Por que Nefertiti
se tornou um mito
Com
um olhar altivo e inacessível, Nefertiti parece olhar para longe. Pouco se sabe
sobre essa mulher que viveu no antigo Egito há cerca de 3.500 anos. É sabido,
sim, que seu nome significa "A bela chegou". Mas se era alta ou
baixa, severa, generosa ou arrogante — tudo isso jaz na escuridão da história.
Não há relatos de testemunhas oculares; nenhum papiro fala sobre sua vida.
Apenas alguns relevos e inscrições antigas revelam alguns detalhes sobre a
misteriosa Nefertiti.
Sabe-se
que ela se casou com Amenófis 4º ainda jovem, provavelmente entre os 12 e 15
anos. Amenófis 4º foi o "faraó herético", que aboliu o politeísmo e
passou a adorar apenas o deus do Sol Aton, representado como um disco radiante
de luz. Ele também mudou seu nome para Aquenáton ("Aquele que serve a
Aton"), ao tempo que Nefertiti teria se tornado Neferneferuaton
("Bela é a beleza de Aton").
Em
Berlim, mais algumas pistas sobre Nefertiti podem ser encontradas no Neues
Museum, que aloja o famoso busto na Ilha dos Museus. Olivia Zorn, vice-diretora
da coleção egípcia, conta, por exemplo, que o cargo de "Grande Esposa
Real" colocou Nefertiti em pé de igualdade com o marido. "Eles
formaram uma tríade com o deus Aton, ou seja, uma trindade. Aton, Aquenáton e
Nefertiti eram uma espécie de unidade governamental", conta ela à DW.
• Uma nova cidade para o deus Aton
Por
volta de 1.350 a.C. o casal governante deixou a capital Tebas e mandou
construir uma nova residência real. Em pouco tempo, surgiria Achet-Aton
("Horizonte de Aton"), cidade de 50 mil habitantes situada em um vale
protegido por penhascos íngremes — a planície de Amarna.
Aquenáton
também mandou construir um templo para o deus do Sol em tempo recorde, o
Gem-pa-Aton ("Aton foi encontrado"). Com a imposição do monoteísmo, o
casal governante fez inimigos poderosos. Milhares de sacerdotes ficaram
desempregados.
Aquenáton
morreria no 17º ano de seu reinado. "O que aconteceu com Nefertiti,
ninguém sabe", diz Zorn. Alguns acreditam que, por um tempo após a morte
do marido, ela tenha reinado sob o nome de Semencaré. "Mas também é bem
possível que ela tenha morrido antes dele", pontua a especialista.
• "A mais vívida obra de arte egípcia"
A
história toda só ganharia mais clareza na dinastia seguinte, sob o lendário
Tutancâmon. Ao lado de seus conselheiros, o faraó ressuscitou os antigos
deuses. Já as construções de Aquenáton em homenagem a Aton foram demolidas e
usadas como pedreira. A nova capital Aquenáton também foi destruída — e talvez
nunca mais tivéssemos ouvido falar de Nefertiti se não fosse o arquiteto e
egiptólogo alemão Ludwig Borchardt, que viajou ao Egito no início do século 20
atrás dos rastros da misteriosa cidade de Amarna.
Em
nome do Imperador Guilherme 2º, Borchardt procurava objetos para os museus
reais de Berlim. Em 6 de dezembro de 1912, ele e sua equipe de escavação
encontraram o ateliê de um escultor que teria vivido em 1.300 a.C.. Numerosos
bustos foram encontrados sob os escombros, incluindo um com a famosa coroa azul
escuro. Excetuando pela falta do olho esquerdo, a figura de orelhas salientes e
olhos delineados chamava a atenção por estar praticamente intacta.
Borchardt
estava entusiasmado: "Tínhamos a mais vívida obra de arte egípcia em
nossas mãos", observou. "Busto da rainha pintado em tamanho real, com
47 cm de altura. ...Excelente trabalho."
Hoje
inconfundível, a coroa de Nefertiti era comum no antigo Egito, assim como as
perucas volumosas. Acredita-se, aliás, que a cabeça da rainha fosse raspada,
pois além de ser mais prático diante do pesado adorno, isso impedia a
proliferação de piolhos. Mas como ela realçava a sua beleza? "A maquiagem,
no sentido de hoje, não existia naquela época", explica Olivia Zorn.
"Mas os olhos eram maquiados com este lindo delineador. Ele também tinha
um efeito antisséptico, pois mantinha afastadas as bactérias capazes de
provocar infecções oculares e cegueira."
• Nefertiti em troca de um retábulo
Borchardt
trouxe o busto de Nefertiti para Berlim com o apoio financeiro da Sociedade
Alemã do Oriente, que financiara sua missão no Egito. De acordo com os
regulamentos em vigor na época, todos os achados antigos eram divididos
igualmente entre o Egito e o país que realizava as escavações. Borchardt, no
caso, representava o Império alemão.
Gaston
Maspero, diretor do Serviço de Antiguidades, sob a égide da França, encarregou
seu colega Gustave Lefebvre de regulamentar a divisão do achado. Numa das
partes estava, entre outras coisas, o busto de Nefertiti, enquanto a segunda
continha um retábulo mostrando o casal real Aquenáton e Nefertiti com três de
seus filhos.
Como
o Museu do Cairo não dispunha de nenhum retábulo até então, ele optou por abrir
mão do busto. Posteriormente, Borchardt seria acusado de ter apresentado o
busto apenas à meia-luz para que não despertasse o interesse de Lefebvre.
• Um ideal moderno de beleza
E
assim a bela egípcia viajou até Berlim, onde só seria apresentada ao público em
1924 — e logo provocando um verdadeiro estrondo. Ela estampou capa das revistas
e virou um ícone publicitário: não só de cosméticos, perfumes e joias, mas
também de cerveja, café e até cigarros. Soterrada na areia do deserto por
milhares de anos, Nefertiti se tornava mais uma vez um ídolo admirado —
provavelmente como o fora durante a vida.
"Mesmo
no início do século 20, ela já correspondia ao ideal moderno de beleza de hoje,
com maçãs do rosto proeminentes e um rosto bem desenhado", diz Zorn.
"Mas se esse era o ideal de beleza de quase 3.500 anos atrás, já não
podemos dizer com certeza", acrescenta.
• Os mistérios do busto de Nefertiti
O
busto policromado não é a única imagem preservada de Nefertiti. Esculturas
antigas mostram a rainha egípcia de mãos dadas com Aquenáton em cerimônias
religiosas ou no papel carinhoso de mãe de seis filhas. Além disso, outras
estátuas foram encontradas.
Dentro
do busto há uma espécie de núcleo feito de calcário, no qual o escultor modelou
o rosto de Nefertiti. Imagens de tomografia computadorizada geradas em 2007 revelaram
que a rainha provavelmente era muito magra e tinha rugas bem marcadas.
"Sobre ela, o artista colocou uma fina camada de gesso, que funciona então
como uma boa base de maquiagem e esconde as imperfeições", explica Zorn.
O
fato de o famoso busto não ter um olho provavelmente não significa que
Nefertiti era caolha. "Trata-se apenas de um modelo, usado pelo artista
para criar outras estátuas da rainha", afirma a especialista. "Ele
provavelmente optou por não colocar um dos olhos embutidos para testar diferentes
materiais", conjectura.
• O problema do nariz autêntico
Para
obter uma reconstrução mais precisa do verdadeiro rosto de Nefertiti, seria
preciso ter a múmia dela. "Mas até agora a múmia de Nefertiti não foi
claramente identificada, apesar das inúmeras tentativas", conta Zorn,
acrescentando que mesmo que isso aconteça um dia, sempre haverá imprecisões.
"As múmias, naturalmente, se desgastam. Restam apenas pele e ossos, e o
mais difícil de uma reconstrução facial é geralmente o nariz."
Claro
que existem cientistas que podem dizer exatamente quanta carne havia sob aquela
pele, diz Zorn. "Mas não acho que seja possível reconstruir claramente um
nariz com as possibilidades de hoje". Quase 3.500 anos após sua morte, é
impossível dizer como Nefertiti era de fato. E é exatamente por isso que,
graças ao busto, ela permanece na memória como uma beleza fora do comum.
Fonte:
Deutsche Welle
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