segunda-feira, 31 de julho de 2023


 Acúmulo de gordura no fígado acomete um em cada três brasileiros

Maior órgão maciço humano, o fígado é a central elétrica do corpo. Entre as suas mais de 500 funções, está a importante tarefa de receber nutrientes do intestino e devolver ao sangue as produções das células. Glicose e glicogênio, que dão origem à produção de energia necessária à vida, são um exemplo. A rica vascularização do órgão e o tamanho dele fizeram com que, nos primórdios da medicina, ele chegasse a ser confundido com o coração. Tamanha importância também faz do fígado um órgão sensível. Há várias doenças que o acometem, agudas e crônicas. O álcool é, sim, a principal ameaça. Causa lesões hepáticas que evoluem para a cirrose e, dessa, para a necessidade de transplante.

Mas, para quem pensa que esse é o único vilão do fígado, vai o alerta: é preciso ter atenção com a hepatite e com a doença hepática gordurosa não alcoólica, principal causadora da esteatose. Caracterizada pelo acúmulo de gordura no interior das células do fígado, a esteatose pode ser causada também por hepatites, abuso de álcool e uso de medicamentos. A maioria dos pacientes tem apenas o acúmulo de gordura nas células, mas até 30% dos casos podem evoluir para esteatoepatite não alcoólica, cirrose e câncer de fígado.

Pesquisa recente sugere que 30% dos adultos tenham esteatose, doença hepática mais prevalente em todo o mundo. ;O número é tão alarmante que a Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) acaba de definir um consenso nacional sobre a doença. Trata-se de uma epidemia mundial. Precisamos chamar atenção porque é uma enfermidade silenciosa, que não causa sintomas;, alerta Edison Roberto Parise, presidente da entidade.

Obesidade visceral, pré-diabetes, diabetes, baixa do bom colesterol, alta do triglicérides, pressão alta, aumento da circunferência da cintura e síndrome metabólica podem denunciar o problema. Segundo o hepatologista e gastroenterologista João Galizzi Filho, testes de função hepática em exames de sangue são inespecíficos, mas o ultrassom é capaz de mostrar se existe uma esteatose significativa.

A doença tem causa genética e é agravada pelo estilo de vida sedentário e pela má alimentação, com a grande ingestão de carboidratos e gorduras saturadas. Obesidade e diabetes são os principais fatores associados. Nessas condições, a esteatose pode atingir 70% dos indivíduos. Ela também é mais frequente em pessoas na faixa dos 40 a 50 anos, mas vem crescendo entre os adolescentes em função do estilo de vida sedentário e por causa do abuso de anabolizantes.

Mas, corrigindo as causas, é potencialmente reversível. ;Precisa modificar hábitos alimentares, perder peso e fazer atividade física regular e moderada, principalmente as aeróbicas;, ensina Galizzi. Seguindo essas recomendações, além de reverter a esteatose, o paciente ganha em qualidade de vida, já que muitos sofrem de apneia do sono, além de reduzir o risco cardiovascular e o de progressão para o diabetes. Quanto maior a adesão ao novo comportamento, melhor o resultado na diminuição da gordura depositada no fígado.

Já em fase avançada da esteatose, precisa-se recorrer aos sensibilizadores de insulina e aos medicamentos citoprotetores e antioxidantes. Para os obesos mórbidos, a cirurgia bariátrica é opção. ;De 80% a 90% da população adulta com obesidade mórbida tem esteatose;, explica Edison Parise. Casos mais avançados podem exigir transplante.

        União perigosa

Novos tratamentos estão sendo desenvolvidos no combate à doença, mas, segundo Parise, apesar de ser um problema sério de saúde pública, ainda não são destinados recursos financeiros necessários para a divulgação e os cuidados. Descoberta a esteatose, o presidente da SBH ressalta a importância de se investir na prevenção do diabetes e das doenças cardiovasculares. Segundo João Galizzi Filho, diabéticos têm cerca de 65% a 80% de chances de ter também a esteatose, que pode evoluir para câncer de fígado.

 

       Acúmulo de gordura no fígado pode inflamar o cérebro, diz estudo

 

O acúmulo de gordura no fígado pode colocar em risco a saúde do cérebro, indica um estudo divulgado, ontem, no Journal of Hepatology. Cientistas britânicos descobriram que a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), muito ligada ao excesso de peso e ao diabetes, causa a diminuição de oxigênio no cérebro e inflamação de tecidos do órgão — complicações que levam ao aparecimento de doenças cerebrais graves.

O efeito foi observado em camundongos, que foram divididos em dois grupos alimentares. Metade das cobaias seguiu um regime em que a gordura representava cerca de 10% da ingestão calórica. No outro grupo, a taxa foi equivalente a 55%, o que se equipara, segundo os autores, a uma dieta rica em alimentos processados e bebidas açucaradas.

Após 16 semanas, os pesquisadores realizaram uma série de testes para comparar os efeitos das dietas nos animais, incluindo as condições do fígado e do cérebro. Constatou-se que todos os camundongos que consumiram os níveis mais altos de gordura se tornaram obesos e desenvolveram doença hepática gordurosa não alcoólica, resistência à insulina e disfunção cerebral.

Além disso, o cérebro desses animais passou a receber níveis mais baixos de oxigênio. Segundo os autores, isso pode ter ocorrido por dois fatores: a DHGNA afeta o número e a espessura dos vasos sanguíneos cerebrais e um cérebro inflamado faz com que algumas células passem a consumir mais oxigênio. As cobaias que ingeriram mais gordura também estavam mais ansiosas e apresentavam sinais de depressão.

        Sem sintomas

Nenhuma dessas complicações foi observada nos camundongos submetidos à outra dieta. "É muito preocupante ver o efeito que o acúmulo de gordura no fígado pode ter no cérebro, especialmente porque, geralmente, isso começa leve e pode existir silenciosamente por muitos anos, sem que as pessoas saibam que o têm", afirma, em nota, a principal autora do estudo, Anna Hadjihambi, professora honorária no King's College London.

Na avaliação da cientista, os resultados sinalizam que reduzir a ingestão de açúcar e gordura tem efeito para além do combate à obesidade. "Também protege o fígado para manter a saúde do cérebro e minimizar o risco de desenvolver condições como depressão e demência durante o envelhecimento", indica. A pesquisa contou com a parceria de profissionais do Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica e da Universidade de Poitiers, também na França.

 

       Câncer de fígado vai além do álcool e diagnóstico tardio dificulta cenário

 

O terceiro câncer com maior índice de mortalidade no mundo faz com que exista um consenso entre médicos especialistas: é preciso que a população o conheça melhor. Apesar dessa doença no fígado ser mais comum em países da África e do Sudeste Asiático, os casos nacionais trazem uma grande preocupação por serem diagnosticados tardiamente, quando existem poucas opções de tratamento.

De acordo com o DATASUS, os diagnósticos em estágios iniciais do carcinoma hepatocelular - forma mais comum de câncer de fígado primário - só são feitos em 10% dos casos, sendo que em 62% das vezes essa identificação da patologia é feita já nos estágios muito avançados. Um dos fatores de risco para essa doença é a esteatose, a gordura no fígado muito comum em pacientes alcoólatras e entre quem tem obesidade, diabetes, hepatites virais ou triglicérides elevados.

>>> O que é?

        Carcinoma hepatocelular (CHC) é a forma de câncer de fígado responsável por 3/4 dos casos

        Pode acontecer com um único tumor que se espalha para as outras partes do fígado ou com múltiplos nódulos cancerígenos

        O alcoolismo é um dos fatores de risco, mas as hepatites B e C também são sinais de alerta

O médico hepatologista Rogério Alves alerta para a importância dos exercícios físicos e dá dica sobre o consumo ideal do álcool: ;Para evitar a gordura alcoólica é necessário seguir o recomendado pela OMS: dez doses semanais para as mulheres e quinze doses semanais para os homens, obedecendo sempre duas doses por dia no caso das mulheres ou três no caso dos homens. É necessário também ficar, ao menos, dois dias na semana sem ingestão de álcool;, alerta.

Rogério também explica que as cirroses podem levar ao câncer e que nem sempre elas têm a ver com o álcool. "Quando a gordura no fígado não é tratada, ela pode evoluir para um quadro de esteato-hepatite, que pode levar à cirrose. Essa doença se dá pelo acúmulo de lesões no fígado que foram se cicatrizando, mas não apenas o álcool pode causar lesões. As hepatites A, B e C, também são fatores de risco quando não tratadas."

>> Dados da CHC no mundo

        696 mil pessoas já faleceram por conta do carcinoma hepatocelular

        É o 5; câncer mais comum em homens

        7; mais comum em mulheres

>> Dados no Brasil

        26.200 casos foram diagnosticados no SUS nos últimos 5 anos

        56% desses casos foram em homens

        44% em mulheres

<><><><> Palavra do especialista - Dr. Roberto Gil é oncologista do INCA - Instituto Nacional de Câncer - e foi membro fundador do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais.

        1. Como identificar o CHC ainda nos seus sintomas iniciais?

A melhor forma é consultar um médico regularmente, seja um hepatologista, para aqueles que possuem algum tipo de doença crônica, como a cirrose, ou um clínico geral. O fígado mesmo doente pode não causar sintomas e quando demonstra sintomas, a doença já está avançada. Por isso fazer exames de sangue e imagens periódicos é a melhor forma de detectar precocemente qualquer doença hepática, principalmente o câncer.

        2. Para quem tem fatores de risco do carcinoma hepatocelular, como fazer com que essas agressões às células hepáticas não evoluam para um câncer?

Além do acompanhamento periódico com o especialista, é extremamente importante que sigam o tratamento indicado da forma mais correta possível. Manter boa alimentação, exercícios físicos e não beber são extremamente importantes. A vacinação da Hepatite B e o tratamento da Hepatite C, disponíveis no sistema público, são medidas efetivas de diminuição de doenças hepáticas que podem levar ao câncer.

        3. As pesquisas sobre o CHC com a população em geral mostram um grande desconhecimento da doença. Se o senhor pudesse explicar os principais aspectos da doença que deveriam ser mais evidentes para os brasileiros, quais explicaria?

O brasileiro precisa saber de três coisas fundamentais sobre o câncer de fígado, primeiro que não é só a bebida que pode causar a doença, uma alimentação rica em gordura e a obesidade levam à esteatose, que é a gordura no fígado, e ela é tão nociva quanto o álcool. Segundo, o diagnóstico de hepatite não deve ser ignorado ou escondido. Procurar um bom especialista em doença do fígado é importante. O controle dessas doenças pode ser feito de maneira muito mais fácil do que anos atrás podendo evitar ou diagnosticar precocemente o câncer de fígado. E por último, o alcoolismo não é motivo de vergonha, trata-se de uma doença que deve ser tratada por profissionais para vencer o desafio dessa doença.

 

Fonte: Correio Braziliense

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