O que ainda pesa
contra Bolsonaro na Justiça
Após
o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) declarar Jair Bolsonaro inelegível por abuso de
poder político
e uso indevido de meios de comunicação, o ex-presidente ainda enfrenta uma
ampla lista de acusações em diferentes esferas judiciais, relacionadas a
diversos supostos crimes atribuídos ao seu comportamento
e decisões que tomou como chefe de Estado.
A
seguir, a DW reuniu algumas das principais acusações e possíveis reveses
judiciais que Bolsonaro pode
enfrentar.
·
TCU pode aumentar inelegibilidade
Segundo
a decisão do TSE na semana passada, o prazo de oito anos em que o ex-presidente
ficará inelegível começa a contar a partir das eleições de 2022, o que
significa que Bolsonaro só poderá voltar a disputar eleições em 2030. Há, no
entanto, a possibilidade de que o Tribunal de Contas da União (TCU) estenda a
inelegibilidade.
O
Ministério Público encaminhou ao TCU uma representação pedindo que a Corte
apure o dano causado aos cofres públicos pela reunião com embaixadores que
motivou a condenação no TSE. No encontro, realizado em julho de 2022 no Palácio
da Alvorada e transmitido na íntegra pela TV Brasil, que é pública, Bolsonaro
fez uma série de acusações
mentirosas e sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro.
O
subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado,
pediu a apuração de "dano ao erário decorrente do abuso de poder político
e do uso indevido dos meios de comunicação, especialmente por meio de canal
público, por parte do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, no contexto da
decisão tomada pelo TSE quanto à inelegibilidade".
Em
vez das eleições de 2022, uma eventual condenação pelo TCU determinaria como
data de início da inelegibilidade o momento do fim da ação ou trânsito em
julgado. Dependendo do momento da decisão, a inelegibilidade poderia ser
estendida também para as eleições de 2030 e até para as de 2032.
Segundo
a Folha de S.Paulo, nos bastidores do TCU é visto como improvável
que o tribunal não condene o ex-presidente.
·
Outras 15 ações no TSE
No
TSE, Bolsonaro é alvo de 15 ações além da que já foi julgada e que ainda podem
resultar em consequências para o ex-presidente na esfera eleitoral.
Entre
os temas a serem analisados pelo TSE está a concessão
de benefícios sociais no contexto da eleição presidencial de 2022. Entre o
primeiro e o segundo turno, o governo incluiu milhares de famílias no Auxílio
Brasil e no auxílio gás, liberou empréstimo consignado para beneficiários do
programa e criou financiamento com FGTS futuro, entre outras medidas.
O
TSE também deve se debruçar sobre o suposto desvio de finalidade de eventos
oficiais como a comemoração
dos 200 anos da Independência, a viagem a
Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª e o discurso de
Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU para obter vantagens eleitorais.
Há
ainda, entre outras, ações relativas a supostos atos de campanha realizados por
Bolsonaro em prédios públicos como o Palácio do Planalto.
·
8 de Janeiro
Na
esfera criminal, Bolsonaro foi incluído no rol de investigados em inquérito do
Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a responsabilidade pelos atos
antidemocráticos do 8 de Janeiro. O inquérito 4.921, que apura a invasão
das sedes dos Três Poderes, é considerado o que pode ter as consequências mais
graves para o ex-presidente.
Bolsonaro
entrou no rol de investigados a pedido da Procuradoria-Geral da República
(PGR). O pedido foi assinado por membros do Ministério Público Federal, e não
pelo procurador-geral Augusto Aras, que foi nomeado ao cargo pelo
ex-presidente.
Na
visão do grupo de procuradores, Bolsonaro fez incitação pública à prática de
crime ao postar vídeo no dia 10 de janeiro questionando a regularidade das
eleições presidenciais de 2022. A postagem foi apagada no dia 11 de janeiro. Em
depoimento prestado à Polícia Federal em abril, Bolsonaro alegou ter publicado
o conteúdo por engano, quando estava sob efeito de medicamentos.
Para
os procuradores, apesar de o vídeo ter sido postado depois dos atos golpistas,
é preciso apurar a eventual conexão probatória com o ocorrido e investigar atos
relacionados do ex-presidente antes do 8 de Janeiro.
Há
uma série de outros inquéritos no STF para apurar as responsabilidades pelos
ataques e atos de violência do 8 de Janeiro que podem eventualmente vir a
abarcar condutas de Bolsonaro.
·
Milícias digitais, pandemia, interferência na PF
O
ex-presidente ainda é alvo de cinco inquéritos que tramitam no Supremo, sob a
relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que ainda não decidiu se os
enviará à primeira instância.
Além
do inquérito sobre o 8 de Janeiro, Bolsonaro é investigado em inquéritos do STF
que apuram vazamento
de dados de investigação sigilosa da PF sobre ataque cibernético ao Tribunal
Superior Eleitoral, associação
falsa entre a vacina contra
a covid-19 e o risco de contrair o vírus da aids, tentativa de interferência
indevida na PF e
vínculo com organizações para difusão de
fake news sobre
o processo eleitoral (milícias digitais e atos antidemocráticos).
No
âmbito do inquérito das milícias digitais, o STF autorizou a PF a investigar a
introdução de dados
falsos de vacinação em
sistemas do Ministério da Saúde para gerar comprovantes falsos de imunização
para Bolsonaro, sua filha Laura e para seu ex-ajudante de ordens
tenente-coronel Mauro Cid Barbosa. De acordo com o jornal O Globo,
a investigação, que pode implicar Bolsonaro, tramita de forma sigilosa e ainda
não foi formalizada como inquérito.
A
gestão do ex-presidente durante a pandemia também pode vir a ser objeto de
condenações. Ele pode ser investigado no âmbito da Justiça Federal (sem
prerrogativa de foro) pelos crimes referentes a omissão, emprego irregular de
verbas orçamentárias e charlatanismo no combate à pandemia de covid-19,
conforme apontou o relatório
final da CPI da Pandemia.
·
Apologia ao estupro
Como
Bolsonaro não tem mais foro privilegiado, o ministro Dias Toffoli, do STF,
encaminhou em junho deste ano para instâncias judiciais inferiores duas ações
em que o ex-presidente é réu desde 2016. Trata-se dos processos por apologia ao
estupro e injúria
contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a qual Bolsonaro disse que
não merecia ser estuprada por ser "muito feia".
A
tramitação das duas ações havia sido interrompida durante o mandato
presidencial. O crime de incitação prevê de três a seis meses e o de injúria de
um a seis meses de detenção.
·
Joias sauditas
Desde
março deste ano, a Polícia Federal (PF) investiga se houve crime no caso
envolvendo joias recebidas
pelo então presidente Bolsonaro da Arábia Saudita. Seu governo teria tentado
trazer ao Brasil de forma ilegal joias inicialmente avaliadas em cerca de R$
16,5 milhões - valor que foi posteriormente corrigido pela própria Receita
Federal para R$ 5 milhões.
O
ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, pediu à PF que o caso
fosse investigado, afirmando que os fatos revelados pela imprensa "podem
configurar crimes contra a administração pública".
·
Sete de Setembro, vacina sem licitação
No
início deste ano, a ministra Cármen Lúcia, do STF, determinou o envio de oito
pedidos de investigação contra Bolsonaro para serem avaliados pela primeira
instância do Judiciário. A maioria diz respeito à atuação o ex-presidente no
ato em 7 de setembro de 2022 no qual ele repetiu sua retórica
antidemocrática e afirmou que não acataria decisões do STF.
Os
ministros Edson Fachin e Luiz Fux também enviaram outros dois pedidos de
investigação de Bolsonaro à primeira instância. Um é uma queixa-crime do
senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por difamação – Bolsonaro disse que o
parlamentar negociou compras de vacina sem licitação. Outro é uma queixa-crime
da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) contra Bolsonaro, por injúria, e diz
respeito aos trabalhos da Comissão
Nacional da Verdade.
·
Genocídio indígena
A
eventual responsabilidade de Bolsonaro e de ações de seu governo pela tragédia
yanomami também
está sob apuração. A pedido do
ministro Luís Roberto Barroso, do STF, a Procuradoria-Geral da
República, o Ministério Público Militar, o Ministério da Justiça e a Polícia
Federal (PF) apuram se agentes do governo Bolsonaro e o então presidente teriam
praticado crimes de genocídio e delitos ambientais que colocaram sob ameaça a
vida, saúde a segurança diversas comunidades de povos originários.
Na
petição 9.585, que tramita em sigilo no STF, Barroso determinou que sejam
coletados documentos relacionados ao quadro de "absoluta insegurança dos
povos indígenas envolvidos, bem como a ocorrência de ação ou omissão, parcial
ou total, por parte de autoridades federais, agravando tal situação", e
que possam apontar eventual conivência do governo federal com o garimpo ilegal
em áreas indígenas.
·
Denúncias em Haia
No
total, tramitam no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, seis denúncias
contra Bolsonaro. A primeira foi protocolada
em novembro de 2019,
pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, por "crimes contra a
humanidade" e "incitação ao genocídio dos povos indígenas". O
coletivo lista 33 medidas adotadas na administração Bolsonaro que teriam
facilitado o genocídio de indígenas.
A
segunda denúncia é de abril de 2020, apresentada ao TPI pela Associação
Brasileira de Juristas pela Democracia, que busca responsabilizar Bolsonaro por
"atitudes absolutamente irresponsáveis” na gestão da pandemia de covid-19
e pede que ele seja enquadrado em crime contra a humanidade por expor a vida de
cidadãos brasileiros.
Também
em 2020, o PDT apresentou outra denúncia contra Bolsonaro ao TPI, acusando-o de
crime contra humanidade por contrariar determinações da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e adotar uma postura negacionista que agravou a curva de óbitos e
infectados no país.
A quarta
denúncia também aborda o genocídio indígena e foi apresentada pela
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O governo Bolsonaro é acusado
de tomar ações deliberadas para exterminar etnias indígenas, com aval ao
garimpo ilegal e total negligência à saúde indígena.
Até
o Movimento Brasil Livre, cujos integrantes chegaram a apoiar Bolsonaro,
recorreu a Haia no final de 2021, pedindo que ele seja julgado pelo crime de
genocídio por causa das ações na pandemia. Essa foi a quinta denúncia.
A
última delas foi protocolada em maio passado, por entidades internacionais –
Deutsche Umwelthilfe, Avaaz, Bourdon & Associates e AllRise –, que aponta
uma suposta responsabilidade de Bolsonaro pelo aumento do desmatamento na
Amazônia, elevação da emissão de CO2 no planeta e do número de incêndios na
floresta.
O
TPI atua em casos relacionados a quatro crimes: genocídio, crimes de guerra,
crimes contra a humanidade (crimes ocorridos contra a população civil num
contexto sistemático) e crime de agressão (o ato de usar a força armada contra
outro Estado). Mas é um tribunal subsidiário, que atua somente caso as
instituições nacionais não julguem potenciais acusações sobre esses crimes.
Fonte:
Deutsche Welle
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