Brasil
não levou desigualdade social em conta na estratégia de vacinação contra covid
A
campanha de vacinação contra covid-19 no Brasil se iniciou em janeiro de 2021.
Desde então, mais de 585,6 milhões de vacinas foram aplicadas e cerca de 80,2%
dos brasileiros com mais de 6 meses de idade completaram ao menos o esquema
básico de imunização com a segunda dose ou dose única, segundo o Ministério da
Saúde. Embora significativos, é preciso olhar para tais números com cautela:
disparidades na cobertura entre diferentes grupos populacionais geraram
distorções, como apontam especialistas da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da USP e da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
De
acordo com dados levantados em pesquisa, municípios com maior Produto Interno
Bruto (PIB) per capita, maior escolaridade e com uma menor
população negra atingiram índices de imunização mais elevados rapidamente.
Além
disso, a vacinação foi maior entre os idosos do que em adultos e mulheres
adultas apresentaram taxas de cobertura superiores às dos homens, especialmente
na segunda dose e reforços. Pesquisadores destacam a falta de insumos, equipe
médica e barreiras sociais e geográficas para explicar as discrepâncias encontradas.
O
trabalho analisou 389 milhões de registros de vacinação do Sistema de
Informações do Programa Nacional de Imunização para calcular as taxas de
cobertura vacinal de diferentes doses entre adultos (18 a 59 anos) e idosos (60
anos ou mais) vacinados entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022. Também foram
considerados elementos relacionados a demografia, geografia e situação
socioeconômica no nível municipal.
Os resultados estão
no artigo Uncovering inequities in Covid-19 vaccine coverage for adults and elderly
in Brazil: A multilevel study of 2021–2022 data publicado na revista Vaccine.
A
pesquisa apresenta um panorama da desigualdade municipal na imunização contra
covid-19, além de garantir informações fundamentais para gestores de saúde
planejarem as próximas campanhas mais eficazes e direcionadas. “É preciso
começar a entender o que está acontecendo dentro desses municípios, para assim
estabelecer um diálogo com a sociedade e desenvolver estratégias específicas
focadas nesses problemas”, explica ao Jornal da USP a professora Lorena Barberia, do Departamento
de Ciência Política da FFLCH e coautora do artigo.
De
acordo com Antonio Boing, professor associado do Departamento de Saúde Pública
da UFSC e também coautor do artigo, os dados obtidos mostram que a discussão
sobre desigualdade social é essencial no Brasil, principalmente frente a
emergências sanitárias. “Existem certas características, como o município de
residência, que podem aumentar ou diminuir sua probabilidade de uma pessoa ser
vacinada no Brasil”, explica o pesquisador.
“Nós
somos um dos países mais desiguais deste planeta e durante o maior desafio
sanitário que tivemos em tempos, a desigualdade simplesmente não foi monitorada
propriamente.”
De
acordo com Antonio Boing, professor associado do Departamento de Saúde Pública
da UFSC e também coautor do artigo, os dados obtidos mostram que a discussão
sobre desigualdade social é essencial no Brasil, principalmente frente a
emergências sanitárias. “Existem certas características, como o município de
residência, que podem aumentar ou diminuir sua probabilidade de uma pessoa ser
vacinada no Brasil”, explica o pesquisador.
“Nós
somos um dos países mais desiguais deste planeta e durante o maior desafio
sanitário que tivemos em tempos, a desigualdade simplesmente não foi monitorada
propriamente.”
·
Responsabilidade estatal
Foi
observado um decorrente agravamento da desigualdade na aplicação da segunda e
terceira doses em municípios com um menor PIB per capita. Esse
cenário pode ser explicado por uma espécie de “normalização” da pandemia,
além da ausência de ações governamentais específicas e campanhas de
conscientização produtivas.
No
Plano Nacional de Imunizações (PNI), elaborado em 1973 e responsável por
definir a estratégia de vacinação nacional pelo Ministério da Saúde, a palavra
desigualdade não consta uma única vez – nem mesmo com a inserção das
orientações acerca da imunização contra covid-19, em 2023.
“Claro
que existe um componente individual, mas não é ele que explica a baixa adesão à
vacinação. Existem questões objetivas, não basta você informar as pessoas: é
preciso dar as condições para que elas consigam executar aquilo para o qual
estão sendo informadas”, diz Boing.
De
acordo com o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção
Básica (PMAQ-AB), que realizou uma avaliação do atendimento inicial no Sistema
Único de Saúde (SUS) no cenário pré-pandêmico, municípios da região Norte e
Nordeste carecem da disponibilidade de equipamentos e insumos médicos, além de
obterem menores notas na avaliação da atenção básica. Ademais, segundo o Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), a oferta de médicos e enfermeiros
é menor nessas localidades.
Lorena
Barberia destaca a necessidade de incitar o debate público sobre o tema e de
alertar a população sobre seus direitos como cidadãos. “Se não exigirmos
mudanças, esta doença permanecerá, o que deixa as pessoas em situação de
vulnerabilidade em risco. É preciso, nas próximas eleições municipais, trazer o
tema à tona porque a pandemia não acabou”, diz a pesquisadora, lembrando que o
vírus continua circulando, apesar de este ano a Organização Mundial da Saúde
ter retirado o status de emergência sanitária conferido à doença.
Fonte:
Jornal da USP
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