domingo, 9 de julho de 2023

Alfredo Attié: A democracia e a relatividade

Um fato curioso da história milenar do pensamento sobre a experiência política está na raridade de testemunhos deixados pelos partidários da democracia. Da Grécia, por exemplo, fonte mais importante para o conhecimento desse regime, quase nada se guardou do que teriam escrito os democratas. Pode-se imaginar que estivessem tão ocupados na difícil tarefa de construir a democracia, que pouco tempo lhes sobrava para que empreendessem uma teoria consistente sobre sua prática. Os adversários da democracia eram muito mais fortes (ricos e cheios de títulos da nobreza e de pretensão de saber) e foram mais eficientes, ao escreverem e preservarem suas reflexões. Aquilo que chamamos de filosofia ou teoria política e do direito (sobretudo na área do direito constitucional) nos vem do que disseram esses adversários da democracia. Isso ajudou no enraizamento do preconceito, que ainda vigora, em relação àquela forma de Constituição, na qual o poder do povo se apresentava e realizava.

Hoje em dia - muito embora o número de Países (e de teóricos do direito e da política) que se declaram democráticos tenha aumentado -, permanece uma nuvem de questionamento sobre as qualidades de se conceder as decisões sobre o destino da sociedade ao povo. O povo continua a ser visto com desconfiança, tanta vez com desprezo, tanto pelos que praticam quanto pelos que refletem sobre a vida política e jurídica das Nações. A torto e a direito, essas pessoas repetem a velha citação de Churchill - de que a democracia seria o menos ruim dos regimes -, esquecendo-se de que o escritor e político britânico era um crítico da democracia, que pensava a sociedade sob o ponto de vista da desigualdade, de modo mesmo cínico, ao afirmar defender as liberdades contra o nacional-socialismo e contrariá-las interna e, sobretudo, externamente, com a preservação da prática hierárquica e do colonialismo britânico.

Recentemente, essa polêmica veio à tona no Brasil, no debate que se seguiu a discurso do Presidente Lula, no qual defendia o regime Venezuela de seus críticos, dizendo que esse juízo deveria ser tomado de modo relativo, pois haveria índices democráticos, no regime sob a Constituição bolivariana, que não podiam ser desconsiderados. 

Claro que os adversários do Presidente - que mal inicia seu terceiro mandato, na liderança de um movimento pela restauração da democracia no Brasil, e que sempre primou pelo respeito e pela construção da democracia - apressaram-se em tomar a afirmação ao pé da letra, da relatividade democrática. Segundo esses críticos (que acreditam ostentar conhecimento sobre o que seja a democracia e pretendem dar lições ao Presidente sobre o caráter absoluto da democracia), Lula deveria simplesmente dizer que a Venezuela viveria sob ditadura, e engajanr-se numa campanha estrangeira bastante suspeita, que envolve a adoção de velhos modos de embargos e sufocamento econômico da população, para obter à força uma transição conveniente do poder. É uma forma de argumentar rasa e interessada, que parte de premissas teóricas vagas e prescinde da análise do que efetivamente ocorre no País vizinho, que vive conflitos tradicionais e enfrenta crise grave e complexa, sobretudo de ordem humanitária. 

Diante disso, a expressão do Presidente Lula deve ser entendida mais como apontando para o aspecto da complexidade (significado mais correto do termo relatividade, por ele empregado). Assim, que a situação venezuelana deve ser analisada a partir do conhecimento de várias realidades e relações sociais e históricas, internas e internacionais, e nunca com o mero pinçar de um ou outro fato, cujo conhecimento adviria mais do que expressam versões adotadas por esse ou aquele órgão de imprensa, desvinculado de outros fatos e, portanto, versões. Se toda política é conflituosa, é preciso sempre desenhar sua cena contrapondo as várias personagens que nela antagonizam. Nesse aspecto, os críticos do regime afirmam que seu governo age desse ou daquele modo, e que lhe falta isso ou aquilo para que se possa amoldar a um conceito idealizado e genérico, se não dogmático, de democracia. Não levam em consideração, porque não lhes interessa dar visibilidade a isso, as práticas e os discursos dos oponentes do regime venezuelano. Essa prática e esse discurso estão longe de se mostrar democráticos, é importante pontuar, o que torna o discurso dos críticos vazio, pois, ao negarem o regime atual, não mostram quais seriam as opções que efetivamente se apresentam para que se torne democrático, no sentido que empregam esse adjetivo.

Podemos admitir que o regime protagonizado pelo chavismo não seja democrático. No entanto, não podemos deixar de considerar e de dizer que o regime proposto pelos seus adversários também está longe da democracia. Ainda mais, na medida em que pretende restaurar práticas antigas e coloniais de dominação sobre a maioria do povo venezuelano, restaurando o papel das elites tradicionais, pugna mesmo pelo afastamento do povo das esferas de poder, não deixando de prescindir do velho golpismo que tem caracterizado as práticas dessas elites em nosso continente americano, de norte a sul.

Entretanto, devemos admitir, que os críticos brasileiros do regime venezuelano, em sua maioria, não estão interessados verdadeiramente em restaurar ou ajudar a construir a democracia naquele País. Seu interesse autêntico está em repisar seus antigos conceitos e preconceitos a respeito do Presidente Lula e do que representa – paradoxalmente, em termos de construção democrática – e a respeito do que consideram ser o discurso e a prática da esquerda política. Mais grave é o fato de que, no momento presente, pretenderem minar precisamente o processo de reconstituição da democracia no Brasil, que sofreu os revezes que sofreu, além de preservar a força de perigosos oponentes, encastelados nos poderes de todas as esferas da federação, exatamente em razão da atuação e da omissão desses mesmos críticos e adversários do atual regime brasileiro.

Ao usarem a democracia como argumento, o que fazem, de modo significativo e aparentemente contraditório, é relativizar seu conceito, afirmando falsamente que seria absoluto e tentando apontar nas características desse ou daquele País seu antípoda. Quando a democracia esteve em perigo no Brasil e quando se instaurou um regime francamente antidemocrático, aqui, o que fizeram e disseram esses críticos? Ajudaram com suas decisões, ações e declarações a impedir que ocorresse a assunção do poder por grupos dotados de capacidade enorme para o cometimento de atos anticonstitucionais e violentos, no discurso e na prática? A história demonstra que, bem ao contrário, contribuíram para que a situação de impasse constitucional se implantasse, deixando presente a ameaça constante de desestabilização e de encaminhamento do regime constitucional brasileiro à bancarrota, por meio de atos calculados e torpes de enfrentamento e obstaculização do livre curso das informações verdadeiras e das políticas públicas, direitos e deveres postos na Constituição cidadã. Podemos dizer a tais críticos que estão certos em falar sobre os valores e princípios postos nessa Constituição, que negam a ditatura e suas práticas. Mas apontar que, em sua prática, no espaço público, acabaram por negar o que agora cobram.

Em próximo texto, farei uma abordagem mais precisa sobre o que seja a democracia – mostrando como estão errados esses partidários do absolutismo ida crítica fácil e irresponsável. Por ora, encerro esse breve artigo dizendo que o Presidente Lula estava certo, ao argumentar que a democracia, onde queer que seja, está envolvida em uma realidade complexa e que, em decorrência, é preciso enxergá-la com a prudência do olhar que a relatividade do mundo sugere, para que se possa construir, de fato, a relação democrática que todas as pessoas sinceras desejam: o poder pertence ao povo. 

 

       Seis meses do 8/1: democracia saiu fortalecida, dizem analistas

 

Os atos golpistas 8 de janeiro, que culminaram na invasão e na depredação das sedes do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto  completam seis meses neste sábado (8) e já tiveram como consequências milhares de prisões, a abertura de uma CPMI e a instalação de inquéritos judiciários no STF e na Polícia Federal.

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Segundo o Supremo, 2.151 envolvidos foram presos em flagrante. Destes, após passarem por julgamentos em blocos pelos ministros da Corte, 252 continuam privados de liberdade. A corte ainda tem outras ações penais contra 1.245 investigados por serem participantes, iniciadores ou autores intelectuais das invasões.

O ministro da Corte e relator do caso, Alexandre de Moraes , afirmou que os casos mais graves serão encerrados até o fim do ano. "Pelo menos, aproximadamente os 250, que são os crimes mais graves, que estão presos, esses em seis meses, o Supremo vai encerrar”, afirmou o magistrado.

•        Fortalecimento da democracia

Na avaliação de Márcio Coimbra, cientista político e professor de Relações Institucionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), houve um fortalecimento das instituições democráticas após o episódio.

"Nós vimos um golpe fracassar. O primeiro fortalecimento aconteceu no Ministério da Justiça, que soube se colocar muito bem sobre aquela situação. Depois houve uma intervenção federal e recentemente vimos a desarticulação da presença de militares golpistas dentro do GSI. Nós também vimos o Supremo Tribunal Federal funcionando, agora a gente vê o Congresso Nacional com uma CPI, então cada poder dentro das suas atribuições tem trabalhado pela normalidade institucional", explica Coimbra.

Para Marcos Woortmann, cientista político, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília e coordenador de Advocacy do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), "a democracia se fortalece principalmente no termo de políticas públicas e enquanto cultura, porque ela é um conjunto de valores. Porém, o regime é muito novo no Brasil, não tem nem 40 anos, então acho que muito ainda precisa ser feito, mas os espaços necessários estão sendo dados”.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, foi informado que as invasões resultaram em um prejuízo total de R$ 20,6 milhões . O STF foi o órgão mais afetado, registrando danos de R$ 11,4 milhões. Em seguida vem o Congresso, com R$ 4,9 milhões (R$ 2,7 milhões na Câmara e R$ 2,2 milhões no Senado), e o Planalto, com R$ 4,3 milhões.

O valor total ainda pode aumentar, visto que existem custos, mesmo após seis meses dos eventos, ainda não estimados. Um exemplo é o caso do relógio francês do século XVIII, presente da corte francesa a dom João 6º, que foi lançado ao chão duas vezes durante os ataques.

"O que foi perdido de patrimônio histórico já é já um valor absolutamente irrecuperável, mas o que foi também prejudicado e vilipendiado em termos de valores democráticos também tem um custo que é difícil estimar. Todos aqueles que entraram nos prédios públicos, cujas imagens foram demonstradas vandalizando patrimônio público bem como os oficiais de prontidão, os servidores de alta patente e gestão pública que não atuaram minimamente prevaricaram e precisam ter a punição mais rigorosa possível", opina o cientista político Woortmann.

•        CPMI dos atos golpistas

Em maio, a CPMI dos atos golpistas foi instalada com a finalidade de apurar os fatos que ocorreram em 8 de janeiro . Com Arthur Maia (União Brasil) na presidência, Cid Gomes (PDT), como primeiro vice-presidente, Magno Malta (PL), como segundo vice-presidente e Eliziane Gama (Cidadania), na relatoria, a cúpula da CPMI é composta por integrantes 16 integrantes da Câmara e 16 integrantes do Senado, com número igual também de suplentes.

Para Coimbra, as comissões não devem trazer um elemento novo que já não tenha sido investigado por outros órgãos como o STF e a PF.

"Eu acho que a CPMI dá respostas políticas, ela é um instrumento investigativo do Poder Legislativo. As comissões dão respostas para a sociedade e não respostas jurídicas, isso quem dá é o STF e a Polícia Federal neste caso.", diz Coimbra.

Marcos Woortmann segue o mesmo pensamento, mas reforça a crítica ao papel midiático da investigação.

"Hoje em dia as CPIs estão eivadas de um perfil midiático lacrador, cuja única finalidade de manifestação dos parlamentares não é o avanço ou a defesa acerca de uma investigação, mas gerar material em mídias sociais de públicos de nichos específicos políticos".

•        Influência do governo anterior

Em entrevista ao Roda Vida no início do mês passado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro teve responsabilidade política nos atos golpistas. Para o magistrado, "as manifestações anteriores eram testes, e se queriam muito uma Garantia da Lei da Ordem (GLO), que ele [Bolsonaro] comandaria".

Durante seu governo, Bolsonaro expôs publicamente sua desconfiança sobre o sistema eleitoral.. Após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva no segundo pleito das eleições de 2022, não reconheceu a vitória e ficou 40 dias em silêncio, sem cumprimentar seu sucessor pela vitória.

De acordo com Márcio Coimbra, Bolsonaro é um dos responsáveis pelos atos antidemocráticos, já que evitou reconhecer sua derrota e criou um sentimento de suspeição sobre a leitura do pleito.

Para o professor de Relações Institucionais, o ex-chefe do Executivo não teve "maturidade institucional" e deveria ter apresentado provas de que havia razão para desconfiar do processo eleitoral brasileiro.

"Ele [Bolsonaro] criou uma instabilidade política. Deu incentivo para a insatisfação do eleitorado articular um movimento como o 8 de janeiro", diz o especialista.

Em recente declaração à imprensa, o ex-presidente diz que não considera o 8 de janeiro uma tentativa de golpe. “Nunca vi golpe domingo. Nunca vi golpe sem arma. Estão querendo dar ares de golpe ao 8 de janeiro. São atos de vandalismo e depredação abomináveis, ninguém concorda com isso. O próprio ministro da Defesa disse que não houve uma figura central coordenando”, afirmou.

Em abril, o ex-presidente prestou depoimento à Polícia Federal sobre os atos golpistas após determinação do ministro Alexandre de Moraes. As informações dadas por Bolsonaro não foram divulgadas, pois foram encaminhadas ao inquérito sigiloso dos atos golpistas do STF.

•        A invasão

A invasão ocorreu das 15h até às 18h20 do domingo de 8 de janeiro. Os extremistas marcharam até o Palácio do Planalto e se agruparam no local por duas horas, quando centenas de manifestantes furaram o bloqueio de poucos militares e em 10 minutos começaram a depredar o Congresso Nacional.

Às 15h30, a Polícia Militar do Distrito Federal tentou manter os golpistas lançando as primeiras bombas de gás. Flávio Dino se pronunciou 13 minutos depois, afirmando ser uma invasão absurda e pediu reforços.

Com pouca efetividade das Forças Armadas, os extremistas, às 15h50, invadiram o Palácio do Planalto. Cerca de dez minutos depois, invadiram também a sede do Supremo Tribunal Federal, local mais depredado dos Três Poderes.

A Força Nacional, o reforço solicitado por Dino, chegou às 16h25 na Esplanada para tentar conter os milhares de golpistas.

Até às 18h, horário dos últimos atos dos extremistas, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), demitiu o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que a Procuradoria da República do Distrito Federal abrisse uma investigação sobre os atos. O presidente Lula ainda decretou intervenção federal no Distrito Federal e nomeou Ricardo Capelli como interventor da segurança do DF.

Às 18h20, os golpistas atearam fogo em frente ao Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, a polícia do Distrito Federal começou a prender os radicias e retomar os prédios públicos.

 

       GALVAN APONTADO COMO UM DOS “MENTORES” QUE CULMINOU NOS ATOS DO DIA 8 DE JANEIRO, SEGUNDO ABIN

 

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja), Antônio Galvan, é citado como um dos mentores dos atos intervencionistas que se levantaram contra o resultado das eleições presidenciais e terminaram com os atos golpistas de 8 de janeiro deste ano. 

A informação conta nos relatórios sigilosos da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), divulgados pelo jornal O Globo nesta sexta-feira (7). Conforme a reportagem, dois grupos foram identificados: um de produtores rurais e um núcleo de pessoas identificadas como “incitadoras” da depredação de prédios públicos no início deste ano. 

A ABIN aponta o Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), que tem como líder Antônio Galvan. E que foi o principal movimento que mobilizou as manifestações de 7 de setembro, quando chegou a pedir intervenção militar. Ainda conforme a Agência, o Movimento Brasil Verde e Amarelo comandou os bloqueios de caminhoneiros em novembro de 2022, em Goiás, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Roraima, visando “contestar”, sem provas, a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O movimento teria “recursos econômicos para financiar transporte de manifestantes e ações extremistas, como as ocorridas no 8 de janeiro”. A reportagem ainda lembra o fato de Antônio Galvan ter sido alvo de busca e apreensão em 2021, por conta do financiamento de atos antidemocráticos na época. Ele ficou impedido de circular na praça dos Três Poderes. 

Ao Globo Galvan não quis se manifestar. Já a Aprosoja Brasil disse em nota que não conhece o conteúdo do documento e afirmou que não organizou nem financiou nenhuma das ações antidemocráticas. 

A reportagem ainda cita o produtor rural Jeferson da Rocha de Santa Catarina, o reservista do Exército Marcelo Soares Correa, conhecido como cabo Correa, que seria um dos líderes dos “Boinas Vermelhas”, uma agremiação formada “por reservistas autônomos que compartilham informação política ideológica semelhante, discurso radical de deslegitimação às instituições e propensão à ação violenta”. 

Também constam no relatório da ABIN Symon Albino, conhecido como Symon Patriota, e Ana Priscila Azevedo como os outros principais “incitadores” dos atos.

•        Outro lado

 Antônio Galvan contestou o teor do relatório da ABIN, dizendo que nunca participou ou organizou nenhum ato antidemocrático. Também afirmou que tanto a Aprosoja Brasil , quanto a de Mato Grosso, não financiaram tais atos citados pela Agência. “Tanto que no inquérito da Polícia Federal, chegaram a analisar as contas das entidades e nunca encontraram nada que ligasse aos atos questionados”, disse.

Galvan também afirmou que desde que foi alvo da PF em 2021 tem evitado participar de manifestações, sob alegação de que poderia complicar sua situação. “Nunca estive em nenhum ato desses citados. Vamos aguardar ter acesso a esse documento para comentar algo mais concreto”, finalizou.

 

Fonte: Brasil 247/iG/Marreta Urgente

 

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