segunda-feira, 31 de julho de 2023

Bahia: Poluição gerada pela Tronox afeta a saúde dos moradores do entorno

Quem não está acostumado a frequentar o Litoral Norte da Bahia logo estranha uma grande planta industrial, com direito a chaminés nada discretas, instalada à margem da Estrada do Coco (BA-099), entre a rodovia e o mar – em um dos mais belos trechos de orla da região, com lagos e rios no entorno. "Não tem um dia em que os turistas não perguntem sobre essa fábrica", atesta o motorista Jailson Carlos Santos, conhecido como Carioca, que presta serviço para um resort localizado na Linha Verde, poucos quilômetros adiante. "Eles dizem que ela não combina com a paisagem. Ficam assustados, mesmo. Perguntam o que faz a fábrica e se ela não está poluindo a praia. Acho que é uma fábrica de tinta, né?", diz o motorista, bem próximo da realidade.

A planta industrial à qual Jailson se refere está naquele mesmo local há mais de 50 anos – e segue causando espanto. Pertence à Tronox Pigmentos do Brasil, autointitulada "líder mundial na produção de pigmento de Dióxido de Titânio (TiO2)". Mas a indústria já teve outros nomes, a exemplo de Tibrás e Millenium. E a preocupação dos turistas com a possível poluição causada pela fábrica tem embasamento. Os moradores do entorno da unidade sofrem efeitos negativos há décadas.

“A gente está vivendo em cima de uma bomba e morrendo aos poucos", alerta a moradora da pequena localidade de Areias, na orla de Camaçari, Joana Almeida (nome fictício). "No mesmo rio no qual eu e minhas irmãs aprendemos a nadar, hoje alerto as crianças para não chegarem nem perto da água". O medo de se aproximar do rio Capivara vem dos poluentes presentes na água. E o receio de se identificar para a reportagem, ela justifica, vem de possíveis represálias que poderia receber.

O rio Capivara, no qual Joana costumava passar as horas na infância, não é mais opção de lazer. Atravessá-lo, apenas a bordo de uma canoa. O gramado do entorno passou a provocar lesões na pele das crianças. O número de pessoas com doenças sanguíneas, comuns a quem tem contato com metais pesados, cresceu, afirma a moradora. “Anos atrás, a empresa foi obrigada a colocar filtros mais potentes, mas notamos que eles eram desligados à noite - e um tipo de névoa branca cobria a região. Tinha um cheiro forte, uma coisa quente que fazia nosso nariz doer e não deixava a gente dormir”, lembra.

"As árvores ficavam todas brancas”, confirma o morador Carlos Cardoso, que teve uma perna amputada por causa de um câncer no joelho e acredita que a água contaminada na região seria a culpada. Morador de Areias desde 1994, ele conta que a água que consumia vinha do entorno da empresa, que na época se chamava Tibrás. “Eles despejavam ácido sulfúrico no solo", afirma. "Se fosse em qualquer outro país, aquela área jamais poderia ser habitada. Queria saber se os responsáveis pela fábrica beberiam aquela água."

E não só a população de Areias tem passado por situações suspeitas. Do outro lado da BA-099, ainda nos arredores dos terrenos da Tronox, a população da localidade chamada Pé de Areias, não se surpreende mais com a água escura que sai da torneira. “Aqui sempre falta água e todas as vezes que ela volta, sempre está escura, quase preta”, relata o vendedor Marcelo Nery Bonfim. O chefe dele, Alerandro Sacramento Lopes, ressalta que quem não tem poço em casa se vira como pode. “Mesmo quando a água está cristalina, a gente pensa duas vezes se deveria usar, vai saber o que tem ali”, pondera o comerciante.

Nascido e criado na região de Areias, José Valter (nome fictício) trabalhou na fábrica por mais de 20 anos e conta que, durante a limpeza dos tanques, as comportas eram abertas e todo o resíduo da produção ia direto para o rio. “Peixes morriam e as pessoas ficavam doentes de uma forma suspeita - há quem diga que gente daqui morreu por causa desses poluentes", afirma. "Esse tipo de contaminação não some de um dia para o outro se não tiverem essa intenção. Ela fica, se espalha e quem sofre é a população.”

•        Cobrança

A 5ª Promotoria de Camaçari deu até a próxima quarta-feira para que a Tronox apresente os estudos de análise da água, do solo e da poluição atmosférica na região. O inquérito para investigar a contaminação foi reaberto após duas publicações de A TARDE: uma nota da coluna O Carrasco do dia 17 de abril e uma matéria em 28 de maio. Ambas foram anexadas ao processo.

Caso esses estudos não sejam apresentados, será a vez de o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) receber uma notificação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) para que envie laudos, uma vez que o órgão renovou a licença ambiental da Tronox em 2013. Segundo o promotor Luciano Pitta, é de se supor que o Inema tenha realizado estudos para conceder tal licença, que vale até 2026.

Porém, um ano após essa renovação de licença, em 2014, a Fundação José Silveira realizou um estudo, a pedido da Secretaria de Saúde de Camaçari, e os laudos atestam uma grave contaminação nas áreas vizinhas à Tronox, que são compostas por ecossistemas frágeis, complexos e com uma população socialmente vulnerável. “Se ficar comprovado que as acusações são verdadeiras, o MP pode executar o Termo de Ajustamento de Conduta, o chamado TAC, que, ao ser homologado, tem a força de uma sentença judicial”, explica o promotor de Justiça.

•        Risco ambiental

Segundo o professor, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (Ibrades), Georges Humbert, os principais aspectos ambientais do processo produtivo de TiO2 são o consumo elevado de água, o uso de ácido sulfúrico, emissões gasosas durante as reações de sulfatação e calcinação, e o volume de resíduos produzidos. E o jurista salienta: há indicativos de descumprimento da legislação e do TAC firmado pela Tronox e o MP-BA.

O relatório do 1º Ciclo das Oficinas de Participação Social de Camaçari, que revisou o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da cidade e que foi entregue em julho deste ano, salienta a existência de "instalações de infraestrutura que causam risco de impacto ambiental", apontando a empresa Tronox Pigmentos do Brasil como uma indústria de insumos capaz de causar impactos de grande proporção ao meio ambiente.

O que isso pode significar para a Tronox? Pagamento de multas, suspensão e cassação das licenças. “Embargo temporário, embargo da operação, até a interdição, além de consequências de compliance e controle interno, exigida por acionistas e pelo mercado de valores mobiliários e de ações”, explica Humbert. 

 

Fonte: A Tarde

 

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