros, o discurso de uma direita moderada não faz tanta diferença no momento de decisão eleitoral, e o percentual de popularidade de Bolsonaro, aliado a sua votação em 2022, no segundo turno, ajudam a fundamentar tal tese.   

Até 2026, o cenário dado é que Bolsonaro seguirá inelegível, o que reorienta as frações de classe da direita para apoiar alguma candidatura de oposição a Lula. Logo, daí deve sair realmente o epicentro. A expertise para ser pragmático no que convém, o partido e Valdemar Costa Neto têm de sobra para continuar ganhando com Bolsonaro. Mantê-lo vivo é um prolongamento do impulso do PL e, desta forma, construir um discurso moderado que se sustente é bastante difícil. Costa Neto fala muito no nome de Michele Bolsonaro como alternativa, e ainda há que se verificar isso. Bolsonaro, por sua vez, também tem certa dependência econômica do partido, pois recebe salário da sigla. Diante da recente capacidade de dragagem política da extrema-direita brasileira, deve girar mesmo em torno do PL e do bolsonarismo a capacidade de pautar a candidatura de oposição a Lula. Há que se conferir a dose do extremismo.   

 

Fonte: Por Rafael Bastos Costa de Oliveira, no Le Monde

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário