Quase 800 indígenas foram assassinados durante governo Bolsonaro,
aponta relatório
Ao sair para buscar lenha numa fazenda vizinha à
reserva de Taquaperi, no Mato Grosso do Sul, um jovem indígena Guarani-Kaiowá
de 18 anos foi morto por cinco disparos de arma de fogo. No Amazonas, a cacique
do povo Kulina denunciou o assassinato de ao menos sete indígenas das aldeias
da região, entre eles o de um adolescente de 15 anos, decapitado. Em Roraima, a
tentativa de assassinato de um grupo de cinco indígenas Xirixana por garimpeiros
resultou na morte de uma liderança. Para fugir dos disparos, as vítimas se
jogaram no rio Uraricoera. Todos os crimes ocorreram em 2022. Ao todo, quase
800 indígenas foram assassinados entre 2019 e 2022.
Os três estados citados acima — Mato Grosso do Sul,
Amazonas e Roraima — são os mais letais para indígenas no Brasil, conforme o
relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), divulgado nesta
quarta-feira (26) ao qual a Agência Pública teve acesso. Os dados do período de
2019 a 2022, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), são da Secretaria Especial
de Saúde Indígena (Sesai), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e
das secretarias estaduais de saúde.
Nos estados de Roraima e Amazonas, onde está a
Terra Indígena Yanomami (TIY), houve 208 e 163 assassinatos de indígenas no
período, respectivamente. Em terceiro lugar no ranking de mortes violentas
contra indígenas aparece o Mato Grosso do Sul, com 146 casos. Juntas, as três
unidades federativas foram responsáveis por 65% dos assassinatos no período. Em
todo o país, foram registrados 795 homicídios nos quatro anos.
As mortes por assassinato não são a única causa de
extermínio indígena. Invasão de terras, negligência ou negativa de assistência
médica, redução de verba pública para órgãos de proteção, racismo, ameaças e
violência física e sexual são causas apontadas para o extermínio de indígenas.
Outro ponto levantado pelo relatório é a falta de políticas públicas contra o
suicídio.
O documento também pontua a necessidade de criação
de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV), a exemplo da comissão
instalada para investigar crimes da ditadura civil-militar brasileira.
• Governo
negligencia fome, doenças e mortes evitáveis
O governo Bolsonaro não demarcou nenhum centímetro
de Terra Indígena no Brasil, como prometido antes da posse. Sua política
indigenista é considerada “genocida” e promotora da “naturalização da morte
indígena”. O governo Bolsonaro foi o primeiro desde a redemocratização a não
homologar nenhuma TI, o que, para o CIMI, contribuiu para a desassistência à
saúde e à morte indígena.
O relatório indica que, sem a demarcação de suas
áreas, há grupos que não possuem terras ou águas suficientes para produzir os
próprios alimentos. Eles ficam assim dependentes de políticas de assistência
social.
O cerco, segundo o relatório, ocorreu dos dois
lados sob o governo Bolsonaro. De um lado, não houve andamento dos estudos de
Grupos Técnicos (GTs) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), nem
daqueles criados por determinação judicial, para que qualquer território
indígena reivindicado fosse reconhecido no Brasil. De outro, o governo federal
interrompeu o fornecimento de cestas básicas entre agosto e dezembro de 2022,
antes e depois do período eleitoral, entre outras desassistências.
Segundo o documento, ao menos 800 indígenas das
etnias Avá-Guarani, do oeste do Paraná, e Mbya Guarani, do Rio Grande Sul,
vivenciaram situações de fome, principalmente entre crianças. Segundo o CIMI,
os “espaços diminutos” em que vivem impedem qualquer forma de sobrevivência
pela terra.
Em Dourados (MS), houve registros de indígenas se
alimentando de lixo para comer. O relatório traz o depoimento da liderança
indígena Erileide Domingos, da aldeia Guyraroka, que denunciou o caso à
Organização das Nações Unidas em agosto de 2022. “A fome é resultado da
desorientação do Estado brasileiro. É muita falta de piedade com o outro, de
olhar os pobres, sem condições, sem emprego, sem possibilidade de plantar, não
conseguimos produzir nada, não conseguimos ser ninguém”, relata Erileide no
documento.
• Omissão
na saúde matou mais de três mil crianças indígenas, diz relatório
A omissão na área da saúde é outro ponto que levou
à morte centenas de indígenas em todo o país.
Mais de 3.550 crianças de até 4 anos de idade
morreram entre 2019 e 2022 em territórios indígenas. Os estados de Roraima e
Amazonas carregam a maior quantidade de casos, desta vez seguidos pelo Mato
Grosso.
Uma em cada três mortes infantis registradas pela
Sesai eram evitáveis, conforme análise de dados do CIMI a partir da Nota
Técnica do Ministério da Saúde. Falta de acompanhamento da gestação, casos de
gripe e pneumonia, desnutrição, diarreias e doenças infecciosas tratáveis estão
entre os motivos que evitaram que 1.504 crianças pudessem chegar à fase adulta.
Para o CIMI, a desassistência médica é fator
diretamente ligado à política indigenista empregada pelo governo federal nos
últimos quatro anos. O caso de maior repercussão foi a falta de acesso às
políticas públicas de saúde por parte dos indígenas Yanomami, denunciado pela
Pública em diversas reportagens. O Distrito Sanitário Especial Indígena
Yanomami e Ye’kwana (Dsei-YY) registrou, só em 2022, 134 mortes de crianças
entre 0 a 4 anos.
Na TI Yanomami, a invasão do garimpo estrangula
serviços públicos indigenistas, entre eles os de saúde, denuncia a Hutukara
Associação Yanomami (HAY) no relatório. “A captura da estrutura de saúde por
garimpeiros gerou uma situação de desassistência generalizada no território”,
afirma o documento sobre os postos de saúde que fecharam no território pela
sensação de insegurança com a presença da atividade ilegal e armada.
• Governo
atrasou vacina e não reforçou políticas para prevenir o suicídio
Entre os adultos, a maior quantidade de mortes foi
no Mato Grosso, com 136 casos. Entre as causas estão o atraso da chegada da
vacina aos territórios, estadias em más condições quando grupos de indígenas se
dirigem aos centros urbanos em busca de serviços, infecções gastrointestinais
causadas por poluição da água, consumo de agrotóxicos pela água, entre outros.
Se crianças e adultos indígenas morrem por
desassistência médica, a omissão estatal entre os jovens indígenas ocorre pela
falta de outra política pública: a de prevenção ao suicídio. Novamente, estados
já citados em outras estatísticas negativas lideram a causa da morte por
suicídio entre indígenas. A cada cinco registros no quadriênio 2019-2022, dois
ocorreram no estado do Amazonas e um no Mato Grosso do Sul. Ao todo, 535
indígenas tiraram a própria vida no período. Destes, 35% eram jovens menores de
19 anos.
• Destruição
de bens indígenas
O Conselho das Aldeias Wajãpi-Apina denunciou, em
fevereiro de 2022, a poluição dos rios pela invasão garimpeira na Terra
Indígena (TI) Waiãpi, no Amapá: “Fotos e vídeos de várias aldeias mostram as
águas com muita lama e como dependemos dos rios para beber água e tomar banho,
isto gerou muita preocupação para os nossos chefes e famílias.”
O registro afirma que os garimpeiros provocam danos
aos bens naturais essenciais que afetam o modo de vida indígena no entorno e
dentro da TI.
Mais ao oeste, outro caso de invasão ao maior
patrimônio indígena, a floresta. A autorização para abrir um ramal dentro da TI
Jaminawá/Iguarapé Preto, ligando dois municípios, partiu do Instituto de Meio
Ambiente do Acre. Por se tratar de Terra Indígena, o licenciamento ambiental da
obra deveria passar pelo órgão federal competente, o Ibama, e não pelos órgãos
estaduais.
A lista de danos aos territórios, demarcados ou
não, é grande. Construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), criação de
gado, arrendamento de terras, uso de agrotóxicos, construção de presídios
estaduais e federais, desmatamento de área sagrada, contaminação das águas e
animais por mercúrio, loteamento e outras formas de invasão e destruição ao
patrimônio indígena ocupam algumas páginas do relatório.
As maiores estatísticas ocorreram com casos de
desmatamento, registrados em 74 TIs, segundo dados do Prodes. Em seguida,
aparece a extração ilegal de madeira, areia, castanha e outros recursos
naturais, com 65 ocorrências. Já as atividades ilegais de garimpo e mineração,
assim como a de caça e pesca ilegais, atingiram, cada uma, ao menos 45 TIs,
segundo o relatório. Uma TI pode constar em um, dois ou mais tipos de
ocorrência.
De acordo com o CIMI, os danos ao patrimônio
indígena têm como consequência o aumento de conflitos por direitos
territoriais. O assassinato do jovem Guarani-Kaiowá com cinco disparos de arma
de fogo que abre esta reportagem foi seguido de conflitos por território.
O documento relembra que o crime incitou ações de
retomada indígena, como são chamadas as manifestações e acampamentos para
reivindicar uma área ancestral. Conforme documenta o CIMI, as manifestações no
município de Coronel Sapucaia (MS) foram “reprimidas com violentas e ilegais
operações policiais e emboscadas contra lideranças, que deixaram mortos e
feridos”.
• Sinal
“verde” para violar direitos
Nomeado em julho de 2019 para presidir a Funai e
exonerado só no penúltimo dia do governo Bolsonaro, em 29 de dezembro de 2022,
o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier defendeu um ex-coordenador
regional da fundação em Mato Grosso do Sul, preso por operação da PF pelo
envolvimento no esquema de arrendamento de Terras Indígenas e cobrança de
propina para aluguel de pastos. O ex-presidente da Funai disse, em ligação
interceptada pela PF, que estava tentando intervir nas investigações que
incriminavam o ex-servidor.
“As ações e discursos do governo federal e da
Funai, sob a presidência de Marcelo Xavier, serviram como sinalizações que
criaram nos invasores a expectativa de que suas posses ilegais dentro de terras
indígenas seriam legalizadas em breve”, destaca o CIMI sobre as tentativas de
Xavier, via normativas da Funai, de legalizar o garimpo e a extração de madeira
em TIs.
O governo agiu em diversas frentes contra os
direitos indígenas, aponta o CIMI. Na pasta da Justiça sob Bolsonaro, o então
ministro Sérgio Moro definiu, com base da tese do marco temporal, uma relação
de áreas indígenas que poderiam ser demarcadas. Proposta pela bancada
ruralista, a tese retiraria amplamente os direitos indígenas, afirmam os povos
originários e especialistas.
“Big
Brother” Amazônico: NASA oferece ao Brasil satélites mais poderosos para
monitorar floresta
No Brasil para costurar acordos entre o país e os
Estados Unidos, o diretor da NASA, Bill Nelson, afirma que o governo de Joe
Biden quer pôr a Amazônia no centro da cooperação entre as duas nações.
Contudo, até o momento, nenhum centavo da doação de US$ 500 milhões em cinco
anos anunciada pelos EUA ao Fundo Amazônia foi transferido.
Em reunião com o presidente Lula, Nelson ofereceu
ao governo brasileiro o uso de três novos satélites que podem dar informações
mais detalhadas sobre a situação do desmatamento da Amazônia, informa o UOL.
Segundo o diretor do órgão espacial estadunidense, um dos novos equipamentos
pode ver através da copa das árvores. Outro permite ler a umidade do solo.
“Temos instrumentos no espaço que podem identificar
doenças e pragas na floresta, e isso nos ajuda a prevenir incêndios, outra
fonte de destruição da vegetação. A discussão [com Lula] foi muito além desses
itens, foi muito produtiva para os dois lados. Também teremos reuniões de
acompanhamento dos nossos cientistas (dos EUA) com os brasileiros”,
complementou Nelson.
As tratativas com Lula também envolveram o
compartilhamento de informações produzidas pela agência espacial dos EUA. Além
disso, Nelson defende a criação de uma nova matriz econômica nas regiões que
atualmente dependem da exploração ilegal dos recursos naturais, destaca a
Folha.
Apesar da animação de Nelson, a ministra da
Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, explica que qualquer parceria
no monitoramento das florestas depende do aval das autoridades científicas que
acompanham a política aeroespacial brasileira. São elas que apontam a
necessidade dos equipamentos e a viabilidade de cruzamento de informações, de acordo
com a Agência Brasil.
Segundo a ministra, em breve deve entrar em
operação um novo radar, que possibilitará a captação de imagens através das
nuvens. Santos ainda disse que o INPE “continua firme e forte fazendo o dever
de casa” na qualificação de informações para o combate ao desmatamento na
Amazônia.
Fonte: Por
Bruna Bronoski da Agencia Pública/ClimaInfo
Nenhum comentário:
Postar um comentário