sábado, 8 de julho de 2023

Quais são as chances de a Etiópia aderir ao Brics?

Assolado pela seca e por dois anos de guerra civil, país africano manifestou interesse de entrar para o grupo de países emergentes. O Brics vai agora virar Bricse?Acrônimo da língua inglesa, Brics é uma abreviatura que serve para designar os cinco países membros do grupo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Englobando mais de 40% da população mundial, a organização é responsável por cerca de 26% da economia do planeta. Mas uma nova proposta sugere agora o acréscimo de mais um “e” no final da sigla — “e” de Etiópia.

A ideia de um “Bricse” veio a público no último dia 29 de junho através de um comunicado do Ministério das Relações Exteriores etíope. Mas se tal adesão faz sentido ou mesmo se tem alguma chance de vingar, ainda é motivo de debate.

Do ponto de vista da Etiópia, tal passo seria “estrategicamente muito importante e positivo”, avalia Alexander Demissie, diretor da consultoria independente The China-Africa Advisory, com sede em Colônia. “Ele expande as oportunidades da Etiópia para promover seus próprios interesses e se tornar parte da transformação contínua da ordem econômica e geopolítica internacional.”

·         “Remodelagem da ordem econômica e geopolítica”

Segundo Demissie, organizações como o Brics tem transformado o sistema Bretton Woods, “desenvolvendo uma estrutura capaz de oferecer um cenário alternativo a economias emergentes como a Etiópia”. Entre outras coisas, ele cita o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), fundado em 2014 pelos países do Brics como uma alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Através dele, seria possível fornecer capital adicional para o desenvolvimento de infraestrutura na Etiópia, aponta Demissie.

Yared Haile-Meskel, diretor da empresa de consultoria financeira YHM Consulting, em Addis Abeba, já é menos otimista: “Não esperaria nenhum milagre de proteção ou prosperidade”, diz o especialista financeiro, para quem a enorme esperança associada à adesão é exagerada. “Não acho que o Brics resolverá nenhum dos nossos problemas”, conclui. Haile-Meskel critica ainda a dependência da Etiópia — e da África como um todo — tanto do Ocidente quanto dos países do Brics. Estes últimos, na opinião dele, são um “clube exclusivo que busca reafirmar sua própria influência global”.

A Etiópia deve se concentrar nas suas próprias forças, acredita Haile-Meskel. “Temos que ser capazes de vender o nosso próprio poder nacional. Também temos que olhar para outros países na África. A realidade é realmente lamentável. Apesar de fornecermos a maioria dos preciosos metais, não temos nossa própria moeda lastreada em ouro. A África precisa de uma nova mentalidade. Às vezes pagamos um preço caro por imitar os outros.”

Com mais de 120 milhões de pessoas, a Etiópia tem a segunda maior população e uma das maiores economias de mais rápido crescimento no continente. No geral, no entanto, a produção econômica ocupa apenas o 59º lugar no mundo e equivale a menos da metade do PIB da África do Sul, o menor membro do Brics. Nos últimos anos, embora a Etiópia tenha expandido seu comércio com a China e a Índia, entre outros, seu povo – e economia – foram arrasados pela guerra civil e pela seca.

·         Consequências da guerra e da fome

Desde novembro de 2022 que a antiga zona de guerra no estado de Tigray, no norte do país, parece ter se apaziguado. Estima-se que cerca de 600 mil pessoas tenham sido mortas no conflito, enquanto que pelo menos dois milhões tenham fugido.

Mas a situação ainda não se acalmou completamente, com outros conflitos políticos internos surgindo na sequência, tais como tropas do governo lutando com as milícias de Oromo e Amhara no interior do país.

Além das consequências dos conflitos armados, milhões de pessoas passam fome por causa dos anos de seca. A falta de entrega de grãos da Ucrânia e da Rússia só tem piorado a situação — assim como o desvio de recursos da ajuda alimentar do Programa Mundial de Alimentos da ONU.

A guerra civil foi cara, ao mesmo tempo em que a taxa de inflação aumentou dramaticamente. “Em vez de buscar a adesão ao Brics, o primeiro-ministro Abiy Ahmed deveria se concentrar em reduzir a inflação”, tuitou o economista Steve Hanke, da Universidade Johns Hopkins.

Gustavo de Carvalho, do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA, na sigla em inglês), de Joanesburgo, calcula que mais de 20 países já manifestaram o desejo de fazer parte do grupo Brics. “Muitos deles compartilham características semelhantes: como a Etiópia, eles têm uma importância regional importante, uma economia em rápido crescimento e uma população muito grande”. Além disso, eles estão interessados ​​em usar moedas alternativas, especialmente no comércio bilateral, diz Carvalho, acrescentando que os candidatos à adesão buscam assim se tornar menos dependentes do dólar americano.

Carvalho não vê muitas chances de a Etiópia se tornar um membro do Brics em breve. “Numa escala de probabilidade, diria que a Etiópia fica em algum lugar no meio”, calcula.

“O processo levará tempo”, concorda Alexander Demissie, da China-Africa Advisory, ressaltando, porém, que há “muitos sinais positivos para o futuro”, sobretudo por causa de uma situação favorável para a Etiópia.

·         A identidade do BRICS

Ainda há muito o que se discutir — e as chances para tal podem estar já na próxima cúpula do Brics, programada para agosto na África do Sul. “Provavelmente apenas um ou dois novos países entrarão no Brics, quando muito”, acredita Gustavo de Carvalho.

Para ele, a cúpula deveria é trazer mais clareza sobre a identidade do grupo. “Uma grande questão — que acho que ainda não foi esclarecida — é a definição de critérios: o que os países precisam cumprir para aderirem ao Brics? Para muitos, isso ainda não está claro.”

Como dito, ainda há muito o que se discutir.

 

Ø  Tunísia é acusada por ONG de enviar imigrantes ilegais para o deserto

 

Tunísia vem sendo acusada de enviar imigrantes ilegais para o deserto. A prática chamou a atenção de uma das maiores organizações de defesa dos Direitos Humanos do mundo. A Human Rights Watch (HRW) pediu nesta sexta-feira (7) que o país pare com as "expulsões coletivas".

O país africano foi instado a parar com a prática de enviar pessoas para um local desértico ao sul de seu território, perto da fronteira com a Líbia, onde já estão centenas de migrantes da África subsaariana, em situação muito precária.

A ONG Human Rights Watch pediu ao governo da Tunísia que “acabe com as expulsões coletivas e permita urgentemente o acesso humanitário” a esses migrantes que têm “pouca comida e nenhuma assistência médica”, disse Lauren Seibert, pesquisadora de direitos dos refugiados na HRW.

“As forças de segurança da Tunísia expulsaram coletivamente várias centenas de migrantes africanos e requerentes de asilo, incluindo crianças e mulheres grávidas, desde 2 de julho de 2023, para uma zona remota e militarizada na fronteira entre a Tunísia e a Líbia”, relata o comunicado da HRW. “Muitas pessoas denunciaram a violência das autoridades durante sua prisão ou deportação”, acrescenta a ONG.

Os migrantes ouvidos pela ONG disseram que "várias pessoas morreram ou foram mortas na zona fronteiriça, entre 2 e 5 de julho, algumas das quais foram baleadas ou espancadas pelo Exército tunisiano ou pela guarda nacional", afirma o comunicado de imprensa da HRW. O documento especifica, no entanto, que não é possível confirmar essas alegações por falta de acesso à área.

Morte em briga

Uma onda de violência envolvendo os migrantes começou na terça-feira (4) e seguiu na quarta-feira (5), depois que um deles matou um morador da cidade durante uma briga.

Muitos desses migrantes haviam sido expulsos nos últimos dias da cidade de Sfax (centro-leste) em meio a tensões com a população local, que exigia a sua saída, afirmam depoimentos recolhidos pela AFP.

A situação em Sfax é de agitação social. Expulsos de suas casas, migrantes dizem estar assustados com a violência das últimas noites e se refugiaram em frente a uma mesquita da cidade, onde aguardam uma solução para a crise.

Foi em frente à mesquita Sidi Lakhmi, no centro de Sfax, que Ousmane, natural da Guiné, se refugiou na manhã da quinta-feira (6), depois de ter sido expulso pelo dono do seu alojamento, dois dias antes. “Não temos escolha, temos que vir para cá, ficamos em grupo. Porque se você ficar em número insuficiente, eles podem cair em cima de você, e você se machuca”, relata.

Sidide, um homem de 30 anos da Costa do Marfim, agradecia a alguns poucos voluntários que apareciam para levar mantimentos. “Caso contrário, não há associação que venha aqui". Apenas alguns tunisianos, acrescenta. 

Enquanto isso, outros migrantes foram transportados para áreas desérticas na fronteira da Líbia e da Argélia pelas autoridades da Tunísia, segundo os testemunhos relatados pela HRW, e deixados à própria sorte.

Sonia, uma camaronesa, relata o que viveu por uma mensagem de voz. Ela fala de uma área montanhosa perto da fronteira com a Argélia. Segundo os vídeos, são cerca de cinquenta pessoas no local. 

“Pensamos que a polícia iria nos levar para um local seguro. Mas, ao contrário, a polícia nos empurrou de volta para o deserto. Estamos há três dias entre a fronteira da Tunísia e da Argélia. Realmente, estamos desesperados, não sabemos o que fazer. Um senhor do grupo encontrou um poço. Foi aqui que nos reabastecemos, tivemos um pouco de água para beber", conta. 

Essa "zona tampão" perto da Líbia está a 350 quilômetros de Sfax. As autoridades da Tunísia negam ter participado desses envios forçados de pessoas. A ONG Human Rights Watch, que condenou em seu relatório essas expulsões para a fronteira, estima que mais de 500 migrantes foram expulsos dessa forma.

“Imigrantes africanos e requerentes de asilo, incluindo crianças, estão desesperados para sair da perigosa área de fronteira e encontrar comida, assistência médica e segurança”, conclui Seibert. “Não há tempo a perder”, alertou a representante da ONG.

Por fim, a HRW pediu à Tunísia para "investigar as forças de segurança implicadas em abusos e levá-los à Justiça".

Um discurso cada vez mais abertamente xenófobo contra esses migrantes se espalhou na Tunísia, desde que o presidente Kais Saied condenou a imigração ilegal, em fevereiro, apresentando-a como uma ameaça demográfica ao seu país.

A presidência rejeitou acusações de “racismo” e denunciou a presença de "hordas" de clandestinos que fazem parte de "uma empresa criminosa" que pretende, segundo o presidente Saied, "mudar a composição demográfica" do país magrebino.

O Fórum Tunisiano para os Direitos Econômicos e Sociais estima que existam 7.000 migrantes indocumentados na Tunísia e 6.000 requerentes de asilo, mas esses números aumentam a cada dia. 

 

Fonte: Revista Planeta/Rfi

 

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