Bahia tem maior população quilombola do país, aponta IBGE
A Bahia é o estado com a maior população quilombola
do país, segundo dados do Censo, divulgados pelo IBGE, nesta quinta-feira (27).
São 397.059 pessoas, que representavam 3 em cada 10 (29,9%) dos 1.327.802
quilombolas identificados pelo levantamento no Brasil.
Atrás da Bahia está o Maranhão, com 269.074
quilombolas ou 20,3% do total do Brasil e Minas Gerais, com 135.310 ou 20,3% do
nacional. Segundo o IBGE, Somando-se os 5 estados com os maiores contingentes
de quilombolas, chegava-se a pouco mais de 3/4 de toda a população quilombola
brasileira, ou seja, 76,46%.
A Bahia também é o estado com o maior número de
domicílios particulares permanentes ocupados em que ao menos uma pessoa era
quilombola: 149.287. Eles representam 3 em cada 10 domicílios quilombolas do
Brasil.
As pessoas autodeclaradas quilombolas são 2,81% da
população baiana. Essa proporção foi bem superior à verificada no Brasil como
um todo, onde 0,65% de toda a população é quilombola, e a 2ª mais elevada do
país, menor apenas do que a do Maranhão, onde 3,97% da população eram
quilombolas.
Dentre todos os domicílios ocupados na Bahia, 2,93%
tinham ao menos um/a morador/a quilombola, também uma proporção bem acima da
nacional (0,65%) e a segunda maior entre os estados, só abaixo do Maranhão
(4,20%).
• Onde
tem mais quilombolas?
Segundo o Censo, foi verificada a presença de
quilombolas em 7 de cada 10 municípios baianos: 308 das 417 cidades do estado
(73,9% do total). No Brasil como um todo, foi verificada a presença quilombola
em 1.696 municípios, 30,4% dos 5.570.
Senhor do Bonfim, com 15.999 quilombolas, lidera o
ranking nacional, seguido por Salvador (15.897) e Alcântara/MA (15.616). Campo
Formoso (8º lugar, com 12.735 quilombolas), Feira de Santana (9º, com 12.190) e
Vitória da Conquista (10º, com 12.057) eram as outras cidades da Bahia
presentes no top-10.
Em termos percentuais, porém, só o município baiano
de Bonito, com metade de sua população declarada quilombola (50,28% ou 7.967
pessoas) está entre as 10 cidades brasileiras com maior proporção da população
quilombola, ocupando o 5º lugar. Nacionalmente, Alcântara/MA (84,57%),
Berilo/MG (58,37% ou 5.735 quilombolas) e Cavalcante/GO (57,08% ou 5.473
quilombolas) lideram.
Na Bahia, abaixo de Bonito, os municípios com
maiores proporções de quilombolas na população em geral são Mulungu do Morro
(38,49% ou 5.062 quilombolas), Filadélfia (35,46% ou 6.346), Antônio Cardoso
(33,70% ou 3.756) e América Dourada (31,23% ou 4.727).
• Territórios
delimitados
Apesar de ter o maior número e a 2ª maior proporção
de quilombolas do país, a Bahia tinha, em 2022, o 3º menor percentual desses
quilombolas vivendo em territórios oficialmente delimitados.
Das 397.059 pessoas que se declararam quilombolas
no estado, 20.753 moravam nas 48 áreas em alguma etapa do processo de
delimitação formal, o que correspondia a 5,23% do total de quilombolas
baianos/as.
No Brasil como um todo, essa proporção chegava a
12,59%, e 167.002 quilombolas (de um total de 1,3 milhão) moravam em
territórios delimitados.
Com quase 95,0% das pessoas autodeclaradas
quilombolas morando em localidades não reconhecidas oficialmente, a Bahia
tinha, em 2022, a maior população quilombola vivendo fora dos territórios
delimitados: 376.306 pessoas.
Brasil
tem 1,3 milhão de habitantes em áreas remanescentes de quilombos
Na beira da estrada que corta a Serra do Araras, a
18 km de Amarante, Centro-Norte do Piauí, um trio de mulheres negras vende
hortaliças e chama a atenção com seus turbantes e roupas coloridas. A poucos
metros das vendedoras, do outro lado da pista, uma grande placa indica o lugar:
a Comunidade Quilombola Mimbó. Três quilômetros pela estreita estrada de pedra
e se chega ao Mimbó, com suas casas, quadra de esportes, campo de futebol, uma
escola para crianças e um posto de saúde. A comunidade foi fundada há 203 anos
por dois casais negros escravizados, que vieram a pé, fugindo de maus-tratos
nas fazendas de algodão de Pernambuco. “Chegaram aqui com os dedos dos pés
atrofiados, de tanto correr e andar descalços pelas matas e estradas”, conta
Idelzuíta Paixão, neta dos fundadores, cujo sobrenome batiza mais de 90% da
comunidade. “Eles se esconderam em uma caverna por muitos anos, até pararem de
ser perseguidos pelos brancos, montaram suas casinhas e começaram a povoar o
lugar.” Reconhecida como a primeira comunidade quilombola do Piauí e registrada
pela Fundação Palmares desde 2006, o Mimbó abriga hoje 177 pessoas.
Mas só este ano foi possível saber com exatidão a
população do Mimbó e de outras comunidades remanescentes de quilombos: o Censo
2022, o 12º realizado no país, foi o primeiro a identificar e contabilizar
moradores dessas áreas. Os números oficiais divulgados pelo IBGE nesta
quinta-feira (27) revelam que a população quilombola chega a 1,3 milhão de
pessoas no Brasil – 0,65% do total do país. A maior parte da população de
quilombolas, 70%, se concentra no Nordeste, e um terço está na Amazônia Legal.
Os estados da Bahia e do Maranhão abrigam, juntos, metade da população
quilombola. Dos 5.569 municípios brasileiros, 1.696 registraram presença de
pessoas autoidentificadas como quilombolas, mas somente 326 cidades têm
territórios delimitados.
Recensear os descendentes de quilombos só foi
possível graças a um acordo firmado entre o IBGE e a Coordenação Nacional de
Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que reúne
representantes de mais de 23 estados da Federação, com exceção do Acre. Antes,
essas localidades e territórios padeciam num longo apagão demográfico, sem
dados exatos sobre população e condições de vida. Uma pergunta específica sobre
a identidade quilombola foi incluída no questionário do Censo. Primeiro o
entrevistado respondia sobre cor ou raça (branca, preta, parda, amarela e
indígena); na sequência, vinha outra questão: “Você se considera quilombola?”
Se a pessoa respondia sim, o recenseador indagava a qual comunidade pertencia.
Segundo o IBGE, as perguntas não interferem uma na outra, pois, de acordo com o
Decreto 4.887, há presunção de ancestralidade negra e não de que existe cor ou
raça pré-definida para a população quilombola.
O Censo identificou 494 territórios quilombolas
oficialmente delimitados, onde residem 167,2 mil pessoas, cerca de 12,6% da
população quilombola. Entre os territórios delimitados, o de maior população é
o de Alcântara, no Maranhão, com 9.344 habitantes, seguido por Alto Itacuruçá,
Baixo Itacuruçá e Bom Remédio, no Pará, que somam 5.638 pessoas, e Lagoas, no
Piauí, com 5.042 habitantes. Dos territórios delimitados, só são oficialmente
tituladas 147 comunidades, onde vivem 62.859 pessoas – o que significa que
menos de 5% dos quilombolas possuem a documentação de suas terras.
No Mimbó, a paisagem é tomada por gigantescas
torres. Por conta delas, há mais de um ano, o lugar se tornou a primeira
comunidade quilombola a receber internet banda larga do país. A tecnologia de
fibra óptica, instalada pela parceria público-privada Piauí Conectado, garante
também outros 66 pontos individuais nas casas onde há estudantes. Antes disso,
os moradores recorriam ao instável sinal de telefonia da área. As recargas
telefônicas, além de custosas para os orçamentos familiares, não eram velozes o
suficiente para garantir navegabilidade para os usuários. “Tinha que ir pra
Amarante, de carro ou de ônibus, pra ter um bom sinal de internet”, relembra
Idelzuíta.
Na pandemia de Covid, quando as aulas precisaram
ser transmitidas online, e ainda não havia internet banda larga na comunidade,
uma parcela considerável de estudantes do nível médio e fundamental do Mimbó
abandonou a escola. A da comunidade só vai até a quinta série, e quem quiser
seguir nos estudos precisa ir para a sede do município. Tudo isso impacta a
progressão escolar das crianças da comunidade, que agora tentam recuperar os
anos perdidos. Com a chegada da internet, o acesso à educação e cursos de
capacitação profissional se ampliou.
A internet mudou, por exemplo, a vida de Teresinha
Barreto. Quando o sinal de internet ficou disponível e gratuito na comunidade,
ela aprendeu, em videoaulas, a cortar vidro, fazer bordado, crochê, reciclar
plástico e artesanato com cordas de sisal – uma fibra vegetal comum na região,
bastante usada para amarrar objetos em obras e na agricultura. Depois de
produzir, também aprendeu a vender. O WhatsApp e o Instagram se transformaram
em uma vitrine virtual para comercializar as peças sem sair de casa. Antes da
internet, as poucas artesãs da cidade tinham que ir até Amarante vender as
peças na feirinha. E o negócio tem dado certo: a renda gerada com as suas peças
tem sido suficiente para pagar as despesas da casa em que mora com o
companheiro e as três filhas. “Meu marido tem uma borracharia, mas aqui quase
não tem carro e moto, então o serviço é pouco”, explica. “Depois que a internet
chegou, a gente conseguiu um jeito de conquistar o pão de cada dia dentro da
comunidade”, conta à piauí.
O Mimbó também vive um dilema comum a muitas
comunidades quilombolas: o êxodo juvenil. Ao longo dos seus 70 anos, Idelzuíta
Paixão viu muitos de seus vizinhos saírem para trabalhar fora. Os rapazes iam
para a construção civil, e as moças, para trabalhos domésticos em casa de
família nas cidades próximas. Ela se preocupa com o futuro, porque, antes, “a
pessoa envelhecia e, sem oportunidade, voltava pro quilombo”. “Os jovens
merecem mais oportunidades, mas também não é justo que, depois de duzentos anos
de luta, a gente veja no próximo Censo a população diminuindo por falta de
oportunidades”, lamenta. O medo do esvaziamento populacional aumenta após o
resultado do Censo. No Mimbó, a população oficial ficou bem abaixo das 600
pessoas estimadas pelas lideranças e pelo governo estadual.
Os números do Censo devem nortear União, estados e
municípios em ações mais específicas para a população quilombola, ainda que
respeitando a realidade cultural de cada comunidade. O líder do território
quilombola Lagoas, Cláudio Teófilo, diz que os resultados são ainda mais
fundamentais para as comunidades que ainda estão lutando pela regularização e
titulação de terras. “Esperamos, no mínimo, algum tipo de visibilidade com
esses números”, disse à piauí. “Vivíamos, e ainda vivemos, de forma apagada
neste país. Quando chega algo para nós, chega atrasado. Não somos prioridade. O
que a gente espera, com a contagem do Censo, é que não haja mais desculpas de
que não sabem que existimos e onde existimos.”
A defensora pública Karla Andrade, coordenadora do
projeto Vozes do Quilombo, responsável por agilizar processos que envolvem
povos quilombolas no Piauí, diz que a falta de assistência às comunidades não
ocorre por falta de informação ou de suporte legal. Tanto a Constituição
Federal como o Decreto nº 4.887/2003, além de tratados internacionais dos quais
o Brasil é signatário, garantem o processo de identificação, reconhecimento e
demarcação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
O que existe, no entanto, é um vácuo entre o que já está previsto em atos
normativos e os direitos realizados. “É preciso que sejamos transparentes para
assumir que o abismo de desigualdades que os povos quilombolas sofrem hoje
também passa pelo racismo institucional”, destaca a defensora.
Por enquanto, é difícil saber se os dados do Censo irão
trazer mudanças concretas para as comunidades quilombolas. Entre a esperança e
o temor do êxodo juvenil, o Mimbó tem visto sua primeira geração chegando à
universidade e espera algo inédito para 2024: seu primeiro graduado por uma
instituição de ensino superior pública. Ramon Paixão, de 29 anos, deve concluir
a graduação de educação do campo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Para terminar os estudos, ele vive em Teresina e volta ao Mimbó nos fins de
semana e feriados. “Quando era mais novo, tive que trabalhar na cidade para
fazer de tudo: pintura, vendas e entregas. Agora sei que as coisas vão mudar:
quero ser cientista e produzir conhecimento. Sei que sou capaz de voltar para
minha comunidade e devolver o que eu aprendi.”
Fonte: Correio/Revista Piauí
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