quinta-feira, 6 de julho de 2023

Brasil deve rejeitar ameaças da Europa e buscar novos parceiros para o Mercosul, diz analista

Presidente Lula considera os termos da União Europeia para um acordo com Mercosul inaceitáveis e acena com possibilidade de negociar com outros países. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para saber como o Brasil pode liderar negociações com China, Coreia do Sul e Cingapura.

Nesta terça-feira (4), os chefes de Estado de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se reuniram em Puerto Iguazú para a Cúpula de Líderes do Mercosul. Durante a cúpula, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva prometeu "resposta rápida e contundente" às exigências impostas pela Europa para selar o acordo Mercosul-União Europeia.

"Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções", afirmou Lula. "É imperativo que o Mercosul apresente uma resposta rápida e contundente."

O presidente brasileiro combina o seu tom crítico com declarações mais otimistas em relação ao acordo. Um pouco antes do discurso na Cúpula de Líderes do Mercosul, Lula declarou durante o programa "Conversa com o presidente" que pretende assinar o acordo até o fim de seu mandato como presidente do Mercosul, em dezembro de 2023.

De acordo com a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Nitsch Bressan, o governo brasileiro mantém postura cética em relação à ratificação do acordo em seus termos atuais.

"O presidente Lula entende [...] que o texto atual é inaceitável, dado que estão colocadas algumas possibilidades de sanções, caso o Brasil não consiga seguir o pacto verde de defesa ambiental", disse Bressan à Sputnik Brasil.

De fato, documento apresentado pelos europeus no início deste ano prevê o bloqueio do comércio com os membros do bloco, caso exigências ambientais sejam descumpridas. Segundo especialistas, as exigências da União Europeia excedem aquelas previstas pelos acordos internacionais vigentes.

"O Brasil sob Lula tem muita vontade de retomar o seu arcabouço institucional ambiental, mas isso leva tempo", considerou Bressan. "É difícil assegurar que o Brasil vá conseguir atender a todas essas demandas."

Além disso, os termos do acordo com a Europa não atenderiam às diretrizes do governo brasileiro rumo à reindustrialização do país.

"Lula defendeu que o acordo deve ser equilibrado e assegurar espaço para a adoção de políticas públicas em prol da integração produtiva e reindustrialização do Brasil", disse Bressan. "Não devemos nos condenar a ser países exportadores de commodities e matérias-primas, logo o acordo não pode ter um peso que iniba a nossa indústria."

Os países do Mercosul estão divididos quanto às possibilidades de selar este e demais acordos de livre comércio com parceiros extrarregionais. Segundo Bressan, a Argentina também demonstra insatisfação com o acordo.

"A Argentina teceu críticas ao acordo da forma que foi fechado em 2019, considerando-o muito desigual", considerou a professora de Relações Internacionais da Unifesp. "Fica claro que o Mercosul foi a parte que mais cedeu [durante as negociações], o que não podemos aceitar."

Por outro lado, países como o Uruguai demandam uma postura mais propensa ao livre comércio e criticou a lentidão dos processos negociadores. Montevidéu não assinou a declaração final da cúpula, como forma de protesto pela impossibilidade de fechar acordos em separado com grandes potências, como a China.

"Com relação à China, vocês sabem a posição do Uruguai. Quando vemos que não avançamos juntos, entendemos a visão de cada um de vocês. A nossa é que façamos juntos. Se não podemos fazer assim, vamos fazer bilateralmente", disse o presidente do Uruguai, Luiz Alberto Lacalle Pou, durante a cúpula.

Para Bressan, o Brasil não está fechado a acordos internacionais e deve promover negociações já em curso com outros parceiros.

"O Mercosul está pronto para conversar e, caso o acordo com a Europa não sair, podemos negociar com a China, Cingapura e Coreia do Sul", declarou Bressan. "O Brasil deve retomar a negociação de acordos que sejam interessantes para o bloco."

Além desses países, o Mercosul também possui negociações abertas com Vietnã, América Central e Indonésia, informou o presidente Lula durante a cúpula.

O presidente brasileiro tem grandes chances de implementar a sua agenda, já que, durante o evento, a Argentina transferiu a presidência temporária do bloco ao Brasil, que deve liderar as atividades do grupo durante seis meses.

"A presidência é rotativa e segue a ordem alfabética, então o Brasil sempre herda a presidência da Argentina", explicou Bressan. "Temos grande entusiasmo em ver Lula à frente do Mercosul, já que ele é um entusiasta da integração regional."

O entusiasmo do governo brasileiro será necessário, já que no segundo semestre de 2023 o país acumulará a presidência temporária do Mercosul, do Conselho de Segurança da ONU e do G20, grupo que reúne as principais economias mundiais.

Nesta quarta-feira (5), o presidente brasileiro deve debater os termos do acordo Mercosul-União Europeia com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez. A Espanha ocupa a presidência rotativa do Conselho da União Europeia (UE) até dezembro de 2023.

 

Ø  Confiamos em Lula para que Bolívia entre no Mercosul de uma vez por todas, diz Luis Arce

 

La Paz aguarda com grandes expectativas seu ingresso no maior bloco econômico sul-americano, com o presidente do país declarando que Lula será vento favorável para adesão boliviana.

Ontem (4), em uma cerimônia em Buenos Aires, o Brasil recebeu a presidência rotativa do Mercosul por seis meses. Atualmente, o bloco mercosulino conta com Paraguai, Uruguai, Argentina e, claro, Brasília.

No entanto, outros países querem entrar para o organismo, como a Bolívia. Em entrevista à Sputnik, o presidente boliviano, Luis Arce, disse que conta com os esforços de Luiz Inácio Lula da Silva para que La Paz seja um novo membro do Mercado Comum do Sul.

"O camarada Lula prometeu tomar medidas para atingir esse objetivo [da adesão], por isso, confiamos que ele pode impulsionar isso o mais rápido possível e que a Bolívia de uma vez por todas seja parte oficial e formal do Mercosul", disse o presidente na LXII Cúpula de Chefes de Estado realizada no Parque Nacional Iguazú, na província argentina de Misiones.

Arce também afirmou que o mercado boliviano é "grande e temos muitas opções de comércio, principalmente com os países com os quais já comercializamos", o que pode trazer "oportunidades de investimentos entre os países-membros" do bloco.

O mandatário ressalta que o "Brasil é um mercado importante, uma população bastante grande junto com a Argentina", e que com a entrada da Bolívia no Mercosul "podemos realmente nos fortalecer em termos de expansão de mercados e usufruir de tarifas e benefícios que não usufruímos atualmente".

O governo brasileiro já havia sinalizado a intenção de promover o ingresso boliviano no bloco. Em janeiro, também em conversa com a Sputnik, o diretor do Mercosul no Itamaraty, Francisco Cannabrava, comentou que o governo Lula da Silva está "muito interessado" em que La Paz se torne um membro da aliança sul-americana.

O mesmo foi dito pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieira, quando o mesmo afirmou que a "ampliação do Mercosul" é importante, acrescentando que a nova administração vai apoiar o retorno da Venezuela ao bloco e a entrada da Bolívia.

 

Ø  Sair do Mercosul? Brasil assume presidência do bloco e Uruguai põe dilema de volta à mesa

 

"Permanecer no Mercosul não é mais possível", disse à Sputnik o analista Ignacio Bartesaghi, depois que o Uruguai abandonou a possibilidade de mudar de status no bloco. Por sua vez, a internacionalista Nastasia Barceló alertou que a posição de Montevidéu "não é muito consistente" e prejudicaria as relações com a Argentina e o Brasil.

No marco de uma nova cúpula de chefes de Estado do Mercosul, realizada na província argentina de Misiones, o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, questionou a "inatividade" dentro do bloco e como isso afeta negativamente o interesse do Uruguai "por conseguir mercados".

O presidente fez questão de flexibilizar o Mercado Comum do Sul (Mercosul, que inclui Assunção, Montevidéu, Buenos Aires e Brasília) para permitir que seus membros assinassem acordos bilaterais fora do bloco, pedido que, garantiu, "não é caprichoso". O uruguaio, que reconheceu que seu pedido teve "pouco eco", admitiu que é fundamental que os países negociem juntos, mas garantiu que Montevidéu vai seguir esse caminho por conta própria.

Na véspera, na cúpula de chanceleres, o chanceler uruguaio, Francisco Bustillo, assegurou que seu país deve em algum momento questionar "a classe de pertencimento ao bloco" que pretende ter. O diplomata sustentou que o Uruguai poderia apostar em "modificar o próprio tratado fundamental" ou considerar "a possibilidade de sair do Mercosul como Estado fundador e se tornar um Estado associado".

A posição do Uruguai não é nova. O governo de Luis Lacalle Pou tem insistido na necessidade de flexibilizar o Mercosul para poder negociar acordos bilaterais extrabloco, iniciativa que gerou forte resistência entre seus membros.

O menor país do bloco havia dedicado seus esforços para finalizar unilateralmente um acordo de livre comércio com a China. No entanto, finalmente o andamento dos acordos vai depender da aprovação dos membros do Mercosul por iniciativa do gigante asiático.

Em diálogo com a Sputnik, o analista uruguaio e doutor em relações internacionais, Ignacio Bartesaghi, considerou que o Uruguai está enviando um recado aos sócios do Mercosul de que "não pode mais continuar sustentando a imobilidade do bloco".

"Ficar fechado no Mercosul não é mais possível e continuar em um Mercosul estagnado afeta a estratégia de desenvolvimento econômico do Uruguai", disse o especialista.

Bartesaghi concordou com o chanceler uruguaio que o país fica sem opções em sua reivindicação e que, se a flexibilidade não for alcançada ou os tratados forem reformados, "resta discutir a mudança da adesão do Uruguai ao Mercosul".

·         Mais problemas do que vantagens?

Em contraste, a internacionalista uruguaia Nastasia Barceló considerou em um diálogo com a Sputnik que a ideia de que o Uruguai deixe de ser um Estado fundador do Mercosul para se tornar um país associado é extremamente complexa e pode até prejudicar as relações bilaterais com Argentina e Brasil.

Barceló explicou que, para modificar sua situação no bloco, o Uruguai deveria primeiro denunciar o Tratado de Assunção de 1991, que constituiu o bloco, e depois, que essa saída fosse tratada pelo Mercosul.

Outro problema viria em seguida, já que caso o Uruguai queira se tornar um país associado, deve solicitá-lo formalmente aos demais membros para que seja aprovado nos parlamentos de cada país em um novo cenário em que as relações com Argentina e Brasil "estariam bastante desgastadas".

Barceló também considerou que, embora a demanda por maior flexibilidade por parte do Uruguai seja anterior ao governo de Luis Lacalle Pou, o país tem ficado "isolado" no pedido, principalmente após a saída de Jair Bolsonaro da presidência do Brasil.

A especialista lembrou que o gigante sul-americano deu algum apoio ao pedido uruguaio em 2021, mas não voltou a apoiar Montevidéu nas cúpulas seguintes.

A internacionalista também questionou a ideia de que uma saída do Mercosul melhoraria a inserção internacional do Uruguai, quando Brasil e Argentina estão historicamente entre os principais parceiros comerciais do país. De fato, em setembro de 2022, o Brasil desbancou a China como principal destino das exportações uruguaias pela primeira vez em nove anos.

"Todas as exportações uruguaias de maior valor agregado vão para os países do Mercosul e têm tratamento preferencial. Além da insistência, acredito que as bases da reclamação não sejam muito consistentes", opinou Barceló.

Na mesma linha, a especialista lembrou que o Uruguai não conseguiu avançar nas negociações para um acordo de livre comércio com a China, principal argumento uruguaio para exigir flexibilidade. É que o gigante asiático comunicou a Montevidéu sua preferência por um acordo com todo o bloco e não apenas com um país.

Barceló também destacou que o Mercosul chegou a acordos comerciais com o Chile e o México, enquanto avança nas negociações com a Índia e os Emirados Árabes Unidos, por isso "existe uma agenda de relações externas que o Uruguai não teria individualmente".

 

Ø  Uruguai e Paraguai pedem 'posição clara' do Mercosul sobre Venezuela e deixam Lula em saia justa

 

Em cerimônia na Argentina nesta terça-feira (4), o Mercosul recebeu o Brasil na presidência do bloco por seis meses. Lula já havia sido contestado na Cúpula do Sul em Brasília por sua recepção a Nicolás Maduro, tanto pelo Uruguai e Paraguai quanto pelo Chile.

No evento, além dos países-membros Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, também estavam presentes os chamados Estados associados ao bloco, entre os quais Colômbia, Bolívia e Chile. A Venezuela também compõe o Mercosul, mas o país está suspenso do bloco desde 2017, e o governo brasileiro tem defendido que o país volte a integrar o grupo.

Porém hoje (4), as nações que fazem parte do bloco como o Uruguai e o Paraguai cobraram uma posição clara do bloco em relação a Caracas.

"Todos aqui sabemos o que pensamos sobre o regime venezuelano, todos temos opinião clara. É preciso sermos objetivos. Está claro que a Venezuela não vai virar uma democracia saudável, e quando há um indício de possibilidade de uma eleição, uma candidata como María Corina Machado, que tem um enorme potencial, é desqualificada por motivos políticos, não jurídicos. [...] Alguém pode dizer: o que isso tem a ver com o Mercosul? Tem a ver porque os distintos blocos e associações do mundo alçaram sua voz a favor da democracia. [...]", disse o presidente uruguaio Luis Lacalle Pou na cerimônia segundo a Folha de São Paulo.

Antes de Lacalle Pou, o paraguaio Abdo Benítez – que está de saída da presidência e colocou seu sucessor, Santiago Peña, ao seu lado na reunião – discursou na mesma linha.

"Com muita preocupação estamos vendo os últimos eventos na Venezuela. Sempre busquei dar voz ao sofrido povo venezuelano e desta vez não será uma exceção. A coerência não pode ser deixada de lado no último minuto. Quando surge um caminho de saída, uma esperança, com a realização de eleições com a oposição, vimos rapidamente apagada essa ilusão com a inabilitação de María Corina Machado", afirmou.

Não é a primeira vez neste ano que o Uruguai se manifesta sobre Caracas de forma negativa. Na Cúpula do Sul, evento promovido pelo governo federal e o Itamaraty em Brasília no final de maio, Luis Lacalle Pou rejeitou a menção à Venezuela no rascunho do encontro de líderes sul-americanos.

O presidente uruguaio se disse "surpreso" com a declaração que estava sendo negociada no momento quando foi citado que o ambiente político no país "é uma narrativa", conforme noticiado.

Já Lula rebateu criticando a tentativa de "isolamento" do país de Nicolás Maduro por parte do restante da América do Sul. Ele também pontuou não conhecer os pormenores da inabilitação de María Corina Machado, segundo o jornal O Globo.

"No que a gente puder contribuir, quem tiver relação, dar palpite e puder conversar, temos de conversar. O que não pode é a gente isolar e levar em conta que apenas os defeitos estão de um lado, os defeitos são múltiplos. Então precisamos conversar com todo mundo [...] sobre a Venezuela, não conheço pormenores dos problemas da candidata, mas vou conhecer", afirmou Lula.

O presidente também citou o caso da Nicarágua, país presidido por Daniel Ortega: "Assumi o compromisso com o papa Francisco de conversar com o presidente da Nicarágua e quem puder conversar, vamos conversar", emendou.

Ao mesmo tempo, Lula falou sobre o acordo com a União Europeia e também citou países com discussões já em andamento sobre acordos comerciais, além de novas frentes de negociação.

"Partindo dessas premissas, vamos revisar e avançar nos acordos em negociação com Canadá, Coreia do Sul e Cingapura. Vamos explorar novas frentes de negociação com parceiros como a China, a Indonésia, o Vietnã e com países da América Central e Caribe", afirmou.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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