Representatividade: o cocar e o turbante pela justiça climática
Uma crítica recorrente daqueles que buscam combater
as consequências da emergência do clima com justiça climática é sobre a falta
de representatividade dos mais impactados nas esferas de decisão e poder. Essa
lacuna abre caminho para que ocorram tragédias humanitárias como a que o povo
yanomami enfrenta neste momento. Contribui também para que o racismo ambiental
continue enfronhado nas decisões relativas ao enfrentamento das mudanças
climáticas. A baixa representatividade
feminina nas COPs e a invisibilização e ausência de
participação de migrantes
climáticos em decisões relativas à adaptação são apenas
alguns exemplos. A lista é longa.
Para que haja justiça climática, faz-se necessária
a inclusão de várias vozes nessas esferas de poder. O novo governo brasileiro
vem sinalizando mudanças nessa direção, com a estruturação de uma equipe de
alto escalão diversa. Durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, a ministra
do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, marcou o retorno da
diplomacia brasileira ao contexto internacional. Ela reafirmou,
diante de lideranças políticas e econômicas mundiais, o compromisso do governo
Lula com as agendas ambiental e climática. Os avanços já começam a aparecer.
Mulher, negra, nascida em um seringal no Acre,
Marina teve como o seu tutor um dos maiores símbolos da luta pela preservação
da Amazônia, o ambientalista Chico Mendes. A soma de suas experiências
acadêmicas e políticas com sua trajetória pessoal reflete-se na constituição de
seu olhar transversal. Não é à toa que defende sustentabilidade com justiça
social e declara que seu ministério aplicará “conceitos modernos, como justiça
climática e ações contra o racismo ambiental”.
Outro desafio histórico da falta de
representatividade de grupos excluídos das esferas de poder envolve a
deturpação e invisibilidade de narrativas. A ministra dos Povos Indígenas,
Sônia Guajajara, enfatizou,
na sua posse, que a existência dos povos indígenas do
Brasil é cercada por uma leitura extremamente distorcida da realidade. “Se, por
um lado, é verdade que muitos de nós resguardam modos de vida que estão no
imaginário da maioria da população brasileira, por outro, é importante saberem
que nós existimos de muitas e diferentes formas. Estamos nas cidades, nas
aldeias, nas florestas, exercendo os mais diversos ofícios que vocês puderem
imaginar”, disse Sônia.
De acordo com o (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), existem mais de 305 etnias e 274 línguas indígenas.
Entretanto, os povos originários foram e ainda são impactados negativamente
devido à falta de políticas públicas que contemplem soluções concretas capazes
de abarcar tamanha diversidade. Isso é reflexo da baixa representatividade dos
povos originários nas esferas de poder ao longo de toda a história de nosso
país, e está relacionado também com violações e violências ocorridas contra
eles.
Diante disso, a ministra de Igualdade Racial e
“cria da favela da Maré” (no Rio de Janeiro), Anielle Franco, em seu
discurso de posse, dirigiu-se às ministras Marina Silva e Sônia
Guajajara dizendo: “Contem com o Ministério da Igualdade Racial para defender
nossos povos indígenas e nosso meio ambiente, lutando contra o que reconhecemos
como Racismo Ambiental e pela justiça climática. Afinal, somos nós quem mais
sofremos com as enchentes, deslizamentos e doenças produzidas pelas mudanças do
clima”.
No Brasil, a presidente da FUNAI (Fundação Nacional
dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, alertou sobre a falta de recursos
destinados ao orçamento do órgão federal. Por outro lado, é um avanço o fato de
ela estar assumindo o cargo nesta sexta-feira (3/2), sendo a primeira mulher
indígena a estar no comando da Fundação. Em entrevista
ao Ecoa, Joenia declarou que “as terras indígenas são
estratégicas para a conservação da biodiversidade e para o enfrentamento das
crises climáticas”.
Neste caso, ouvir o óbvio traz um sopro de
esperança. Parafraseando o professor Silvio de Almeida, ministro de Direitos
Humanos e da Cidadania, dizer o óbvio que, no entanto, foi negado nos
últimos anos. Como diz a vice-presidente de Estratégia de Inclusão do
Netflix, Vernā Myers, “diversidade é chamar pra festa. Inclusão é chamar pra
dançar”. Sendo assim, para existir
justiça climática é preciso que essa inclusão permita que os historicamente
excluídos também possam escolher a playlist dessa festa e a
coreografia das danças, para que possamos, de fato, avançar na transição para
uma sociedade de baixo carbono com justiça social.
Fonte: por Tatiane Matheus, em ClimaInfo
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