quinta-feira, 1 de junho de 2023

Se Brasil não liderar região, China e EUA o farão, diz analista sobre Cúpula da América do Sul

Brasil tenta retomar liderança regional e obter ganhos econômicos com cúpula de líderes em Brasília. Para analista ouvida pela Sputnik Brasil, recepção de presidentes sul-americanos já é uma vitória diplomática para Lula, que acerta ao reatar com Maduro.

Nesta terça-feira (30), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu chefes de Estado e governo sul-americanos para reuniões conjuntas em Brasília. O encontro teve como objetivo relançar projetos de integração regional e resgatar a liderança brasileira no espaço sul-americano.

De acordo com o presidente brasileiro, a retomada de projetos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) são essenciais para "o fortalecimento da unidade da América Latina e do Caribe". "Uma América do Sul forte, confiante e politicamente organizada amplia as possibilidades de afirmar, no plano internacional, uma verdadeira identidade latino-americana e caribenha", disse Lula durante discurso de abertura dos trabalhos.

Em seu discurso, Lula defendeu o legado da Unasul e lamentou a queda na coordenação regional em assuntos como saúde, infraestrutura e defesa.

"Por mais de dez anos, a Unasul permitiu que nos conhecêssemos melhor", lembrou Lula. "A Unasul foi efetiva como foro de solução de controvérsias entre países da região, notadamente na crise entre Colômbia e Equador e no conflito separatista boliviano."

Apesar do apoio entusiasmado do presidente, o Itamaraty não atingiu o seu objetivo de anunciar a retomada dos trabalhos da Unasul já no início da cúpula. O alto grau de institucionalização e custos associados ao projeto dividem os líderes regionais, conforme reportou a Folha de São Paulo.

Ciente do impasse, Lula afirmou que a reunião de líderes deveria tomar decisões concretas para que, em 120 dias, um plano de ação para a retomada da integração seja adotado.

"Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração deve ser objetivo permanente de todos nós. Precisamos deixar raízes fortes para as próximas gerações. Permitir que as divergências se imponham teria um custo elevado, além de desperdiçar o muito que já construímos conjuntamente", declarou o presidente.

Apesar do adiamento da retomada da Unasul, a coordenadora do Observatório do Regionalismo e professora de relações internacionais da UNIFESP, Regiane Nitsch Bressan, acredita que o encontro de líderes da América do Sul em Brasília já representa uma vitória diplomática para o governo.

"Acredito que a vinda dos líderes é um aceno muito positivo de que a região estava ansiando por esse tipo de iniciativa", disse Bressan à Sputnik Brasil. "Mas não vamos esquecer que temos um grupo de líderes ideologicamente favoráveis à integração."

Os encontros em Brasília contaram com a presença dos presidentes de Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai e Venezuela. Somente a presidente do Peru, Dina Baluarte, que não compareceu por questões legais, decidiu pelo envio de representante.

O interesse brasileiro em retomar a sua liderança atende aos objetivos gerais da política externa lulista, mas também busca fortalecer a posição do Brasil no comércio internacional.

"O Brasil quer retomar a liderança, mas precisamos também resolver os problemas econômicos comerciais de maneira pragmática", ressaltou Bressan. "A América do Sul é o principal consumidor dos nossos produtos manufaturados, precisamos nos atentar a isso. Precisamos semear não só o protagonismo político, mas também ganhos comerciais e econômicos."

No entanto, os resultados das reuniões de chefes de Estado e governo deixarão claro se a liderança brasileira será bem recebida pelos demais países da região.

"A região espera o protagonismo de algum país. E quando o Brasil desocupa esse espaço, alguém o ocupa", considerou Bressan.

Além da presença permanente dos EUA, a especialista nota para o aumento da influência chinesa na região durante os anos nos quais o Brasil se absteve de sua liderança regional.

"Por outro lado, o Brasil tem a possibilidade de ir à China, ao Japão e ter acesso aos grupos de poder internacionais. Então os vizinhos têm o interesse de pegar carona nesse acesso brasileiro", considerou Bressan.

A analista lembra que os países da região anseiam por cooperação internacional para suplantar dificuldades econômicas e os efeitos persistentes da pandemia de COVID-19. Nesse sentido, Lula aventou durante a reunião de líderes a possibilidade de mobilizar bancos regionais como o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para suprir a demanda por crédito na região.

•        O elefante venezuelano na sala

O sucesso diplomático obtido pelo Palácio do Planalto foi parcialmente ofuscado por críticas contundentes de membros do Poder Legislativo à recepção do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, em solo brasileiro.

O deputado Paulo Barbosa (PSDB/SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara afirmou em entrevista à GloboNews que fará uma nota de repúdio à atual posição brasileira em relação ao regime político da Venezuela.

Para Regiane Nitsch Bressan, no entanto, o Brasil acerta ao retomar diálogos de alto nível com o seu vizinho amazônico.

"É essencial que retomemos as relações com a Venezuela para que possamos tratar dos problemas comuns a ambos os países", disse Bressan. "Temos problemas sérios nas áreas migratória, sanitária, meio ambiente, comunidades indígenas, narcotráfico e comércio. Retomar as relações é uma forma de negociar soluções para esses problemas."

A especialista ainda se lembrou das consequências nefastas que embargos econômicos têm sobre as populações locais, o que não contribui para a resolução de crises políticas complexas, como a venezuelana.

"Nesse sentido, a retomada da Unasul seria de grande valia para debater a Venezuela, e também para ser um fórum de diálogo e antecipação das informações sobre países vizinhos", explicou a professora. "A Unasul brinda esses desejos e possibilidades."

Nesta terça-feira (30), o presidente brasileiro recebeu 11 líderes sul-americanos para reunião coletiva no Palácio do Itamaraty, seguida de um jantar na residência oficial de Lula no Palácio da Alvorada. Esse é o primeiro encontro de chefes de Estado e governo realizado em mais de oito anos na esfera regional.

 

       'América do Sul volta a se reunir após a destruição de sua unidade'

 

O encontro de presidentes da América do Sul, realizado em 30 de maio em Brasília, marcou o retorno do governante venezuelano, Nicolás Maduro, aos fóruns regionais, depois de anos de isolamento, em um encontro em que os líderes concordaram em aprender com os erros do passado e em avançar na sua integração.

Embora tenha havido divergências de opinião em torno do governo venezuelano sobre questões como a migração e os diretos humanos, a cúpula concordou que é necessário formar um bloco regional para enfrentar os desafios políticos e econômicos de um mundo onde os papéis de poder estão mudando.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que decidiu reintegrar seu país à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), resumiu o encontro de alto nível da seguinte forma: "A América do Sul voltou a se reunir depois que destruíram sua unidade. Presidentes de várias faces ideológicas recomeçam um processo de integração."

No marco da cúpula, Maduro manteve reuniões bilaterais com o presidente anfitrião, Luiz Inácio Lula da Silva, e com seus homólogos da Colômbia, Gustavo Petro, da Bolívia, Luis Arce, e da Argentina, Alberto Fernández.

"É uma extraordinária oportunidade para o reencontro", disse o governante venezuelano em sua participação na cúpula, onde fez um chamado a pôr de lado a "ideologização extrema" para avançar na união regional.

"Os povos e os países sul-americanos não podem ficar para trás nesta etapa de nascimento da nova geopolítica mundial. A ideologização extrema das relações entre os nossos países e governos prejudicou-o bastante. Vamos colocá-la de lado, vamos ao reencontro e à integração verdadeira da América do Sul", disse Maduro em seu discurso perante os presidentes e chanceleres dos 12 países convocados por Lula.

Maduro destacou que está nascendo uma nova ordem multipolar no mundo, onde o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica é definitivo e onde estão surgindo novas lideranças como o BRICS, grupo comercial integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e ao qual desejam aderir outras nações, como a Argentina, a Venezuela e a Arábia Saudita.

"Surgiu um movimento muito importante, o BRICS, muito poderoso que se converte na ponta da lança, a vanguarda dos processos de mudança da geopolítica mundial [...] parece se tornar o ímã, o grupo emergente mais poderoso que com boa esperança aponta para uma mudança na geopolítica mundial", disse o presidente da Venezuela.

"Onde vai ficar a América do Sul? Vamos ficar para trás", advertiu o dirigente venezuelano.

•        Controvérsia e questionamentos

No marco da cúpula, os presidentes do Chile, Gabriel Boric, e do Uruguai, Luis Lacalle, questionaram as declarações do presidente Lula no sentido de que Maduro havia sido vítima de uma narrativa negativa de Washington.

"Não se pode esconder debaixo do tapete ou fechar os olhos a princípios importantes. Respeitosamente, não concordo com o que Lula disse ontem. Não é uma narrativa, é uma realidade, é grave e tive a oportunidade de vê-la nos olhos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que vivem em nossa pátria e que exigem uma posição firme e clara", assinalou Boric em diálogo com a imprensa.

Lacalle Pou, por sua vez, ficou surpreso com as declarações de Lula.

"Fiquei surpreso quando disse que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Você sabe o que pensamos da Venezuela e do governo da Venezuela", reagiu o uruguaio.

"Se há tantos grupos no mundo a tentar mediar o regresso da democracia plena à Venezuela, para que haja respeito pelos direitos humanos, para que não haja presos políticos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com um dedo. Vamos dar-lhe um nome e ajudar."

•        'Ninguém é obrigado a concordar com ninguém'

Em uma entrevista coletiva após o encontro, Lula reiterou que Maduro e Hugo Chávez foram vítimas de narrativas negativas nas quais eram apresentados como "demônios" a fim de destruir seus projetos governamentais.

"Maduro é um presidente que faz parte do nosso continente, desse pedaço de continente americano. Ele foi convidado [para a cúpula] e houve muito respeito com a participação do Maduro, inclusive com os companheiros que fizeram as críticas, que fizeram as críticas no limite da democracia. Ninguém é obrigado a concordar com ninguém. É assim que a gente vai fazendo", comentou o presidente brasileiro.

"Foi assim que aconteceu com o Chávez e foi assim que aconteceu comigo. Venderam uma mentira e depois ninguém conseguiu provar. O que eu disse para o Maduro é que existe uma narrativa no mundo de que a Venezuela não tem democracia, que ele cometeu erros. É obrigação dele construir uma narrativa com fatos verdadeiros", apontou.

Lula prosseguiu afirmando que disse a Maduro que ele deve preparar um documento com a assinatura de partidos de oposição, de lideranças parlamentares e de governadores venezuelanos atestando a democracia no país para apresentar ao mundo.

"A mesma exigência que o mundo faz para a Venezuela, não faz para a Arábia Saudita. É muito estranho. Eu quero que a Venezuela seja respeitada. Quero isso para o Brasil e o mundo inteiro", disse também.

Segundo Maduro, a Venezuela deixou de receber, desde 2015, 3,995 bilhões de barris de petróleo, além de 232 bilhões de dólares. De igual modo, denunciou que nos últimos oito anos "o imperialismo e seus aliados" tiraram de seu país 400 milhões de dólares por dia.

"Foram sequestrados mais de sete bilhões de dólares em contas europeias e americanas, fomos roubados por empresas como a Citgo, filial da PDVSA [Petróleos da Venezuela] nos Estados Unidos e dinheiro que é do povo venezuelano para a saúde, a habitação e o desenvolvimento", acusou o chanceler venezuelano, Yván Gil, durante a XXVIII Cúpula Ibero-Americana de chefes de Estado e de governo, em março passado.

•        As conclusões

O encontro de presidentes da América do Sul publicou, no final, o Consenso de Brasília, onde os presidentes concordaram que a América do Sul "constitui uma região [...] comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e a não ingerência nos assuntos internos".

"[Os líderes] reafirmaram a visão comum de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no respeito pela diversidade dos nossos povos, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de Direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e a não ingerência nos assuntos internos", lê-se no comunicado final.

Comprometeram-se também a trabalhar para o aumento do comércio e dos investimentos entre os países da região e reconheceram a importância de manter o diálogo regular, com vista a impulsionar o processo de integração.

Decidiram criar um grupo de contato, liderado pelos chanceleres, para a avaliação das experiências dos mecanismos sul-americanos de integração e a elaboração de um roteiro para a integração.

 

       UE e Estados Unidos combaterão 'desinformação russa' na América Latina e África

 

A União Europeia (UE) e os EUA concordaram em aprofundar a cooperação no combate à desinformação, à manipulação de informações e à interferência em assuntos de países terceiros, querendo concentrar esforços principalmente na África e na América Latina.

Isso vem da declaração conjunta divulgada após a reunião regular do Conselho de Comércio e Tecnologia UE-EUA na Suécia.

"A União Europeia e os Estados Unidos estão profundamente preocupados com a manipulação de informações e interferência estrangeiras [MIIE] e a desinformação", diz a declaração.

O documento acusa a Rússia e a China de "uso estratégico e coordenado de tais atividades " e "narrativas de desinformação" sobre o conflito na Ucrânia.

"A amplificação pela República Popular da China das narrativas de desinformação russas sobre a guerra [na Ucrânia] são exemplos claros dos perigos da MIIE, e os efeitos podem ser vistos em muitos países do mundo, principalmente na África e na América Latina", acrescenta.

O conselho também solicitou que as plataformas on-line que operam na África, na América Latina e nos países vizinhos da UE garantam uma "resposta eficaz à desinformação e à manipulação de informações e interferência estrangeiras".

A declaração afirma também que a UE e os EUA continuarão a coordenar esforços na estrutura do conselho para implementar restrições de exportação impostas anteriormente como parte das sanções ocidentais contra a Rússia e fortalecerão a cooperação com países terceiros para combater a evasão a essas restrições.

A UE e os Estados Unidos estabeleceram o Conselho de Comércio e Tecnologia em 2021, servindo como um fórum para a coordenação da cooperação e das políticas das partes em questões-chave no desenvolvimento do comércio e da tecnologia.

O conselho tem dez grupos de trabalho sobre padrões de tecnologia, inteligência artificial, semicondutores, controles de exportação e questões de comércio global.

A próxima reunião do conselho será organizada pelos EUA e está programada para o final de 2023.

 

       Rússia: desejo da Venezuela de aderir ao BRICS mostra o crescente prestígio da organização

 

A Rússia aprecia muito a declaração do presidente venezuelano Nicolás Maduro sobre o desejo do país de se juntar ao BRICS, o que mostra o crescente prestígio da organização, disse à Sputnik o diretor do Departamento da América Latina do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Aleksandr Schetinin.

"A declaração de Maduro reflete àquele crescente prestígio que o BRICS está adquirindo no atual ambiente internacional através de sua visão sobre os acontecimentos, suas avaliações e seu modelo de cooperação em uma base de igual para igual sem sanções e pressão", disse o diplomata russo, comentando a declaração de Maduro sobre o desejo da Venezuela de se tornar parte do BRICS, grupo econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Atualmente, disse Schetinin, os países do BRICS estão discutindo os critérios e modalidades de expansão dessa organização.

"Quando os acordos relevantes forem aprovados, serão discutidas candidaturas específicas que indicarem ou tenham indicado seu desejo de aderir ao BRICS. Como entendemos, o presidente da Venezuela ressaltou que ele também está na lista de candidatos. Nós apreciamos muito isso", acrescentou Schetinin.

Anteriormente, o presidente venezuelano Nicolás Maduro disse que o seu país gostaria de fazer parte do BRICS, uma vez que essa organização está moldando uma nova ordem mundial. Por sua vez, o presidente brasileiro Lula da Silva disse que olhava favoravelmente para essa possibilidade.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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