domingo, 30 de julho de 2023

A execução de Marielle, o Caso Riocentro e as ações políticas de militares para desmantelar a democracia

O atentado à Marielle Franco suscita inquietação em todos os que se preocupam com a construção da democracia e com o Estado de Direito no Brasil.

A compreensão dos interesses que podem ter motivado sua execução e ocorrências anteriores podem ser o fio da meada capaz de desembolar o novelo.

O atentado ocorreu no 26º dia após a intervenção federal no Rio de Janeiro. O interventor era o general Braga Netto e o Secretário de Segurança Pública o general Richard Nunes.

A intervenção federal fora decretada no dia 16/02/2018 e o atentado em 14/03/2018. O general Braga Netto era o Comandante Militar do Leste, conhecia o Rio de Janeiro e suas dinâmicas.

Em 01/04/2014, em razão de GLO, ocupara a Maré com tropas e blindados, dando sequência à política de ocupação militar das favelas.

É possível relacionar o atentado à Marielle com o Caso Riocentro. Desde 2015 evidenciaram-se movimentações de forças político-militares visando ao desmantelamento dos valores democráticos.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada para apurar os atos de violação aos direitos humanos durante a ditadura empresarial-militar, deixara a gorilada em polvorosa.

O relatório, publicizado em dezembro de 2014, com os crimes praticados nos quartéis acirrara os ânimos e opusera a caserna à Presidenta Dilma Rousseff.

O Comandante do Exército, general Villas Bôas, autorizara seus subordinados a se manifestarem publicamente, encerrando o ciclo do silêncio.

Iniciando o quadro de eloquência, o comandante militar do Sul, general Mourão, concedeu longa entrevista numa TV gaúcha.

Em seguida, no CPOR de Porto Alegre, falou que “a mera substituição da Presidente da República não trará uma mudança significativa no ‘status quo’, mas a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção” e pediu o “despertar da luta patriótica”.

Encorajados por suas declarações, seus comandados, em Santa Maria/RS, prestaram homenagem ao Coronel Brilhante Ustra, acusado de tortura. O golpe estava em curso.

O General Villas Bôas fazia o papel de militar-legalista e os que autorizados por ele se manifestavam eram apresentados como militares-rebeldes.

No dia 27 de fevereiro, onze dias após a intervenção no Rio de Janeiro e quinze dias antes do atentado à Marielle, o interventor Braga Netto, em entrevista, disse que a intervenção era uma espécie de laboratório para outros Estados. “O Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil”, disse.

No dia seguinte o general Mourão despediu-se do Exército e, em discurso, chamou o coronel Ustra de “herói”.

Em entrevista, o general Mourão disse que “A intervenção no Rio de Janeiro é uma intervenção meia-sola. O Braga Netto é um cachorro acuado, no final das contas. Não vai conseguir resolver o problema dessa forma”.

O general disse que o Judiciário deveria “expurgar da vida pública aquelas pessoas que não têm condições de participar”.

Antes, em palestra promovida pela maçonaria em Brasília o general Mourão dissera que seus “companheiros do Alto Comando do Exército” entendiam que uma “intervenção militar” poderia ser adotada se o Judiciário “não solucionar o problema político” do país.

Isto talvez explique o twitter do general Villas Bôas às vésperas do julgamento, no STF, do habeas corpus impetrado em favor do presidente Lula.

A fala do general Mourão acusava a existência no seio militar de forças contrárias à ordem democrática e capazes de tentar uma intervenção, como muitas ocorridas ao longo da República.

Os atos de 08 de janeiro deste ano apenas coroaram uma escalada antidemocrática na esteira de manifestações anteriores, dentre as quais, as de 31 de julho e 07 de setembro de 2022, querendo o adiamento das eleições presidenciais.

As investigações do Caso Marielle precisam conceber a possibilidade de ter sido o atentado articulado por forças que pretendiam implantar o caos para se apresentarem como garantidoras da ordem, em prejuízo da democracia e das liberdades públicas.

Além dos executores, é preciso investigar quem foram os articuladores do atentado, bem como os intermediários mantenedores recíproca relação com milicianos e com forças obscuras dos quartéis.

A cogitação de colocação de bomba no gasômetro do Rio de Janeiro na ‘hora do rush’, para matar milhares de trabalhadores e colocar a culpa nos comunistas, e o Caso Riocentro são demonstrativos do que fazem os que tramam contra as liberdades públicas.

Se no passado os algozes da democracia empregavam suas tropas para execução dos serviços sujos, hoje podem usar terceirizados, como ocorre nas guerras, a exemplo da Guerra do Iraque, onde atuaram empresas privadas com seus mercenários, contratadas pelos EUA para fazer a guerra por eles.

Se havia forças que pretendiam a intervenção nas instituições e garroteamento da democracia, do Estado de Direito e das liberdades estas podem ter tentado implantar o caos.

O general Braga Netto, interventor no Rio de Janeiro, tinha à sua disposição todo o aparato de investigação, espionagem e de segurança federal e estadual, mas sequer recebeu os familiares da Marielle. A notícia de que a arma utilizada era do BOPE reforça a ideia de uso do aparato estatal para o crime.

É preciso esclarecer quem foram os executores do atentado. Mas igualmente quem planejou e quem pode ter intermediado a contratação dos assassinos.

Este pode ser o começo de um desvelamento a indicar a necessidade de fazermos o que não foi feito ao fim do regime empresarial-militar: a justiça de transição, com responsabilização pessoal e institucional dos que atentaram contra o povo brasileiro.

Não podemos permitir que os vermes que se alojam nos porões, de vez em quando, saiam para assombrar as liberdades públicas.

 

Ø  Marielle: a semi-delação show. Por Carlos Tautz

 

Quem acompanha há quase cinco anos e meio os simulacros de investigação sobre os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes foi levado pelos espalhafatos da TV Globo neste 24 de julho a acreditar que a semi-delação show do motorista-cúmplice Élcio Queiroz teria sido um passo firme no sentido de responder as perguntas-esfinge que embaralham a solução do assassinato duplo: quem diabos mandou matar Marielle? E por que, caramba?

Ainda esperamos sentados que dos dois volumes da semi-delação que ainda estão a salvo de vazamentos sistemáticos à TV Globo tragam mais do que a simples relação de bagrinhos que operam no Estado Miliciano do Rio de Janeiro.

Queremos e a democracia exige que os nomes dos mandantes arquitetos, dos financiadores e dos beneficiários venham finalmente à tona.

Claro que ajuda, e muito, saber que a campana sobre Marielle começara pelo menos seis meses antes do que se sabia e que envolvera no mínimo mais dois milicianos.

Essas novidades comprovam que houve muito mais dinheiro e intencionalidade envolvidas no planejamento e execução do atentado, e que tudo isso não poderia ter sido concebido e executado sem uma conspiração de nível político muito mais alto do que seriam capazes os sicários-operários até aqui descobertos.

Só isso já deveria ter o condão de jogar por terra uma tese que, por mais mentirosa que se prove, ainda é repetida pelos arrogantes e nababescamente assalariados procuradores estaduais.

Mas, não: um dos arrogantes teve a ousadia de não descartar a hipótese-idiotice de que Ronnie e seus capangas teriam feito o que fizeram movidos por ódio pessoal, e não a soldo de algo muito superior.

Ok, então todos nós fingimos que acreditaremos no conto de que a pior e mais bem paga quadrilha de matadores do Estado Miliciano do Rio de Janeiro passou meses se dedicando a campanar Marielle somente porque a ex-vereadora começava a pontificar para o grande público nas causas dos direitos humanos de moradores de favelas, da população gay e de mulheres negras.

Não, nem a Carochinha faria melhor, procuradores. Contem outra.

Esse argumento estúpido e mau caráter casa perfeitamente com o ardil protagonizado por Élcio – que aliás, como provam as muito bem enquadradas imagens vazadas como sempre com exclusividade para a Globo, mostrou-se muitíssimo à vontade no depoimento prestado aos engravatados marajás (que sequer, no vídeo vazado, investigaram a proximidade factual entre Ronnie e outra quadrilha, a dos Bolsonaro, que também residia no mesmo condomínio Vivendas da Barra).

Élcio teve a cara de pau de atribuir a um morto, o ex-PM Macalé, a iniciativa de contratar a Ronnie e sua quadrilha a “missão” de assassinar Marielle. Bingo!

Como o arquivo Macalé já foi mesmo queimado em 2021 e mortos ainda não têm o condão de falar a verdade, está fechada a quadratura do círculo que une um assassino profissional a procuradores que nos acham tolos para engolir essa mentira tosca.

Então, como esse jogo está sendo jogado dessa forma, sugere-se que todos se previnam e evitem que uma verdade seja construída por interesses comuns de sicários e engravatados.

O passo seguinte dessa operação pode acabar sendo a conclusão de que não houve mandantes arquitetos do crime político de maior repercussão no Brasil desde a bomba no Riocentro em 1981.

Uma tese flagrantemente mentirosa, mas que, se aceita pela família de Marielle e Anderson, pela Justiça e pela sociedade, ao final manteria tudo na mais perfeita ordem em um Estado cujos poderes reais não estão no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Mas na milícia, no tráfico e nessa polícia, que se juntam e se misturam sob a ideologia complacente desse MPRJ.

A propósito de Macalé, Élcio ainda contou outra mentira que os marajás do MPRJ optaram por deixar passar. Disse que até há poucos meses Macalé o pagava por mês R$5 mil (por que, marajás, vocês não perguntaram a razão desse assalariamento?).

A quantia, segundo Élcio, teria minguado a R$1,5 mil e depois, chegado a zero.

Assim, Macalé, morto há dois anos, teria conseguido a proeza de pagar até recentemente algum tipo de arrego a Élcio, na cadeia desde março de 2019.

Mas, apesar dessa engenharia financeira de outro mundo, não ocorreu aos doutos e arrogantes engravatados investigar como e porquê um defunto consegue enviar mensalmente um Pix lá do quinto dos infernos a um criminoso encarcerado, que por estar atrás das grades supostamente não teria acesso às suas próprias contas bancárias.

São essas e muitas outras incoerências que, pelo menos até hoje, deixam no ar a dúvida: qual seria a verdadeira razão de o MPRJ ter proposto e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aceito uma delação cheia de furos e contendo apenas os nomes de mais partícipes dos assassinatos, e não dos mandantes e das razões do crime que, se solucionado, escancarará os estômagos do poder político e econômico que vem sendo gestado no Rio desde a famigerada ditadura empresarial e militar implantada em 1964?

Aliás, como se vê pela atuação da PF, os “novos” operadores do crime já poderiam ter sido descobertos há muito tempo pela Polícia Civil e o próprio MPRJ, com o simples cruzamento de chamadas telefônicas do assassino profissional Ronnie Lessa e de Élcio.

É elementar, mas não foi feito – ou não se sabe se de fato foi realizado e mantido sob o véu cúmplice das conveniências no Estado das Milícias do Rio.

MAIS UM SHOW CANALHA DA GLOBO

Mas, por pior que o quadro seja, ele se deteriora ainda mais quando se percebe a dinâmica de promoção das falas de Élcio.

A prisão na segunda do sicário Maxwell (o Suel) foi transmitida ao vivo pelo indefectível Grupo Globo e seu onipresente helicóptero Globo Cop (sic) – exatamente como aconteceu, por exemplo, em 2016, quando da condução coercitiva de Lula pela mesma PF.

Globo e PF querem nos fazer acreditar que toda a logística de disponibilização, tripulação e condução de um helicóptero já estivesse concluída às 6 da manhã e que a aeronave, por mero acaso, passasse por cima da residência de Suel justo no momento em que ele era preso pelos federais.

Como dizia um personagem de Jô Soares, querem nos fazer de palhaços, mas nós nos recusamos a ser palhaços. Nós nos recusamos a continuar a engolir a decana aliança, conhecida de toda a imprensa nacional, entre a PF e a tevê dos filhos de Roberto Marinho…

Os “vazamentos” (ou distribuição dirigida?) de imagens do interrogatório de Élcio e o intrépido helicóptero da Globonews que transmitiu ao vivo a prisão do suspeito Maxwell na segunda passada somente provam que a Globo (criada em 1965) e a PF (que a partir da Constituição ditatorial de 1967 adquiriu a forma atual) continuam a operar a velha aliança que sempre garantiu à empresa dos Marinho a exclusividade de imagens que ajudam a esta Polícia a criar e sustentar hipóteses.

Mesmo que as próximas semanas (meses? anos?) tragam alguma informação nova, já foi criado um clima social de que talvez, sabe como é, tenhamos chegado onde é possível chegar e que, assim, devemos deixar os mortos enterrados e crimes supostamente sem mandante(s), idem.

 

Ø  Autoridades do Rio dificultaram acesso da PGR às investigações do caso Marielle, revela Dodge

 

A ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, contou como as autoridades do Rio de Janeiro agiram contra a federalização do caso Marielle Franco, chegando a dificultar seu acesso a documentos. As declarações foram dadas ao colunista Aguirre Talento, do Uol. 

Dois dias após os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorridos em 14 de março de 2018, a então procuradora-geral da República foi até o Rio para dar apoio ao Ministério Público do Estado na investigação.

À época, embora o crime estivesse na competência estadual, a procuradora-geral entendeu que a Procuradoria-Geral da República poderia ser necessária. No final de seu mandato, em setembro de 2019, Dodge pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a federalização da investigação, o que foi negado pela Terceira Seção do tribunal em maio de 2020.

Segundo Dodge, em meio a aproximação do prazo para deixar o cargo, a 28ª Vara Criminal do Rio, responsável pelo inquérito da Polícia Federal (PF) sobre obstrução do caso Marielle, retardou o cumprimento de decisão do STJ para que a PGR tivesse acesso aos dados da investigação. 

Segundo a coluna, a decisão do STJ foi de 29 de agosto de 2019, mas o processo só chegou à PGR em 11 de setembro, cinco dias antes do fim do mandato dela. Além disso, depois da vara fornecer códigos de rastreamento errados, Dodge afirmou que só obteve os documentos porque mandou alguém procurar dentro dos Correios. 

Vale lembrar que investigação ficou estagnada até este ano, quando a PF entrou no caso, a pedido do ministro da Justiça, Flávio Dino.

 

Fonte: Por João Batista Damasceno, no Resistência Lírica/Forum 

 

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