As mães que perderam suas filhas mortas com herpes após cesárea
Em 2018, duas mulheres morreram de herpes — uma
infecção comum e normalmente leve — com apenas algumas semanas de intervalo,
logo após darem à luz por cesariana na mesma rede de hospitais no Reino Unido.
Após uma investigação sobre as duas mortes, suas famílias dizem que vão
continuar a lutar para descobrir o que aconteceu.
Uma vez por mês, no último ano e meio, Yvette
Sampson e Nicola Foster se encontraram em uma cafeteria em Canterbury, no Reino
Unido. O primeiro encontro, diz Nicola, foi "cheio de lágrimas".
"E agora, às vezes, ainda são. Como nós duas
passamos pela mesma situação, entendemos como a outra se sente."
À primeira vista, as duas mulheres não parecem ter
afinidades. Suas personalidades são muito diferentes — Yvette, de 54 anos, é
serena e suave no trato, enquanto Nicola, de 56, é mais expressiva e direta ao
ponto.
Mas o que está no seu âmago — uma determinação
ferrenha sustentada por um luto avassalador — importa mais do que qualquer
característica superficial.
"Nós nos ajudamos. Ninguém mais consegue
entender, a menos que tenha passado por isso", diz Nicola.
Apesar de só terem se encontrado pessoalmente em
2021, as duas mulheres se conhecem desde o verão de 2018, quando suas filhas
morreram com sete semanas de intervalo em circunstâncias fora do comum.
A filha de Yvette, Kimberley, morreu em maio
daquele ano, aos 29 anos, três semanas após dar à luz seu segundo filho por
cesariana. E, no início de julho, Samantha Mulcahy, filha de Nicola, morreu 10
dias após dar à luz seu primeiro filho, também por cesariana, aos 32 anos.
Na época, as autoridades de saúde insistiram que as
duas mortes não estavam ligadas. Mas uma investigação da BBC em 2021 revelou
conexões aparentes entre as duas mortes — ambas as mulheres haviam sido
operadas pelo mesmo cirurgião.
Em 14 de julho, uma legista concluiu que era
"improvável" que o cirurgião fosse "a fonte da infecção",
deixando perguntas sem resposta para suas famílias.
Tanto Samantha quanto Kimberley foram atendidas em
hospitais administrados pela East Kent Hospitals University NHS Foundation
Trust. E, em 26 de julho, um legista determinou que ambas morreram após uma
infecção de herpes "disseminada" antes ou perto do parto, que causou
falência múltipla de órgãos.
Estima-se que cerca de 70% dos adultos tenham um
dos dois tipos do vírus causador da herpes simples aos 25 anos, mas para a
grande maioria das pessoas, o vírus causa apenas sintomas ocasionais e leves,
na pior das hipóteses.
As mortes causadas pelo herpes tipo 1 são
praticamente desconhecidas em pessoas saudáveis.
Em comunicado após a investigação sobre as mortes
de Kimberley e Samantha, a CEO da Foundation Trust, Tracey Fletcher, ofereceu
"sinceras condolências" às famílias, acrescentando que havia feito
mudanças desde 2018 "para garantir que, se houver suspeita de uma infecção
tão rara decorrente deste vírus, ela será tratada mais rápido".
Em meados de julho de 2018, Yvette participou de
uma reunião com médicos da Trust. A essa altura, ela sabia da morte da filha de
Nicola, Samantha. Yvette perguntou se Samantha e sua filha, Kimberley, haviam
sido atendidas pelos mesmos profissionais de saúde.
"Disseram que era algo que eles ainda estavam
investigando", ela relembra.
"E então eu disse: mas se vocês descobrirem
que existe uma [relação] com o atendimento, vocês vão nos avisar, certo? E eles
disseram que sim."
Mas agora ela acredita que a Trust não estava sendo
honesta. Embora Kimberley tenha sido atendida no Queen Elizabeth the Queen
Mother Hospital, em Margate, e Samantha no William Harvey Hospital, em Ashford,
o mesmo cirurgião havia realizado ambas as cesarianas, revelou uma
investigação. E, na época desta reunião, a Trust sabia disso. Durante a
investigação, a Trust não negou que ocultou essa informação das famílias.
Fletcher, CEO da Trust, pediu desculpas após a
investigação pelo "sofrimento adicional e desnecessário que a Trust causou
a essas famílias por não responder às suas perguntas após a morte de Kimberley
e Samantha e por contribuir para os atrasos na investigação". Ela disse
que a Trust está mudando a maneira como responde quando as coisas dão errado,
acrescentando: "Lamentamos muito".
Yvette afirma que "definitivamente"
mentiram para ela quando disseram que Samantha e Kimberley não foram tratadas
pela mesma equipe.
• Namorados
desde a adolescência
Apesar da Trust não reconhecer qualquer ligação, as
duas mães se recusaram a aceitar a narrativa de que as mortes das filhas haviam
sido coincidências infelizes e improváveis.
"Não poderia deixar isso passar", diz
Yvette, que está criando os dois filhos de Kimberley ao lado do marido, Louis.
Tanto Nicola quanto Yvette sabiam da perda sofrida
pela outra, mas investigaram cada uma das mortes sozinhas.
Nicola passou um tempo no Facebook tentando
encontrar os Sampsons, mas não conseguiu localizá-los. Yvette não está nas
redes sociais e, embora também quisesse falar com a família de Samantha, ela
queria "respeitar" a dor pela qual estavam passando.
Além do luto pela filha, Nicola — dona de uma
empresa de limpeza — também buscou dar apoio ao genro, agora sozinho com um
bebê.
A vida de Ryan Mulcahy havia dado uma reviravolta
drástica — do nascimento do primeiro filho até a perda da esposa em questão de
dias.
Samantha e Ryan eram namorados desde a adolescência
e se casaram em setembro de 2017. Não demorou muito para Samantha descobrir que
estava grávida. Embora tenha havido complicações durante a gestação, a filha
deles nasceu saudável. "Senti que meu mundo estava completo", diz Ryan.
Mas Samantha não estava se recuperando como
esperado e, apesar do que havia acontecido com Kimberley apenas algumas semanas
antes, os médicos tiveram dificuldade de identificar o que estava deixando
Samantha doente.
"Ela ficava dizendo: 'Está doendo, está doendo'",
lembra Ryan.
"Eu disse a ela... que a amava e para
continuar lutando."
Mas ela morreu antes de poder ser transferida.
Após sua morte, Ryan sentiu "uma dormência
completa". Ele diz que queria ficar de luto, mas sentia que não podia
porque precisava estar ao lado da filha, como Samantha gostaria.
Em relação à filha, Ryan diz: "A única coisa
que me apavora é que, mais tarde, ela vai se culpar". Ele teme que ela
pense que "'isso não teria acontecido com Sam se ela não estivesse lá' — é
isso que eu não quero".
"Quero que ela saiba que não tem nada a ver
com ela."
Assim como Nicola, Ryan tentou desde então
desesperadamente descobrir o que havia acontecido com Samantha, tanto por ele
quanto por sua filha.
• Interrogatório
agressivo
A grande descoberta ocorreu no verão de 2021,
quando Yvette estava de férias em Tenerife. Ela recebeu um e-mail — um lote de
documentos que ela havia solicitado por meio da lei de acesso à informação após
ser aconselhada a fazer isso pela BBC.
Foi quando ela descobriu que o mesmo cirurgião, que
não pode ser identificado por motivos legais, havia operado Kimberley e
Samantha, e que a Trust havia sido encorajada, por um laboratório externo, a
submeter o cirurgião a um exame no verão de 2018 — para verificar se ele
poderia tê-las infectado, algo que a Trust nunca fez.
"Fiquei em choque total", disse ela em um
depoimento emocionado na investigação. "Me senti traída. E até me senti
tola por ter deixado essas pessoas [da Trust] entrarem na minha casa. Confiei e
acreditei no que elas me disseram."
Após a primeira reportagem publicada pela BBC News
sobre o caso, em 2021, Nicola e Yvette se encontraram. Elas se tornaram grandes
amigas desde então, um vínculo que foi fortalecido quando ambas passaram pelo
extenuante processo de investigação.
O início do inquérito foi adiado por várias semanas
quando, na noite anterior à data que estava previsto para começar, a Trust
solicitou restrições para tornar públicas certas informações relacionadas ao
caso, para evitar que o cirurgião que realizou ambos os procedimentos fosse
identificado.
Depois, as famílias foram submetidas a nove dias de
interrogatório agressivo enquanto o advogado da Trust investigava a crença
inabalável de ambas as mães de que suas filhas haviam sido infectadas,
involuntariamente, pelo mesmo cirurgião.
"Sei que eles têm um trabalho a fazer",
diz Nicola. "Mas, às vezes, acho que eles precisam parar e pensar antes de
falar, e talvez pensar: E se fosse filha deles? E se tivesse acontecido com
eles? Como eles se sentiriam?"
Então, em 14 de julho, após inúmeros atrasos, a
legista Catherine Wood apresentou suas conclusões.
Wood constatou que "com base no princípio da
preponderância das probabilidades, era improvável que o obstetra em comum fosse
a fonte comum da infecção", em parte porque a Trust não havia examinado o
cirurgião em 2018. Wood não conseguiu chegar a uma conclusão sobre como o vírus
havia sido contraído por ambas as mulheres.
No caso de Kimberley, a legista concluiu que os
médicos deveriam ter considerado que ela poderia estar sofrendo de uma infecção
viral 48 horas antes — e que se eles tivessem feito isso, e a tratassem
adequadamente, ela poderia ter sobrevivido.
Já no caso de Samantha, Wood constatou que seus
sintomas não eram tão claros de detectar, então "não havia indicações clínicas
para iniciar" os medicamentos antivirais antes de provavelmente já ser
tarde demais para fazer diferença.
Quando a chuva começou a cair do lado de fora da
prefeitura de Maidstone, onde foi apresentada a conclusão da investigação,
Nicola e Yvette refletiram sobre a perda que suas famílias sofreram. Apesar da
conclusão da legista, ambas continuam convencidas de que o cirurgião infectou
suas filhas.
"Perder Sam deixou um enorme vazio em nossas
vidas e uma garotinha sem a mãe", diz Nicola.
"Os últimos cinco anos pareceram uma
verdadeira luta por respostas. Não fui capaz de viver o luto adequadamente
porque estive muito focada em obter respostas sobre o que aconteceu com Kim e
por que isso aconteceu. Isso consumiu minha vida. Sempre vou ficar revoltada e
chateada com tudo o que tive que passar para chegar a esse estágio",
afirma Yvette.
"Embora eu tenha algumas respostas sobre como
Kim morreu — como mãe, ainda há muitas perguntas sobre o que aconteceu que
permanecem pendentes."
Fonte: BBC News Mundo
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