PL
do marco temporal vai muito além da demarcação de terras indígenas
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça
(30), por 283 votos a 155, o PL 490/2007 – projeto que não se resume ao marco
temporal para a demarcação de terras, mas coloca em risco a vida e a existência
de povos indígenas.
A parte mais conhecida do que vem sendo chamado de
PL do Genocídio, menina dos olhos da bancada ruralista, é a que afirma que
somente terras ocupadas por indígenas na promulgação da Constituição Federal,
ou seja, em 5 de outubro de 1988, podem ser reivindicadas para a demarcação.
Uma brincadeira de mau gosto, uma vez que muitos
povos estavam expulsos de seus locais de origem naquele momento.
Mas se o PL parasse por aí seria apenas péssimo, mas
ele vai muito mais fundo em medidas para desagregar comunidades e colocar vidas
em risco.
O projeto:
— Permite contato com indígenas isolados, ou seja,
que não têm interação sistemática com o restante da sociedade, para
“intermediar ação estatal de utilidade pública”. O que cabe nisso?
Muita coisa, dado que o termo é amplo. E o contato
pode ser feito por “entidades particulares, nacionais ou internacionais”. Por
exemplo, missões religiosas.
Para além da imoralidade disso, há o risco de
doenças para as quais o seu sistema imunológico não está preparado como o
nosso.
— Proíbe a ampliação de terras já demarcadas,
evitando corrigir erros ou sacanagens do passado cometidos por pressão do poder
econômico. E aponta que os processos em andamento terão que se adequar à nova
lei, o que deve impedir demarcações em curso.
— Prevê a retomada de territórios indígenas caso
ocorra “alteração dos traços culturais da comunidade”.
Se o governante de plantão achar que uma comunidade
indígena deixou de parecer suficientemente indígena, ele pode pedir a terra de
volta.
Isso vai ao encontro do preconceito de que povos
tradicionais têm que seguir um estereótipo, criando o “sommelier de indígena”.
— Permite que, no caso de terras indígenas
superpostas a unidades de conservação ambiental, a gestão fique com o órgão
federal gestor da área protegida.
Considerando que as áreas indígenas ostentam taxas
mais altas de preservação pois os próprios moradores combatem a ação criminosa
de madeireiros e garimpeiros, imagine o que vai acontecer…
— Prevê dispensa de consulta prévia dos indígenas
para instalar bases militares, implementar rodovias, ferrovias e hidrovias,
construir hidrelétricas, “proteger” riquezas consideradas estratégicas.
Isso bate de frente com os tratados internacionais
que o Brasil assinou, como a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho.
— Facilita a contestação da demarcação de novos
territórios indígenas – o que, na prática, pode colocar o processo sob uma
avalanche de recursos, impedindo a sua finalização.
— Permite a celebração de contratos para a
cooperação de indígenas e não-indígenas para agricultura e pecuária em suas
terras.
Os povos tradicionais já podem hoje produzir em suas
terras, mas o PL vai permitir, na prática, o controle da atividade econômica
por terceiros.
Autoriza também o cultivo de transgênicos em
territórios indígenas, o que hoje é proibido. Isso pode levar à contaminação de
sementes e espécies nativas usadas pelos povos tradicionais, matando a
biodiversidade e o patrimônio genético dos indígenas.
— Facilita que o poder público instale rodovias,
ferrovias, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia elétrica em
terras indígenas mesmo sem a concordância dos povos que vivem lá.
Vale lembrar que grandes atrocidades foram cometidas
durante a ditadura militar em obras, como a abertura da rodovia BR-174, que
liga Manaus a Boa Vista.
Aqui vale se debruçar um pouco e falar do passado.
LegRelatos colhidos de sobreviventes em uma ação
civil pública movida pelo Ministério Público Federal contam que helicópteros
sobrevoaram as aldeias Waimiri-Atroari, derramando veneno e detonando
explosivos sobre centenas de indígenas reunidos.
Depois, ataques a tiros, esfaqueamentos e degolas
violentas praticadas por homens brancos fardados contra adultos e crianças
sobreviventes. Tratores passaram, na sequência, destruindo tudo.
As obras da BR-174 também levaram doenças para a
população. Muitos morreram sem apoio e a rodovia se tornou vetor de ocupação do
estado de Roraima e orgulho da ditadura.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma,
com base em dados oficiais, que houve uma redução de 3 mil, nos anos 1970, para
332 indígenas nos 1980.
O PL 490/2007 só não permitiu o garimpo e a
mineração nos territórios indígenas por não indígenas graças a uma emenda da
deputada Duda Salabert (PDT-MG).
Se esse item fosse aprovado seria, aliás, uma piada
sombria, uma vez que estamos vivendo uma tragédia yanomami, com 570 crianças
com menos de cinco anos de idade mortas durante o governo Bolsonaro devido às
doenças, fome e violência causadas pela presença do garimpo no local.
“A proposta, se aprovada, ressoará como uma ‘pá de
cal’ aos acordos internacionais e investimentos que o Brasil pretende obter.
Além disso, poderá aumentar o desmatamento, as invasões de terras, ante a
expectativa de anulação dos processos de demarcação e incitar mais violência
contra os povos indígenas”, aponta nota técnica divulgada após a aprovação do
PL pelo Instituto Socioambiental (ISA)
Se não for derrubado pelo Senado Federal ou
declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, vamos legalizar o
genocídio.
Ø Ruralistas comemoram com festa e cantoria aprovação do marco temporal
Deputados ligados à Frente Parlamentar da
Agropecuária (FPA) comemoram na noite de ontem, numa festa com cantoria, a aprovação do marco temporal da demarcação de terras indígenas.
A celebração ocorreu na mansão alugada pela bancada
ruralista, outro nome da FPA, no Lago Sul, região nobre de Brasília.
O convite foi enviado aos deputados do grupo pelo
presidente da frente, Pedro Lupion (PP-PR), na véspera. Chamava para um “happy
hour” da FPA.
E o motivo era para “celebramos todos os avanços que
fizemos no setor agro brasileiro”, constava no convite. O happy hour virou uma
celebração da aprovação do marco temporal, definido pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, como um
“genocídio legislativo”, que irá facilitar o garimpo nas terras indígenas, além
de dificultar a demarcação de terras.
Na festa, teve até deputado cantando, caso do
Coronel Ulysses (União-AC), que assumiu o microfone e cantou “Vida vazia”, da
dupla Bruno e Marrone, acompanhado por uma banda. Todos acompanhavam e
cantarolavam com entusiasmo.
O deputado Fábio Garcia (União-MT) estava presente
também.
Uma liderança ruralista, o ex-deputado Nilson Leitão
(PSDB-MT) também estava na celebração. Hoje ele preside o Instituto Pensar
Agro, que reúne entidades ligadas ao agropecuário e atua no Congresso pela
aprovação das pautas de interesse do setor.
Durante a votação, Leitão estava no plenário e, logo
que o resultado foi conhecido (285 a favor e 155 contra), ele fez ligações
anunciando o resultado.
Todos os deputados citados votaram “sim”, a favor do
marco temporal das terras indígenas.
·
“Não era festa do marco temporal”, diz deputado
Pedro Lupion disse ao blog que não se tratou de uma
comemoração específica da aprovação do marco temporal, mas que se tratou de um
happy hour que ocorre com frequência, já marcado há bastante tempo.
Disse o parlamentar que poucos deputados compareceram,
três ou quatro, e que se tratou de uma comemoração com assessorias.
“Não se tratava especificamente do marco temporal” –
disse Lupion.
Ø Lira pressiona por pastas para o PP enquanto acena com risco de não votar
MP dos ministérios
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), tem pressionado o governo em busca de espaço para seu partido na
composição ministerial, utilizando-se dos últimos momentos de validade da
medida provisória da reestruturação do Executivo, afirmaram duas fontes que
acompanham de perto a articulação.
Enquanto critica abertamente a articulação do
governo e externa uma "insatisfação generalizada" de deputados com o
Executivo, nos bastidores, a percepção é que Lira busca espaço nos ministérios
para o PP e o PR, informou uma fonte do Palácio do Planalto.
Uma segunda fonte, ligada ao presidente da Câmara,
disse à Reuters que o PP poderia entregar metade dos votos da bancada caso a
sigla fosse contemplada com um ministério.
O presidente da Câmara nega, no entanto, que tenha
feito qualquer pedido nesse sentido ao governo.
"Tem um site aqui de Brasília que noticiou que
o deputado Arthur pediu o Ministério da Saúde, os ministérios do União
(Brasil). Isso é uma inverdade", disse.
"Não há achaque, não há pedidos, não há novas
ações."
O União Brasil comanda, atualmente, três
ministérios. Mesmo assim, entregou menos votos do que o PP e o Republicanos na
votação de pedido de urgência para o projeto do novo arcabouço fiscal na
Câmara.
Lira lidera grande parte dos deputados e tem demonstrado
sua força política em reveses recentes para o governo na Casa, seja pela
aprovação na véspera de projeto que estabelece um marco temporal para a
demarcação de terras indígenas, seja por deixar a votação da MP dos ministérios
para os últimos instantes possíveis antes que se encerre o prazo de 120 dias da
medida.
Ela precisa ser analisada pelas duas Casas do
Congresso até a quinta-feira ou perde a validade.
No início da noite, ao chegar na Câmara, Lira
colocou a votação da MP em dúvida, acrescentando que eventual resultado
negativo é de total responsabilidade do governo.
A MP cria uma série de ministérios e redistribui
competências entre as pastas.
Fonte: Por Leonardo Sakamoto, no UOL/Metrópoles/Reuters
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