terça-feira, 11 de julho de 2023

Europa despeja no Brasil mais de 6.000 toneladas de agrotóxicos que matam abelhas em apenas um ano

Cerca de 6.300 toneladas de agrotóxicos que comprovadamente matam abelhas foram enviados pela Europa ao Brasil somente em 2021. Os dados foram obtidos pela organização suíça Public Eye e pela agência de jornalismo Unearthed.

Apesar de serem produzidos na Europa, produtos à base de neonicotinóides têm seu uso proibido na União Europeia desde 2018, justamente pelos impactos às abelhas, essenciais à reprodução de diversas espécies de plantas.

A partir de informações da Agência Europeia dos Produtos Químicos (Echa), a investigação mapeou os destinos de agrotóxicos compostos por tiametoxam, clotianidina e imidacloprido, letais para os insetos.

Em 2021, as fabricantes europeias exportaram 13,2 mil toneladas dessas substâncias para 78 países. O Brasil foi o principal destino, com 6.272 toneladas (ou 47% do total).

Quase todas as compras brasileiras se referem a compostos de tiametoxam, fabricado pela multinacional de origem suíça Syngenta, com 6.269 toneladas. O restante dos agrotóxicos eram da marca alemã Bayer.

•        Como os agrotóxicos matam as abelhas

Alguns agrotóxicos atingem o sistema nervoso central das abelhas, fazendo com que fiquem desorientadas. Trazem ainda sequelas ao seu sistema de aprendizagem, digestão e imunológico, em muitos casos levando à morte.

“Os neonicotinoides [como o tiametoxam] e o fipronil são os inseticidas mais utilizados na agricultura do Brasil e são muito prejudiciais às abelhas. Não importa a dose”, explica Genna Sousa, pesquisadora e especialista em abelhas sem ferrão.

Segundo ela, aquelas que não morrem pelo caminho acabam infectando outras na colônia, o que pode levar à morte de todo o enxame.

Estudo recente da Unesp de Rio Claro (disponível aqui), da UFSCar e da Unicamp revela que três tipos de abelhas nativas do Brasil, entre elas a jataí, são ainda mais sensíveis ao tiametoxam do que a espécie com ferrão, muito comum na Europa e adotada como modelo para os testes internacionais.

O Ibama está reavaliando a autorização do uso do tiametoxam e da clotianidina no país desde 2014. Em agosto do ano passado, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre estabeleceu um prazo de seis meses para a conclusão do processo. Porém, o Ibama não respeitou o prazo e ainda não há previsão para o encerramento do processo.

Já o terceiro agrotóxico proibido na Europa e vendido para o Brasil, o imidacloprido, teve sua reavaliação concluída em março de 2021 e não foi proibido pelo Ibama. Na ocasião, o órgão federal ambiental emitiu um comunicado com medidas para diminuir os riscos aos insetos polinizadores.

Osmar Malaspina, professor do Instituto de Biociência da Unesp de Rio Claro, discorda da decisão do Ibama. “Com as bases científicas que existem, seria um agrotóxico que deveria ser retirado do mercado”, explica Malaspina. “Contudo, por ser um produto eficiente para o controle de ‘n’ pragas e não ter uma correlação com a saúde humana, mesmo sendo tóxico, é mais difícil tirá-lo”, complementa o professor.

•        Galinha dos ovos de ouro

O primeiro neonicotinóide introduzido no mercado mundial foi o imidacloprido. Lançado em 1996 pela Bayer, ele foi seguido rapidamente pelo tiametoxam, da Syngenta.

Embora fabricantes de genéricos também produzam neonicotinóides, as multinacionais suíça e alemã seguem há anos como líderes de mercado.

“Se ele tem uma venda boa, a empresa não tem interesse em tirar o produto do mercado. Ela pode até ter um substituto que seja um pouco menos tóxico, mas se a venda é muito alta, ela não vai matar um produto que é a galinha dos ovos de ouro”, afirma Osmar Malaspina.

De acordo com os dados coletados pela Public Eye e pela Unearthed, das 17 empresas europeias que mais exportaram, a Syngenta foi a que mais carregou navios com destino ao Brasil.

Cerca de 10,4 mil toneladas (79% do total) de agrotóxicos da companhia deixaram portos da Bélgica, Espanha, França, Alemanha, Áustria, Grécia e Hungria. A investigação aponta que a fatia de mercado da empresa pode ser ainda maior, já que o segundo maior exportador em 2021 foi um operador de depósito de mercadorias perigosas em um porto holandês, que armazenava cargas da Syngenta.

O produto mais vendido pela Syngenta no país, o Engeo Pleno S, costuma ser utilizado nas lavouras de soja e é feito à base da mistura do neonicotinóide tiametoxam e do inseticida lambda-cialotrina, ambos altamente tóxicos para as abelhas.

De acordo com a Agência Europeia dos Produtos Químicos, o tiametoxam também é suspeito de causar problemas para o sistema reprodutivo e para o desenvolvimento de fetos humanos.

Em fevereiro deste ano, o parlamento europeu aprovou uma lei que, a partir de março de 2026, irá praticamente banir a importação de alimentos e rações animais com tiametoxam e clotianidina – o que pode afetar diretamente os produtores brasileiros.

“A preservação da população de polinizadores apenas dentro da União Europeia seria insuficiente para reverter o declínio mundial das populações de polinizadores e os seus efeitos na biodiversidade, na produção agrícola e na segurança alimentar também dentro da União”, considerou a comissão no texto aprovado.

Procurada, a Syngenta disse que seus produtos “estão entre os mais regulamentados do mundo”, “são seguros quando utilizados de acordo com as especificações descritas em bulas e receituários agronômicos” e “desempenham um papel essencial na produção de alimentos de qualidade, seguros e sustentáveis”.

Já a Bayer afirmou que seus produtos são seguros e que não comentaria sobre a clotianidina, por estar “fora de seu portfólio no Brasil”.

>>>> Íntegra das respostas da Syngenta e Bayer

A Syngenta investe em pesquisa e desenvolvimento de soluções agrícolas inovadoras e baseadas em ciência. A utilização de nossos produtos é regida por determinações de órgãos reguladores de todo o mundo para garantir a máxima segurança para agricultores, consumidores e meio ambiente; e varia naturalmente de país para país, dependendo de fatores como os tipos de culturas em que serão aplicados, tipos de pragas e doenças que controlam, composição do solo e condições climáticas locais, entre outros. Nossos produtos estão entre os mais regulamentados do mundo e são seguros quando utilizados de acordo com as especificações descritas em bulas e receituários agronômicos. Além disso, desempenham um papel essencial na produção de alimentos de qualidade, seguros e sustentáveis. No que se refere à relação entre a aplicação de produtos de proteção de cultivos e o cuidado com insetos polinizadores, incluindo as abelhas, a Syngenta investe em diversos programas e iniciativas que fomentam a coexistência entre agricultura e apicultura. Entre eles, cabe destacar no Brasil o Projeto de Coexistência Converge/GeoApis que tem como base uma solução digital, para viabilizar essa coexistência harmônica e sustentável. A plataforma conecta agricultores e apicultores, mitigando conflitos de relacionamento nas áreas agrícolas, gerando valor compartilhado e ajudando na conservação das abelhas. A iniciativa tem como referência o Protocolo de Coexistência, celebrado entre a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (ORPLANA) e a Syngenta. Cabe adicionar que entre os princípios ativos dos defensivos agrícolas envolvidos em programas como este, está o Tiametoxam. A Usina Colombo é cliente Syngenta e inclusive parceira da empresa no Projeto de Coexistência descrito anteriormente. Bayer Agricultores de todo o mundo têm necessidades diferentes quando se trata de proteger suas plantações de pragas e doenças. Alguns pesticidas não registrados na EU, por exemplo, podem ser necessários em países fora da região para diferentes culturas ou pragas não existentes na UE. Por exemplo, os climas tropicais e subtropicais tendem a ter alta pressão de pragas e doenças devido à combinação de calor e umidade que resultam em diferentes plantas daninhas, pragas e fungos. Outros países têm suas próprias estruturas regulatórias para avaliar os riscos dos pesticidas e seu uso, inclusive sobre o meio ambiente. No Brasil, MAPA, Anvisa e Ibama avaliam criteriosamente o risco dos pesticidas, e a Bayer segue à risca todas as determinações dos órgãos reguladores. O Imidacloprido é uma ferramenta importante e segura para à saúde humana, animal e ao meio ambiente de acordo com as recomendações aprovadas pelas autoridades brasileiras em bula. Quanto à clotianidina, a companhia não comenta produtos que estão fora de seu portfólio no Brasil. A Bayer é uma empresa focada em pesquisa e inovação e está constantemente buscando soluções complementares para seus clientes.

•        Syngenta

A Syngenta investe em pesquisa e desenvolvimento de soluções agrícolas inovadoras e baseadas em ciência. A utilização de nossos produtos é regida por determinações de órgãos reguladores de todo o mundo para garantir a máxima segurança para agricultores, consumidores e meio ambiente; e varia naturalmente de país para país, dependendo de fatores como os tipos de culturas em que serão aplicados, tipos de pragas e doenças que controlam, composição do solo e condições climáticas locais, entre outros. Nossos produtos estão entre os mais regulamentados do mundo e são seguros quando utilizados de acordo com as especificações descritas em bulas e receituários agronômicos. Além disso, desempenham um papel essencial na produção de alimentos de qualidade, seguros e sustentáveis.

No que se refere à relação entre a aplicação de produtos de proteção de cultivos e o cuidado com insetos polinizadores, incluindo as abelhas, a Syngenta investe em diversos programas e iniciativas que fomentam a coexistência entre agricultura e apicultura. Entre eles, cabe destacar no Brasil o Projeto de Coexistência Converge/GeoApis que tem como base uma solução digital, para viabilizar essa coexistência harmônica e sustentável. A plataforma conecta agricultores e apicultores, mitigando conflitos de relacionamento nas áreas agrícolas, gerando valor compartilhado e ajudando na conservação das abelhas. A iniciativa tem como referência o Protocolo de Coexistência, celebrado entre a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (ORPLANA) e a Syngenta. Cabe adicionar que entre os princípios ativos dos defensivos agrícolas envolvidos em programas como este, está o Tiametoxam. A Usina Colombo é cliente Syngenta e inclusive parceira da empresa no Projeto de Coexistência descrito anteriormente.

•        Bayer

Agricultores de todo o mundo têm necessidades diferentes quando se trata de proteger suas plantações de pragas e doenças. Alguns pesticidas não registrados na EU, por exemplo, podem ser necessários em países fora da região para diferentes culturas ou pragas não existentes na UE. Por exemplo, os climas tropicais e subtropicais tendem a ter alta pressão de pragas e doenças devido à combinação de calor e umidade que resultam em diferentes plantas daninhas, pragas e fungos.

Outros países têm suas próprias estruturas regulatórias para avaliar os riscos dos pesticidas e seu uso, inclusive sobre o meio ambiente. No Brasil, MAPA, Anvisa e Ibama avaliam criteriosamente o risco dos pesticidas, e a Bayer segue à risca todas as determinações dos órgãos reguladores.

O Imidacloprido é uma ferramenta importante e segura para à saúde humana, animal e ao meio ambiente de acordo com as recomendações aprovadas pelas autoridades brasileiras em bula. Quanto à clotianidina, a companhia não comenta produtos que estão fora de seu portfólio no Brasil.

A Bayer é uma empresa focada em pesquisa e inovação e está constantemente buscando soluções complementares para seus clientes.

 

       Produção industrial de alimentos inunda o mundo com 80% a mais de agrotóxicos

 

A aplicação de agentes químicos na agricultura cresceu exponencialmente, a partir dos anos 1990, principalmente na América do Sul, onde há menos regulamentação, e graças a um mercado controlado por um punhado de grandes corporações, que também monopolizam a venda global de sementes.

A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 18-04-2023. A tradução é do Cepat.

Há 50 anos, a bióloga Rachel Carson alertou o mundo sobre como o uso intensivo de agrotóxicos estava envenenando os ecossistemas. Seu livro Primavera Silenciosa descrevia a destruição ecológica que produtos como o então generalizado DDT provocavam.

Meio século depois, a aplicação de agentes químicos no controle de pragas agrícolas está mais forte do que nunca. Os produtos são diferentes dos estudados por Carson, com efeitos menos agudos, mas despejados em grandes quantidades: o volume de agrotóxicos aumentou 80%, desde 1990, segundo uma pesquisa de Amigos da Terra e a Fundação Heinrich-Böll-Stiftung.

“Atualmente, o consumo mundial de agrotóxicos é de quatro milhões de toneladas”, avalia este trabalho. Metade deles são herbicidas, um terço são inseticidas e 17% são usados contra fungos.

A América do Sul é onde mais são aplicados: cerca de 770.000 toneladas, em 2020, 119% a mais do que no início do século XXI. Na América Central, foram mais de 90.000 (+36%). Na Ásia, foram aplicadas outras 658.000 toneladas (um aumento de 7,7%).

O volume utilizado na África também cresceu muito. Em 2020, registrou-se 105.000 toneladas, um salto de 67%. Na América do Norte, foram utilizadas 486.000 toneladas (+1,8%) e na Europa 468.000 toneladas (uma redução mínima de 0,2%).

Este Atlas dos agrotóxicos explica que embora esses produtos “tenham sido desenvolvidos para evitar perdas de safras - que, ao longo da história, causaram fome -, também geram problemas”. Entre os agrotóxicos mais vendidos, estão glifosato, paraquat, atrazina e neonicotinoides.

Em 2007, a ONU calculava que, naquele momento, já havia uma produção de alimentos suficientes para alimentar 12 bilhões de pessoas. “A produção de grãos duplicou, entre 1960 e 2000, mas a um custo alto”. Em 2019, a organização calculava que mais de 800 milhões de pessoas passavam fome, “apesar de o mundo desperdiçar mais de 1 bilhão de toneladas de alimentos por ano”.

•        Veneno para a biodiversidade

Entre esses problemas, o holocausto de insetos que se espalha por todo o planeta é um dos mais destacados. O colapso das abelhas e sua relação com os agrotóxicos neonicotinoides também já estão comprovados. Tanto que a União Europeia proibiu tais produtos ao ar livre. O mesmo não ocorre em outras partes do planeta.

De fato, as populações de insetos voadores entraram em colapso. Em pouco mais de 25 anos, diminuíram 75%, segundo um grupo de pesquisadores alemães (e isso na revisão de áreas protegidas). Muitas espécies de insetos são, simplesmente, essenciais para os seres humanos. Entre seus serviços estão a polinização de cultivos, a reciclagem de nutrientes e o próprio controle de pragas.

Os grãos não requerem a polinização por insetos, mas frutas e legumes, sim. São dois tipos de produtos que constituem um ponto forte da produção agrícola espanhola. As amendoeiras da Califórnia (80% do mundo) precisam alugar colmeias de abelhas que viajam centenas de quilômetros para polinizar suas árvores. Na China, frente ao desaparecimento dos insetos, os agricultores precisam fazer esse trabalho manualmente.

Além disso, na Espanha, a intensificação da agricultura que acarreta um elevado consumo de agrotóxicos também tem sido associada ao declínio das espécies de aves estepárias.

•        Saúde humana

O trabalho dessas organizações explica que a quantidade de agrotóxicos usados levou ao “aumento das intoxicações em todo o mundo, especialmente no Sul Global”. E calculam que 385 milhões de pessoas sofrem alguma intoxicação por esse motivo. Sobretudo, os trabalhadores agrícolas que, devido à precariedade, não têm capacidade para se protegerem, seja por ignorarem as condições de utilização segura dos produtos, seja por não terem acesso aos equipamentos necessários.

Na Europa, uma compilação de dados publicada no ano passado mostrava que um em cada três cidadãos apresentava vestígios de agrotóxicos em seu cabelo.

Ciente do problema, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mantém um código de boas práticas para diminuir “os riscos dos agrotóxicos, com o objetivo de reduzir ao mínimo os efeitos adversos para os seres humanos, animais e meio ambiente”. O código, isso sim, é “de caráter voluntário”.

•        Negócio crescente e em poucas mãos

O uso em massa desses produtos gerou um mercado muito grande. “Em 2023, espera-se que o valor total chegue a quase 130,7 bilhões de dólares”, diz o Atlas. Segundo a pesquisa, o setor quase dobrou, nas últimas duas décadas.

Na liderança do negócio, está a União Europeia, a principal exportadora de agrotóxicos, apesar de ter restringido sua aplicação em solo próprio. Além disso, a partir da União Europeia, são produzidos e vendidos compostos químicos para o exterior, cujo uso interno foi proibido devido aos seus efeitos tóxicos. “Em 2019, os países da União Europeia e a Grã-Bretanha aprovaram a exportação de 140.908 toneladas de agrotóxicos” vetados na Europa, calcula o trabalho.

Nesta categoria, os principais países exportadores foram o Reino Unido, a Alemanha e a Espanha. O principal receptor de agrotóxicos com princípios ativos inaceitáveis nos campos europeus foi o Brasil, seguido pela Ucrânia e África do Sul. “No Sul global, as regulamentações para o uso de agrotóxicos são menos rígidas”, analisa o Atlas.

O mercado de agrotóxicos está monopolizado em poucas mãos: quatro grandes empresas – Bayer, Syngenta, Basf e Coterva – controlam 70%. “Há 25 anos, controlavam apenas 29%”, lembra a análise para ilustrar a concentração do setor. Esses gigantes também dominam o mercado de venda de sementes agrícolas: controlam 57% do mercado, 25 anos atrás, era 21%.

 

Fonte: Reporter Brasil/El Diário – Tradução do Cepat, para IHU

 

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