quinta-feira, 1 de junho de 2023

PL do marco temporal vai muito além da demarcação de terras indígenas

A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça (30), por 283 votos a 155, o PL 490/2007 – projeto que não se resume ao marco temporal para a demarcação de terras, mas coloca em risco a vida e a existência de povos indígenas.

A parte mais conhecida do que vem sendo chamado de PL do Genocídio, menina dos olhos da bancada ruralista, é a que afirma que somente terras ocupadas por indígenas na promulgação da Constituição Federal, ou seja, em 5 de outubro de 1988, podem ser reivindicadas para a demarcação.

Uma brincadeira de mau gosto, uma vez que muitos povos estavam expulsos de seus locais de origem naquele momento.

Mas se o PL parasse por aí seria apenas péssimo, mas ele vai muito mais fundo em medidas para desagregar comunidades e colocar vidas em risco.

O projeto:

— Permite contato com indígenas isolados, ou seja, que não têm interação sistemática com o restante da sociedade, para “intermediar ação estatal de utilidade pública”. O que cabe nisso?

Muita coisa, dado que o termo é amplo. E o contato pode ser feito por “entidades particulares, nacionais ou internacionais”. Por exemplo, missões religiosas.

Para além da imoralidade disso, há o risco de doenças para as quais o seu sistema imunológico não está preparado como o nosso.

— Proíbe a ampliação de terras já demarcadas, evitando corrigir erros ou sacanagens do passado cometidos por pressão do poder econômico. E aponta que os processos em andamento terão que se adequar à nova lei, o que deve impedir demarcações em curso.

— Prevê a retomada de territórios indígenas caso ocorra “alteração dos traços culturais da comunidade”.

Se o governante de plantão achar que uma comunidade indígena deixou de parecer suficientemente indígena, ele pode pedir a terra de volta.

Isso vai ao encontro do preconceito de que povos tradicionais têm que seguir um estereótipo, criando o “sommelier de indígena”.

— Permite que, no caso de terras indígenas superpostas a unidades de conservação ambiental, a gestão fique com o órgão federal gestor da área protegida.

Considerando que as áreas indígenas ostentam taxas mais altas de preservação pois os próprios moradores combatem a ação criminosa de madeireiros e garimpeiros, imagine o que vai acontecer…

— Prevê dispensa de consulta prévia dos indígenas para instalar bases militares, implementar rodovias, ferrovias e hidrovias, construir hidrelétricas, “proteger” riquezas consideradas estratégicas.

Isso bate de frente com os tratados internacionais que o Brasil assinou, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

— Facilita a contestação da demarcação de novos territórios indígenas – o que, na prática, pode colocar o processo sob uma avalanche de recursos, impedindo a sua finalização.

— Permite a celebração de contratos para a cooperação de indígenas e não-indígenas para agricultura e pecuária em suas terras.

Os povos tradicionais já podem hoje produzir em suas terras, mas o PL vai permitir, na prática, o controle da atividade econômica por terceiros.

Autoriza também o cultivo de transgênicos em territórios indígenas, o que hoje é proibido. Isso pode levar à contaminação de sementes e espécies nativas usadas pelos povos tradicionais, matando a biodiversidade e o patrimônio genético dos indígenas.

— Facilita que o poder público instale rodovias, ferrovias, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia elétrica em terras indígenas mesmo sem a concordância dos povos que vivem lá.

Vale lembrar que grandes atrocidades foram cometidas durante a ditadura militar em obras, como a abertura da rodovia BR-174, que liga Manaus a Boa Vista.

Aqui vale se debruçar um pouco e falar do passado.

LegRelatos colhidos de sobreviventes em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contam que helicópteros sobrevoaram as aldeias Waimiri-Atroari, derramando veneno e detonando explosivos sobre centenas de indígenas reunidos.

Depois, ataques a tiros, esfaqueamentos e degolas violentas praticadas por homens brancos fardados contra adultos e crianças sobreviventes. Tratores passaram, na sequência, destruindo tudo.

As obras da BR-174 também levaram doenças para a população. Muitos morreram sem apoio e a rodovia se tornou vetor de ocupação do estado de Roraima e orgulho da ditadura.

O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma, com base em dados oficiais, que houve uma redução de 3 mil, nos anos 1970, para 332 indígenas nos 1980.

O PL 490/2007 só não permitiu o garimpo e a mineração nos territórios indígenas por não indígenas graças a uma emenda da deputada Duda Salabert (PDT-MG).

Se esse item fosse aprovado seria, aliás, uma piada sombria, uma vez que estamos vivendo uma tragédia yanomami, com 570 crianças com menos de cinco anos de idade mortas durante o governo Bolsonaro devido às doenças, fome e violência causadas pela presença do garimpo no local.

“A proposta, se aprovada, ressoará como uma ‘pá de cal’ aos acordos internacionais e investimentos que o Brasil pretende obter. Além disso, poderá aumentar o desmatamento, as invasões de terras, ante a expectativa de anulação dos processos de demarcação e incitar mais violência contra os povos indígenas”, aponta nota técnica divulgada após a aprovação do PL pelo Instituto Socioambiental (ISA)

Se não for derrubado pelo Senado Federal ou declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, vamos legalizar o genocídio.

 

Ø  Ruralistas comemoram com festa e cantoria aprovação do marco temporal

 

Deputados ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) comemoram na noite de ontem, numa festa com cantoria, a aprovação do marco temporal da demarcação de terras indígenas.

A celebração ocorreu na mansão alugada pela bancada ruralista, outro nome da FPA, no Lago Sul, região nobre de Brasília.

O convite foi enviado aos deputados do grupo pelo presidente da frente, Pedro Lupion (PP-PR), na véspera. Chamava para um “happy hour” da FPA.

E o motivo era para “celebramos todos os avanços que fizemos no setor agro brasileiro”, constava no convite. O happy hour virou uma celebração da aprovação do marco temporal, definido pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, como um “genocídio legislativo”, que irá facilitar o garimpo nas terras indígenas, além de dificultar a demarcação de terras.

Na festa, teve até deputado cantando, caso do Coronel Ulysses (União-AC), que assumiu o microfone e cantou “Vida vazia”, da dupla Bruno e Marrone, acompanhado por uma banda. Todos acompanhavam e cantarolavam com entusiasmo.

O deputado Fábio Garcia (União-MT) estava presente também.

Uma liderança ruralista, o ex-deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) também estava na celebração. Hoje ele preside o Instituto Pensar Agro, que reúne entidades ligadas ao agropecuário e atua no Congresso pela aprovação das pautas de interesse do setor.

Durante a votação, Leitão estava no plenário e, logo que o resultado foi conhecido (285 a favor e 155 contra), ele fez ligações anunciando o resultado.

Todos os deputados citados votaram “sim”, a favor do marco temporal das terras indígenas.

·         “Não era festa do marco temporal”, diz deputado

Pedro Lupion disse ao blog que não se tratou de uma comemoração específica da aprovação do marco temporal, mas que se tratou de um happy hour que ocorre com frequência, já marcado há bastante tempo.

Disse o parlamentar que poucos deputados compareceram, três ou quatro, e que se tratou de uma comemoração com assessorias.

“Não se tratava especificamente do marco temporal” – disse Lupion.

 

Ø  Lira pressiona por pastas para o PP enquanto acena com risco de não votar MP dos ministérios

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem pressionado o governo em busca de espaço para seu partido na composição ministerial, utilizando-se dos últimos momentos de validade da medida provisória da reestruturação do Executivo, afirmaram duas fontes que acompanham de perto a articulação.

Enquanto critica abertamente a articulação do governo e externa uma "insatisfação generalizada" de deputados com o Executivo, nos bastidores, a percepção é que Lira busca espaço nos ministérios para o PP e o PR, informou uma fonte do Palácio do Planalto.

Uma segunda fonte, ligada ao presidente da Câmara, disse à Reuters que o PP poderia entregar metade dos votos da bancada caso a sigla fosse contemplada com um ministério.

O presidente da Câmara nega, no entanto, que tenha feito qualquer pedido nesse sentido ao governo.

"Tem um site aqui de Brasília que noticiou que o deputado Arthur pediu o Ministério da Saúde, os ministérios do União (Brasil). Isso é uma inverdade", disse.

"Não há achaque, não há pedidos, não há novas ações."

O União Brasil comanda, atualmente, três ministérios. Mesmo assim, entregou menos votos do que o PP e o Republicanos na votação de pedido de urgência para o projeto do novo arcabouço fiscal na Câmara.

Lira lidera grande parte dos deputados e tem demonstrado sua força política em reveses recentes para o governo na Casa, seja pela aprovação na véspera de projeto que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, seja por deixar a votação da MP dos ministérios para os últimos instantes possíveis antes que se encerre o prazo de 120 dias da medida.

Ela precisa ser analisada pelas duas Casas do Congresso até a quinta-feira ou perde a validade.

No início da noite, ao chegar na Câmara, Lira colocou a votação da MP em dúvida, acrescentando que eventual resultado negativo é de total responsabilidade do governo.

A MP cria uma série de ministérios e redistribui competências entre as pastas.

 

Fonte: Por Leonardo Sakamoto, no UOL/Metrópoles/Reuters

 

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