Sem
acesso a tratamentos, famílias indígenas enfrentam surto de sarna no Maranhão
Taynara tem apenas oito meses de idade. Há pelo
menos metade desse tempo, ela convive com pequenas erupções na pele, coceira
intensa e ferimentos constantes por todo o corpo. Fábio Timbira, pai da menina
e liderança indígena da aldeia Esperança, no Território Indígena (T.I) Geralda
Toco Preto, diz que o problema é comum às crianças das T.I.s do município de
Itaipava do Grajaú, no interior do Maranhão. “A gente só sabe que é sarna
porque algumas pessoas daqui, incluindo eu e minha filha, conseguimos ir ao
centro de Itaipava e mostrar ao médico. Acho que a essa altura todo mundo da
aldeia, criança e adulto, já esteve ou está com isso”, diz.
Altamente contagiosa, a escabiose, conhecida como
sarna humana, é um problema sério na região há pelo menos cinco meses. Fábio
Timbira diz que essa os primeiros casos foram da doença no território, que hoje
abriga 30 indígenas das etnias Timbira e Kreepyn-Katejê, foram vistos em
novembro do ano passado.
“É muito difícil de cuidar porque quando uma pessoa
melhora, outra na casa dela está doente, e aí ela pega a doença de novo. Esse é
o tipo de coisa que precisa de um tratamento coletivo, precisa ser todo mundo
ao mesmo tempo, ou não resolve”, explica Fábio Timbira. Na página do site do
Ministério da Saúde dedicada ao tema, há a recomendação de
cuidado simultâneo entre pessoas que ocupam o mesmo espaço e podem estar
expostas à doença. “Algumas das nossas crianças tiveram inclusive que raspar a
cabeça para tratar a coceira no couro cabeludo. Isso acaba com a autoestima
delas”, conta Timbira.
Trinta quilômetros separam a T.I do centro urbano,
onde os serviços de saúde e assistência são encontrados. De acordo com os
moradores da aldeia Esperança, não há um posto de saúde em funcionamento dentro
do território. É preciso vencer dificuldades de acesso numa estrada por onde a
maioria dos carros de passeio convencionais, que são poucos na região, não
consegue passar. A demanda por melhorias no acesso à cidade é uma pauta antiga.
À Agência Pública, lideranças indígenas locais enviaram cópia dos e-mails
à secretaria de Direitos Humanos do estado do Maranhão nos quais pedem,
reiteradamente, ações que facilitem o acesso a serviços de saúde.
O problema foi levado ao Ministério Público Federal,
em abril deste ano, numa reunião onde foram discutidos também outros temas,
como abastecimento de água e energia. De acordo com as lideranças que participaram
do encontro, uma ação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) ocorreu
duas semanas depois no território, mas os moradores avaliam ter sido um esforço
frustrado pela falta de logística.
“Para nós não
deu certo. Entregaram umas pomadas, ficaram pouco tempo, não explicaram nada
sobre como prevenir, pareciam que estavam com pressa. Não deu tempo de avisar
as outras aldeias, nós corremos, tentamos ligar para o pessoal vir pra cá
correndo, mas não deu tempo. Ou seja, não adiantou de nada”, diz Gelson
Guajajara, liderança da aldeia Araruna, a 40 quilômetros da Esperança, na
T.I. Urucu-Juruá, onde vivem 85 pessoas da etnia Guajajara. Por lá também há um
surto de sarna humana. Gelson Guajajara diz que o atendimento beneficiou apenas
os poucos indígenas, que estavam no momento da ação da Sesai e a reinfecção da
doença logo voltou a ocorrer.
A partir das orientações encontradas no posto de
saúde da cidade, Fábio Timbira diz ter comprado pomadas e sabonetes para o
tratamento. Mas, como não há distribuição gratuita desses itens, nem todas as
famílias conseguiram acesso. “Imagino que, somando todos nós, já foi mais de
mil reais em pomadas. Tudo do nosso bolso”, lamenta.
Questionada sobre a ação, a Sesai (Secretaria
Especial de Saúde Indígena), vinculada ao Ministério da Saúde, informou apenas
que “foram realizados procedimentos como aferição de pressão arterial, teste
rápido de glicemia capilar, antropometria, dispensação de medicação,
acolhimento e escuta qualificada. Os especialistas da pasta atenderam indígenas
gestantes, hipertensos e com queixas dermatológicas”.
Apesar de questionada, a secretaria não informou o
número total de indígenas atendidos na ação realizada nos territórios. A Sesai
também não informou à reportagem se pretende realizar novas ações de
atendimento.
Em nota, a Sesai confirmou ter recebido queixas
sobre o surto de escabiose, mas discorda tratar-se de um surto.
>>> Veja a nota da Sesai na ìntegra:
“A Secretaria de Saúde Indígena esclarece que, desde
que foi informada do suposto surto de escabiose, tem mantido uma equipe no
território e que, após a realização de testes e exames, foram constatados 03
casos da doença. A Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI), composta
por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e outros trabalhadores da
saúde, continua realizando atendimentos que contemplam visitas domiciliares,
Educação em Saúde, Atendimentos Odontológicos, imunização, Puericultura,
Pré-natal, Hiperdia, Saúde da Criança, Saúde do Idoso, Saúde da Mulher (PCCU),
Hanseníase, Tuberculose e outras demandas em 21 aldeias da região”.
Fonte: Por Nathallia Fonseca
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