segunda-feira, 3 de julho de 2023

Por que cada vez menos pessoas têm plano B na carreira

Chris tem 35 anos e trabalha na indústria de animação há mais de uma década. Ele ainda fica animado com suas tarefas semanais.

Chris adora o seu emprego, mas a instabilidade financeira o está forçando a considerar outras opções.

“A indústria não investe no planejamento de produção de longo prazo, nem na retenção de talentos”, explica ele. “Por isso, quando a produção acaba, você é descartado – sem rescisão, sem nada.”

No passado, ele conseguia lidar com as incertezas. Mas, agora, ele quer ter filhos e as flutuações do fluxo de caixa estão ficando problemáticas.

Por isso, o animador (que mora na Califórnia, nos Estados Unidos) pensa em se mudar para uma “carreira alternativa” em design de experiência do usuário, um mercado que está crescendo rapidamente com salários relativamente altos. Ele considera que esta é uma opção bastante segura.

Muitos outros profissionais como Chris têm um plano B para o caso de sua carreira não decolar – uma espécie de retorno em um setor mais estável, ao qual eles podem se voltar se a sua carreira original não der certo.

Em alguns casos, essa contingência pode estar em um campo relacionado aos seus hobbies e interesses. Em outros, é um campo tolerável que consegue pagar as contas.

Essencialmente, a carreira alternativa é um setor com muitos empregos e segurança, geralmente estável, mesmo com fortes ventos contrários na economia.

Os profissionais que assumem empregos em setores voláteis ou seletivos podem se sentir seguros por saberem que têm uma opção “estável” se a sua primeira escolha de carreira não funcionar.

 “Ter um plano B de carreira mais ‘seguro’ atende à necessidade das pessoas de sentir segurança e confiança para buscar carreiras menos tradicionais”, afirma a cientista comportamental Sarah Henson, da plataforma digital de coach de carreiras CoachHub.

De fato, ao longo dos anos, ter um plano B na manga era geralmente uma possibilidade realista. Mas, atualmente, com os altos custos da nova formação, o burnout da indústria e a instabilidade nos setores tradicionalmente seguros, migrar para uma carreira preparada com antecedência não é tão fácil, ou mesmo possível, como era no passado.

•        O custo da nova formação

Não existem carreiras “à prova de falhas”. Mas muitos profissionais consideram manter um plano B em setores como a educação ou o comércio, que são mais estáveis.

No caso de Chris, ele está se mudando para um setor que parece estar se expandindo rapidamente e procurando talentos com conhecimento das novas tecnologias.

As carreiras alternativas têm fama de permanecerem fortes – em sua maioria, elas parecem estáveis ou suficientemente “seguras” frente às mudanças do panorama econômico.

“Esses cargos tendem a estar onde existe falta de conhecimento e, por isso, eles oferecem boas perspectivas de trabalho”, afirma a professora Fiona Christie, da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido. Ela é especializada em empregabilidade e recém-formados.

É verdade que a maioria desses empregos realmente é estável, mas buscar uma nova carreira, muitas vezes, exige novo treinamento ou formação, o que custa tempo e dinheiro. É claro que sempre foi assim, mas as condições econômicas atuais estão fazendo com que fique mais difícil absorver estes custos adicionais.

“Existem barreiras significativas para novos treinamentos, incluindo o pagamento do curso simultaneamente aos custos básicos de vida e a possibilidade de reduzir as horas de trabalho para fins de estudo”, segundo Catherine Foot, diretora do centro de pesquisa e debates Phoenix Insights, mantido pela seguradora britânica Phoenix Group.

“Isso foi exacerbado pela elevação do custo de vida, que coloca mais pressão sobre a renda disponível”, explica ela.

No Reino Unido, dados de 2021 da organização dedicada à educação vocacional City & Guilds demonstram que os cidadãos britânicos que gostariam de mudar de carreira estão preocupados com os custos do novo treinamento, particularmente entre os profissionais com 25 a 34 anos de idade.

Estes temores são exacerbados pelo fato de que muitas pessoas estão economizando menos dinheiro em meio à atual instabilidade econômica. Dados do final de 2022 do Federal Reserve Bank de St. Louis, nos Estados Unidos, demonstram, por exemplo, que os norte-americanos conseguem agora economizar apenas 2,4% da sua renda disponível, contra cerca de 34% no auge da pandemia.

Estas são preocupações de Tiffany, que tem 30 anos de idade e está ansiosa para mudar de carreira, depois de passar uma década trabalhando no setor culinário.

“Mesmo em uma padaria respeitada, que paga altos salários, estou tendo dificuldade para não me sentir culpada por comprar sapatos ou alimentos”, ela conta. “A animação seria minha próxima carreira ideal, mas o grande problema são os estudos – simplesmente não tenho dinheiro para me sustentar.”

Tiffany mora em Minnesota, nos Estados Unidos. Para ela, pedir um empréstimo parece “assustador”, já que ela receia nunca ganhar o suficiente para pagar a dívida e ainda cobrir suas despesas normais.

Já para Chris, evitar os gastos com educação está definindo sua estratégia sobre a mudança de carreira. Ele definiu o design de experiência de usuário porque não precisaria estudar em tempo integral.

“Como tenho mais de 30 anos e estou a ponto de formar família, quero evitar ter que voltar para a escola e perder renda com isso”, ele conta.

Mudar de carreira é difícil para muitas pessoas, mas pode ser particularmente problemático para aquelas que não dispõem de “uma rede de segurança financeira, como economias familiares” ou que têm a responsabilidade de cuidar de outras pessoas, segundo Christie.

Além disso, como os salários perdem terreno em meio às turbulências da economia, alguns profissionais estão ganhando uma pausa para sair dos seus empregos atuais. Os dados do City & Guilds demonstram que mais de 25% dos cidadãos britânicos pesquisados estão preocupados com os salários de outras carreiras. Os dados mostram que as pessoas com 25 a 34 anos de idade são as mais preocupadas.

Um profissional que conseguiu fazer essa mudança é Lee, de 36 anos.

Depois de trabalhar como técnico musical freelancer por seis anos, ele quis um emprego mais sólido e confiável, com padrão de trabalho fixo e benefícios. E, para ajudá-lo, ele herdou algum dinheiro de um parente e investiu nos estudos para se tornar professor de ensino médio.

Mas, mesmo com a receita inesperada, os custos de vida têm sido um problema na transição para a carreira que ele esperava ser a garantia do sucesso.

Lee precisou se mudar para uma região mais cara na Inglaterra, para ficar perto da escola onde estudava. Com isso, seu aluguel disparou no ano passado.

E, sem receber salário no seu primeiro ano de magistério, ele precisou trabalhar também como tutor para cobrir suas despesas e está exausto de gerenciar tudo aquilo.

“Eu sempre tive o magistério em mente, mas não teria conseguido dar o salto sem o dinheiro que entrou”, ele conta. “E, mesmo agora, estou pensando se fiz a escolha certa. Com a inflação e tudo o mais, [o dinheiro] não durou tanto quanto planejei.”

•        Novo tipo de instabilidade

O cenário profissional atual também está prejudicando a viabilidade de algumas dessas carreiras alternativas tradicionais.

“Muitos setores, mesmo aqueles que tradicionalmente eram considerados opções ‘seguras’, como TI ou direito, também enfrentaram desemprego e mudanças organizacionais em níveis alarmantes”, afirma Henson.

Por isso, os profissionais estão repensando os empregos que antes eram considerados seguros, com salários decentes e, às vezes, até muito altos.

O setor de tecnologia, por exemplo, foi atingido por uma onda significativa de demissões em massa, que ainda não chegou ao fim.

Em 2022, o setor presenciou a maior onda de demissões nos Estados Unidos desde o estouro da “bolha pontocom”, no início dos anos 2000. Mais funcionários do setor de tecnologia foram demitidos em 2022 do que em 2021 e 2020, somados.

Como os cargos são limitados, aquelas funções que pareciam sempre ter demanda podem não existir mais – e não se sabe se elas irão voltar, especialmente com as novas tecnologias ameaçando eliminar ou, pelo menos, mudar significativamente os empregos.

No Reino Unido, por exemplo, milhares de professores e enfermeiros entraram em greve, devido ao excesso de trabalho e aos baixos salários.

Os dados indicam que o burnout está aumentando nesses setores. Este é um problema que foi exacerbado pela pandemia e está afastando os profissionais existentes, em vez de incentivar a vinda de novos trabalhadores.

Uma pesquisa realizada em 2022 pelo instituto YouGov entre professores com 34 anos de idade ou menos demonstra que, se pudessem voltar atrás, dois em cada cinco deles hoje não seriam professores.

“Não podemos mais idealizar este tipo de plano B de carreira, nem acreditar que ele esteja firme e a pleno vapor”, afirma Christie.

•        ‘Eu me pergunto se fiz a escolha certa’

Mudanças como essas aumentaram a incerteza sobre o futuro das carreiras alternativas – e até mesmo da própria ideia de um plano B de carreira.

Mas nem tudo são más notícias: os avanços da educação na pandemia reduziram um desses problemas.

“Três anos se passaram e a demanda por ferramentas digitais de aprendizado e desenvolvimento permanece alta. O ensino à distância mostrou-se uma forma conveniente para que as pessoas desenvolvam seu crescimento individual no seu próprio ritmo”, segundo Henson.

“Além da oferecerem valiosos conhecimentos que estão em alta demanda, as ferramentas de ensino à distância permitem que os profissionais experimentem realizar as tarefas relacionadas ao novo emprego, garantindo que eles tomem a decisão correta antes de saltarem para o plano B em outro setor”, afirma ele.

Tiffany afirma que assistiu a aulas online de design gráfico gratuitas para aprender o básico e espera que isso ajude no seu progresso.

Mas não é possível obter nova formação online em todos os setores. Alguns deles exigem treinamento prático ou intensos períodos de estudos e exames, com horas de experiência profissional (normalmente, com pagamento simbólico ou, como Lee, sem pagamento). Tudo isso dificulta ainda mais o ingresso nesses setores que, antes, eram seguros, especialmente em tempos de retração da economia.

Lee ainda está buscando sua nova formação como professor, mas pretende trabalhar como entregador à noite e nos feriados, para suplementar seus ganhos como tutor. Ele acredita que, quando começar a ganhar dinheiro como professor qualificado, irá se sentir financeiramente mais estável.

“Não muito tempo atrás, voltar a estudar para ser professor parecia um caminho delicado, mas atraente”, ele conta. “Agora, percebo que desfazer a vida, voltar a pegar os livros e receber pouco para isso é uma mudança bastante arriscada – em qualquer momento.”

“Só espero que valha a pena e vou ficar feliz quando chegar lá.”

*Os sobrenomes de Chris, Tiffany e Lee são omitidos para manter sua segurança profissional.

 

Fonte: BBC Worklife

 

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