segunda-feira, 3 de julho de 2023

Piora desigualdade educacional entre negros e brancos apesar de melhora média de aprendizado

O ensino fundamental público brasileiro registrou uma melhora nos indicadores de aprendizado nos últimos anos, mas isso não ocorreu de maneira igual para todos os alunos. Esse movimento veio acompanhado de uma piora nas desigualdades entre alunos negros e brancos, com agravamentos regionais.

Com base nos resultados do Saeb, a avaliação federal da educação básica, um estudo do Insper obtido pela reportagem mostra que, apesar da leve melhora no desempenho geral dos estudantes, meninas e meninos pretos estão em desvantagem ainda mais aguda.

Os dados levam em conta os resultados das provas de português e matemática feitas por alunos ao fim dos anos iniciais (1º ao 5º ano) e dos anos finais (6º ao 9º) do ensino fundamental. Analisou-se resultados entre 2007 e 2019, período anterior à pandemia.

Em matemática, por exemplo, os meninos brancos tinham, em 2007, uma vantagem de 9,1 pontos sobre as meninas negras (que considera quem se autodeclarou preta ou parda). Esse hiato foi para 13 pontos em 2017.

No 9º ano, essa diferença era de 21,3 pontos em 2007 e foi para 23,4, em 2017, segundo dados do estudo, que realizou ponderações estatísticas nos resultados do Saeb para efetuar comparações seguras.

Estudantes pretos têm ficado ainda mais para trás na comparação com brancos e pardos. Ao fim do ensino fundamental, no 9º ano, a média dos meninos pretos ficavam 16,6 pontos abaixo das meninas pardas em 2007. Essa distância chegou a 20,5 pontos em 2017 --ao comparar com meninas brancas, o abismo passou de 28 para 32,4 pontos.

Já em matemática, são as meninas pretas que têm as maiores desvantagens. Em 2007, a média delas era 14,6 pontos menor que a dos meninos pardos e 25,9 abaixo da nota de meninos brancos. Dez anos depois, os resultado do Saeb mostram uma distância das meninas pretas de 20,3 para meninos pardos e 30,2 pontos para brancos.

O pesquisador Michael França, autor do estudo ao lado de Gerrio Barbosa e Alysson Portella, diz que os resultados são um reflexo das desigualdades sociais e da discriminação.

"As políticas educacionais não podem olhar só para as médias de desempenho, porque isso é deixar pessoas para trás. A sociedade precisa convergir para políticas que olhem para a equidade, para o combate da distância dos piores para os melhores", diz ele, que coordena o Núcleo de Estudos Raciais do Insper.

França afirma que as evidências mostram que escolas com alunos mais pobres e com maior predominância de negros contam com maiores deficiências pedagógicas. Também há indicações que professores reforçam estereótipos raciais, sempre em desvantagem para negros.

Os achados desse estudo indicam parte dos problemas das desigualdades raciais na educação. Não refletem desigualdades entre alunos da mesma escola, por exemplo. Além disso, abandono e evasão escolar são problemas que também afetam crianças e adolescentes negros com mais força.

Zara Figueiredo, secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, afirma que o Brasil nunca teve princípios de ações afirmativas para busca da igualdade na educação básica. A forma como se distribui os bens sociais e pedagógicos na educação básica é essencial nesse ponto, diz ela.

"A sociedade se escandalizou com episódios como o de racismo vivido pelo jogador Vinicius Junior, mas por que ninguém se escandaliza com esses dados que mostram que meninos negros têm anos de aprendizado de diferença?", diz ela. "Naturalizamos essa faceta do racismo."

À frente da subpasta do MEC recriada pelo governo Lula (PT) para ter foco nessas questões, Figueiredo diz que o desafio de focar no combate às desigualdades passa pelas regras de direcionamento de recursos, desenho das avaliações (para que expresse os hiatos), gestão de alocação de docentes em escolas prioritárias e também formação.

A secretária tem tido assento em reuniões de diferentes áreas do MEC para que as ações se estruturem em torno desses princípios. A pasta deve criar, por exemplo, linhas de equidade para os principais mecanismos de transferências federais para redes de ensino.

"As escolas e redes vão precisar apresentar ações de gestão para lidar com as desigualdades", diz ela.

O MEC e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) recriaram na última semana o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento. O projeto inclui R$ 600 milhões para ações afirmativas na pós-graduação e na formação de professores para a educação básica.

Há foco em formações para estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas, alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades. São previstos fomento a projetos com as temáticas de promoção da igualdade racial, combate ao racismo, difusão do conhecimento da história e cultura afro-brasileira e indígena, educação intercultural, acessibilidade e inclusão.

O estudo do Insper comparou também o hiato regional entre brancos e negros. As disparidades raciais são maiores e têm se intensificado nas regiões Sul e Sudeste.

Nas regiões Norte e Nordeste, os negros tinham em 2007 notas bem próximas aos brancos (às vezes até superiores) em português e matemática, tanto nos anos iniciais quanto nos finais do ensino fundamental. Mas nos resultados mais recentes a situação tem piorado.

Em quase todos os estados do país houve uma melhora no desempenho médio em português e matemática entre 2007 e 2019, mas com uma ampliação da desigualdade. No Ceará, cujos municípios têm tido melhoras relevantes nas médias de aprendizado no ensino fundamental, "as diferenças de desempenhos entre negros e brancos de modo geral evoluíram beneficiando os alunos brancos", diz o estudo.

As diferenças entre negros e brancos são mais acentuadas no 9º ano quando se olha para as diferenças em cada estado. Praticamente em todas as unidades da federação os estudantes brancos aparecem com melhores resultados que os negros em 2019 (exceção em Alagoas e no Acre, em que há similaridade de notas em matemática).

"É preocupante quando pretos e pardos, que são a maioria da população, estão em desvantagem mesmo quando as notas dos estudantes brancos no país também são muito ruins", completa Michael França.

 

       Conter desigualdade e formar professores devem ser prioridade da Capes

 

O Brasil terá, até o fim do ano, um novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG). O documento vai definir estratégias e metas para políticas de pós-graduação, de pesquisa e de formação de pessoal para serem implementadas em cinco anos.

Para detalhar a elaboração e as prioridades do novo plano, a Agência Brasil conversou com a presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante (foto).  

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Segundo ela, políticas e ações voltadas para a redução de desigualdades, para a formação de professores e para melhorar a relação da pós-graduação com as demandas da sociedade estarão entre as prioridades do plano.   

O documento está sendo discutido internamente em grupos de trabalho. Ainda deverão ocorrer oficinas regionais, em parceria com as fundações de apoio à pesquisa dos estados e uma consulta pública. Após essas etapas, o documento deverá ser aprovado pelo Conselho Superior da Capes. A expectativa, segundo a presidente, é que o PNPG seja consolidado em dezembro e passe a vigorar em janeiro de 2024.  

O novo programa deverá também nortear o Plano Nacional de Educação (PNE), que define metas para toda a educação, desde a infantil até a pós-graduação do país pelo prazo de dez anos. O atual PNE termina em 2024 e uma nova lei deverá ser aprovada.

A meta atual para a pós-graduação é elevar número de mestres no país para 60 mil e de doutores para 25 mil. De acordo com o painel de acompanhamento do PNE, a meta dos mestres já foi cumprida.

Bustamante destacou também, nesta entrevista, o papel da Capes para reduzir as assimetrias entre os cursos de pós-graduação. “É importante que o sistema de pós-graduação também englobe essa diversidade que é tão própria do Brasil, mas sem acentuar as desigualdades. A gente quer manter a diversidade, mas não as desigualdades”, diz. 

Sobre as bolsas de estudos, a presidente da Capes comentou o recente reajuste e disse ainda não haver previsão para novos aumentos. “O ideal é que as bolsas tivessem uma certa previsibilidade de reajustes, mas isso está muito associado também à aprovação da lei orçamentária anual, que depende da proposta a ser levada para o Congresso e da aprovação do Congresso Nacional”, esclarece.   

Atualmente, a Capes é responsável pelo pagamento de 50.699 bolsas de doutorado, 44.019 bolsas de mestrado e 3.542 bolsas de pós-doutorado no país, segundo o Sistema de Informações Georeferenciadas (Geocapes).

As bolsas – sem reajuste há uma década – tiveram aumento de 40% para alunos do mestrado e doutorado, chegando respectivamente a R$ 2,1 mil e R$ 3,1 mil; e de 25% para os pós-doutorandos, atingindo o valor de R$ 5,2 mil.

Principais pontos da entrevista 

•        O que é o Plano Nacional de Pós-Graduação e qual o impacto que ele pode ter na educação brasileira?  

Mercedes Bustamante: O PNPG é um documento que norteia as políticas de pós-graduação no Brasil. A cada cinco anos, a Capes coordena um processo de consulta da comunidade e discussão com as instituições de ensino para a definição de metas para a pós-graduação no Brasil. A ideia é definir um plano a partir de 2024. E ele terá uma conexão com o Plano Nacional de Educação (PNE), que tem validade de 10 anos e será votado até o final deste ano. 

•        O que está sendo priorizado no novo plano?  

Mercedes Bustamante: Grandes temas estão sendo discutidos em grupos de trabalho. A internacionalização da pós-graduação – como a gente pode continuar com o processo da inserção brasileira na ciência e na comunidade internacional e também atrair os talentos que estão fora do Brasil para que eles possam trabalhar aqui? 

As relações entre a sociedade, o setor extra-acadêmico e as universidades e as instituições de ensino superior – um estudo que indica para onde vão os nossos egressos, para onde vão as pessoas que nós formamos, mas também outro estudo que permite identificar o perfil dos estudantes que ingressam na pós-graduação. A pós-graduação tem que ser desenhada para essa geração que entra hoje nas instituições de ensino superior, mas, também, pesando qual o papel que elas devem desempenhar na sociedade nos próximos anos. 

Outro aspecto central para a pós-graduação são os mecanismos de avaliação da pós-graduação. Lembrando que a Capes é responsável pelo credenciamento, pela avaliação e pelo fomento dos programas de pós-graduação e isso só pode ser feito com uma avaliação muito robusta e uma avalição que considere as múltiplas dimensões da pós-graduação. 

Outra questão que nos preocupa bastante [envolve] as desigualdades e as assimetrias. Assimetrias regionais, assimetrias de gênero, assimetrias étnico-raciais, ou seja, como nós incorporamos as questões de equidade, de redução das diferenças no âmbito da pós-graduação. E, por fim, aspectos relacionados a inovação e a interações entre educação básica, formação de professores para nossa educação básica e pós-graduação.  

•        A Capes planeja mudar os atuais parâmetros de avaliação dos cursos de pós-graduação?  

Mercedes Bustamante: O plano estabelece diretrizes gerais para a avaliação, o que esperamos do processo avaliativo, quais as dimensões que devem ser consideradas, como fazemos a avaliação do sistema que hoje cresceu bastante, que se diversificou, que está em diferentes regiões do país, e cobre diferentes áreas do conhecimento. A Capes hoje tem um Termo Autocomposição assinado com o Ministério Público Federal que limita de certa forma algumas possibilidades de alteração de parâmetros de avaliação. Estamos também em discussão com representantes das áreas de conhecimento e coordenadores de área de avaliação da Capes, no sentido de entender quais são essas limitações impostas pelo termo de autocomposição, mas, também, ao mesmo tempo, não queremos perder a oportunidade de fazer com que esse processo de avaliação acompanhe as mudanças do processo de educação e de geração de conhecimento do país.  

•        É possível adiantar algum critério na avaliação que poderá será alterado?   

Mercedes Bustamante: Ainda está muito precoce, eu diria, acho que o ponto fundamental que tem sido muito enfatizado pela comissão assessora é a necessidade que a avaliação seja baseada em múltiplos critérios. O programa de pós-graduação é um programa de formação de pessoas. Então, como avaliamos os processos formativos? E outro ponto essencial [é] quando falamos da redução das assimetrias, aquela concepção dos programas de pós-graduação atendendo demandas específicas de cada localidade. Um programa no sul do Brasil tem características que são próprias da sua região, assim como um programa no Acre, no Amazonas, em Roraima. Então, é importante que o sistema de pós-graduação também englobe essa diversidade que é tão própria do Brasil, mas sem acentuar as desigualdades. A gente quer manter a diversidade, mas não as desigualdades.  

•        Quais serão, na prática, as ações para a redução de assimetrias que poderão ser propostas pela Capes?  

Mercedes Bustamante: Devemos lançar, em breve, um edital que vai cobrir os cursos que têm nota na avaliação um pouco mais baixa, de modo a apoiar e alavancar a qualidade desses programas. Outros aspectos são importantes quando a gente fala na redução de desigualdades. [É] importante considerar as dificuldades que mulheres pesquisadoras têm na ascensão acadêmica, que são mais fortes em algumas áreas do conhecimento, como as chamadas ciências exatas e da terra; e, também, a necessidade aumentar a participação de discentes [alunos] pesquisadores de grupos sub-representados como pretos, pardos e indígenas dentro da comunidade acadêmica brasileira.  

•        O plano irá abordar também a formação de professores? De que forma?  

Mercedes Bustamante: Essa vai ser uma linha extremamente importante, lembrando que a Capes, a partir de 2007, ganha essa função que é trabalhar na formação inicial e continuada de professores de educação básica, que hoje é uma atuação, da mesma forma que a pós-graduação, central dentro da Capes. A maneira ideal é que essas duas estratégias de formação estejam integradas. A formação inicial dos nossos professores de educação básica se inicia dentro da universidade. Da mesma forma, os professores que já estão hoje em atuação na sala de aula da educação básica retornam para as universidades através dos programas de mestrado profissional em educação básica, para a formação continuada. Falo que são vasos comunicantes. Precisamos da formação de bons professores na universidade. As instituições de ensino superior, os institutos federais, os institutos de pesquisa têm que estar abertos para a formação continuada dos professores. O professor de educação básica, por sua vez, com uma formação mais adequada, é capaz de levar melhores alunos para as universidades, para as instituições de ensino superior ou do ensino técnico, contribuindo para o desenvolvimento do país.   

•        Como a Capes pensa a questão do ensino a distância (EaD) na pós-graduação? 

Mercedes Bustamante: A Capes é responsável pela Universidade Aberta do Brasil, que oferece, em parceria com os municípios, através da criação de polos, a possibilidade de formação de professores em áreas onde não há universidades. Os cursos são oferecidos pelas universidades na forma de EaD através desses polos e isso também é uma estratégia para disseminar a formação de professores onde as universidades não estão e tem sido uma estratégia muito importante.  

Hoje, temos um grupo de trabalho constituído para discutir a educação a distância dentro dos programas de pós-graduação e como isso deve se organizar. A pandemia nos trouxe algumas mudanças que são irreversíveis no uso dessas ferramentas. 

Na minha visão, o componente presencial continua sendo um componente muito importante na relação orientador aluno e também na aquisição de determinados conhecimentos. Então, de certa forma, a tendência é muito mais no sentido de sistema híbrido e que seja possível a utilização de ferramentas de EaD, mas sem perder a perspectiva ou importância da formação em nível presencial. E sempre considerando, mesmo no uso das ferramentas a distância, o critério da qualidade.  

•        Em relação a bolsas de estudos, tivemos recentemente reajustes após anos sem recomposição. A Capes pretende estabelecer uma previsibilidade nos reajustes das bolsas?  

Mercedes Bustamante: O reajuste era realmente uma demanda legítima da comunidade acadêmica, de discentes e docentes. As bolsas do país perderam poder de compra. O reajuste publicado foi, em média, de 40%. Algumas categorias receberam mais ou um pouco menos. Era a possibilidade que nós tínhamos com o orçamento aprovado para 2023. Novos reajustes estão efetivamente em planejamento, mas vão depender do orçamento previsto para a Capes para os próximos anos. O que já foi concedido será mantido e há a possibilidade de novos reajustes. O ideal é que as bolsas tivessem uma certa previsibilidade dos seus reajustes, mas isso está muito associado também à aprovação da lei orçamentária anual, que depende da proposta a ser levada para o Congresso e da aprovação do Congresso Nacional. Nós esperamos fortemente que os congressistas entendam a importância das bolsas dentro do sistema nacional de pós-graduação e apoiem esse pleito de maior orçamento para a Capes.  

•        Em qual estágio de elaboração está o plano? Quais são os próximos passos e os próximos prazos?  

Mercedes Bustamante: Os últimos grupos de trabalho formados pela comissão assessora estão concluindo agora os seus estudos e [o documento] será consolidado pela Capes. Há o planejamento de algumas oficinas regionais em parceria com as fundações de apoio a pesquisa dos estados para entender um pouco mais da demanda regionalizada de formação de recursos humanos. Depois dessas oficinas regionais, o documento será novamente consolidado e submetido à consulta pública. Depois, será encaminhado, para aprovação final, ao Conselho Superior da Capes. Esperamos que entre dezembro e janeiro seja possível fazer a consulta ao Conselho Superior para ter um plano vigente em janeiro de 2024. Mas sujeito a condições de temperatura e pressão.  

•        Por fim, o qual o papel da pós-graduação para o país?  

Mercedes Bustamante: Acho que o ponto central hoje é essa preocupação que a pós-graduação esteja atenta às mudanças em termos de desenvolvimento de economia do país. Então, se o país discute um novo processo de industrialização, quais serão os recursos humanos que serão necessários para esse novo processo de industrialização na construção de um caminho para a sustentabilidade? O Brasil vai sediar a COP-30 [Conferência do Clima das Nações Unidas] em Belém, em 2025. Como a pós-graduação pode contribuir com rotas de desenvolvimento sustentáveis para o país? Então, é realmente colocar a formação de recursos humanos a serviço da construção desse país que almejamos.

 

Fonte: FolhaPress/Agencia Brasil

 

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