segunda-feira, 29 de maio de 2023

Viagens do presidente Lula deixam vazio político no Brasil

Quem usa bicicletas elétricas sabe que umas pedaladas ajudam a movimentar o engenho e a carregar mais as baterias, que vão se realimentando ao longo do percurso. Nos veículos de quatro rodas, mais evoluídos no processo de redução da carburação, há os modelos híbridos flex, movidos a baterias elétricas que podem ser acionadas por motores à combustão, com capacidade de queimar tanto o etanol quanto a gasolina. Uma inovação que permite ser movido por três diferentes fontes de energia, reduzindo a emissão de gases que intensificam o efeito estufa nas grandes cidades. No Japão e na Europa (2035), já há datas marcadas para o fim da circulação dos veículos com motor movimentado por combustíveis fosseis. O hidrogênio verde (gerado sem qualquer interferência de combustíveis fósseis no processo) e as baterias elétricas irão prevalecer. Isso exigirá um novo perfil industrial, com acentuada valorização de determinados minerais, como o lítio, usado nas baterias e eficiente planejamento na produção de energia elétrica que não dependa do petróleo. O Brasil, que dispõe de uma matriz energética majoritariamente sustentável (energia hídrica, solar e eólica), está bem estruturado para cumprir os compromissos necessários às metas climáticas.

Mas estamos atrasados, pelo retrocesso de quatro anos no governo Bolsonaro. Em vez de proteger o meio ambiente, o finado governo abriu a “porteira para a boiada passar” no desmatamento da Amazônia, do Cerrado e da Mata Atlântica. Na invasão pelo garimpo ilegal nas reservas indígenas. E na demora para adotar medidas de transição no campo energético e nas transformações do processo industrial. A pandemia da Covid-19, negligenciada na sua dimensão pelo governo, não pode servir de desculpa para a inação da administração passada. Fazia parte do negacionismo negar também as mudanças climáticas. Numa visão tosca, o governo acreditava que só o agronegócio era importante, e deixou a indústria definhando ao léu. Pagamos preço muito alto, sobretudo pela ausência de política industrial lincada à transição energética. A transição virou realidade na indústria automobilística, com a confirmação de que um carro elétrico (o modelo Y, da Tesla, de Elon Musk) superou o tradicional Corolla (da Toyota, de motor a gasolina) como o automóvel mais vendido no mundo no 1º trimestre.

Dito isto, é bom ressalvar que o governo Lula está retomando o tempo perdido. Mas não será por iniciativas como o incentivo ao carro popular mais barato, que se avançará na modernização e transição energética na política industrial. O maior incentivo à desova dos estoques será a redução dos juros. E só o crescimento seguro e mais acelerado da economia vai garantir que quem comprar automóvel terá condições de bancar os custos mensais de seu uso. O próprio Tesouro Nacional, disse o ministro Fernando Haddad, não tem como bancar por muito tempo incentivos ao carro popular. Por sinal, vale recordar que Itamar Franco forçou o relançamento do “fusca”, mas a grande obra do seu governo foi o Plano Real, idealizado pelo então ministro da Fazenda (e equipe), Fernando Henrique Cardoso, que devolveu estabilidade à moeda e ao país.

Para a indústria, o governo Bolsonaro, por excesso de liberalismo de Paulo Guedes&cia, foi quase a famosa dieta do puro sangue inglês do português: Um fazendeiro lusitano, exportador de vinho do Porto para a Inglaterra, ganhou do parceiro comercial um belo puro-sangue inglês. Acreditou que poderia confiar na alimentação frugal que dava aos cavalos e asnos sem pedigree de sua chácara. Mas o animal, de alta linhagem, veio com uma caríssima dieta prescrita. Ao fim do 1º mês, o fazendeiro, assustado com a despesa, mandou o tratador cortar as maçãs e as cenouras. Mas cobrava informes sobre o estado do animal. No 2º mês reduziu à metade a cota de aveia e feno. No 3º mês foi a vez do corte do milho. No 4º mês indagou como ele ia. O tratador foi sucinto: “Seu doutoire, quando estava se acostumando a deixar de comeire, morreu!”.

·         A CPI da 'Terra Brasilis'

O agronegócio, como modelo de exploração predatória da “Terra Brasilis”, está prestes a completar, em 2030, cinco séculos de adoção do regime de doações de terras das Capitanias Hereditárias e sesmarias. Durante quatro séculos, as exportações agrícolas, isoladamente, não permitiram a virada para o azul na balança comercial brasileira. Isso ocorreu neste 3º milênio, após longo processo. Tivemos os ciclos da cana de açúcar e do café, movidos à escravidão dos índios e africanos. Só nas últimas cinco décadas, a agricultura, antes tão dependente do café, deu um salto, com a forte mecanização no campo, após a ruína do regime do colonato, que entrou no campo enquanto a escravidão dos negros era refreada pelas leis da Inglaterra, mais interessada em vender suas manufaturas. O colonato, no qual as famílias de agricultores europeias tiveram acesso à terra dos grandes fazendeiros de café em São Paulo e Paraná, em troca do cultivo de milho, feijão e mandioca, principalmente, em regime de “meia” ou “terça”, nas “ruas” do café, teve fim com as geadas que destruíram os cafezais e as lavouras de algodão nos dois estados, em 1975. Uma onda de migração do campo inchou as cidades entre os censos de 1970 e 1980, quando o Brasil passou a ter predominância da população urbana. A mecanização ainda incipiente nas lavouras de cana e laranja (que ocuparam terras liberadas pelo café em São Paulo) foi completada pelos boias-frias. E o plantio mecanizado na lavoura da soja fazia mudanças no Paraná, ambos com menos acesso à terra para as populações rurais.

E o desequilíbrio na produção de alimentos básicos, antes a cargo das famílias dos colonos, gerou ondas inflacionárias a partir da 2ª metade dos anos 70 até meados dos anos 90. Ao lado das pesquisas da Embrapa para o desenvolvimento de sementes apropriadas de soja, milho, algodão, girassol e sorgo para plantio no cerrado, o uso intensivo de modernas máquinas fez a agricultura prosperar no cerrado. Muitas vezes, era um membro de uma família de fazendeiros dos estados do Sul que vendia sua parte (50 hectares, por exemplo). Era suficiente para gerar capital para o desafio do cultivo de 1.000ha no Centro-Oeste. O paradoxo é que enquanto a mecanização avançava nas terras do cerrado em grandes propriedades, com inovações sucessivas pela indústria de máquinas, a pequena lavoura dos agricultores familiares continuou sem o apoio oficial em assistência técnica e, sobretudo, no desenvolvimento de micromáquinas agrícolas versáteis para reduzir o esforço braçal do trabalhador do campo e aumentar a produtividade de legumes, verduras e frutas. Quem acompanha os preços do IBGE percebe que os produtos agrícolas que mais sobem de preço e pressionam as despesas das famílias são os que dependem da desassistida agricultura familiar.

Como dono de sítio, que abandonou há mais de 20 anos a criação de cavalos, vacas e a horta, reduzindo as áreas a uma casa de campo, fico maravilhado com as pequenas e modernas máquinas agrícolas chinesas expostas nas redes sociais. Microtratores de esteiras fazem tudo o que antes só era possível com máquinas agrícolas grandes e caras, inacessíveis. Um dos objetivos do presidente Lula quando levou o líder do MST, João Pedro Stédile, à China foi apresentar a uma das lideranças da agricultura familiar o modelo de cooperativas que funciona na China, com ajuda de máquinas e tecnologia, para produzir arroz, frutas, tubérculos e legumes. Meu antigo empregado lá do sítio exclamou quando viu a capacidade das máquinas: “Assim é fácil plantar e colher”, para imediatamente deduzir “mas não vai sobrar trabalho para muita gente”. Tem razão. A produtividade agrícola do grande agronegócio empresarial deve-se ao uso intensivo de colheitadeiras/plantadeiras com crescentes linhas de operação. Com a tecnologia 5G, há máquinas que fazem a colheita sem operador na cabine. Drones substituem com precisão as pulverizações por aviões que espalham agrotóxicos além dos alvos. Quando não é o uso criminoso de desfolhantes que visam matar florestas de áreas griladas na Amazônia e atingem lavouras de pequenos assentados em projetos de reforma agrária do Incra. Para escoar a produção das grandes lavouras, que contam com vasto crédito bancário (oficial e privado), o governo investe em grandes estradas, ferrovias, silos e portos para embarque em grandes navios graneleiros. Já os pequenos agricultores ficam ao “Deus dará”. E o consumidor paga caro nas cidades.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados para investigar a ação do MST, que se pretendesse séria e isenta, deveria ir a fundo e revisitar 300 a 400 anos de escravidão dos afrodescendentes que jamais tiveram acesso à terra. Por isso ficaram em escala social inferior aos migrantes italianos, alemães, espanhóis, suíços, ucranianos, poloneses, austríacos e japoneses, atraídos e contemplados com acesso à terra para colonizar e desbravar o interior do país. Mas a CPI, pela sua composição, nitidamente criada para dar um troco ao governo Lula pela CPMI (Câmara e Senado) do frustrado golpe do 8 de janeiro, prefere sancionar a abertura das porteiras às boiadas e fechar a tronqueira às famílias de agricultores sem-terra.

De volta a mais um périplo para relançar o Brasil como grande “player” mundial e plantar as sementes da Paz entre Rússia e Ucrânia, como benéfica à humanidade, sobretudo às nações mais pobres, ameaçadas em sua segurança alimentar, numa importante guinada, após a opção de ser pária na gestão Bolsonaro, o presidente Lula percebeu que sua ausência deixa um vazio político, sobretudo por falta de coordenação, da qual se aproveitou a oposição radical para tentar desmontar a estrutura ministerial do seu governo, com 37 pastas. Lula foi eleito para governar o Brasil. Seu poder para semear a Paz no mundo é limitado. Mas é insubstituível no país. Os avanços que a economia vai fazendo (com a queda da inflação, que o Banco Central está demorando, pois aumentar a taxa de juro real, ao manter a Selic estática em 13,75% ao ano) terão maior velocidade e benefícios para todos se a coordenação política for capaz de fazer andar as reformas, ajustes e cuidados aos mais carentes, dos quais, o país, que estava desgovernado há quatro anos, tanto precisa.

·         O papel do petróleo

Sempre tive implicância com números que inflam o papel tanto do agronegócio quando da indústria do petróleo ou da indústria automobilística na formação do Produto Interno Bruto. O olhar nostálgico para o tempo em que a indústria chegou a representar mais de 30% do PIB não cabe mais. A evolução da economia no mundo caminha para a predominância no setor de serviços. Salvo as nações menos desenvolvidas na África, em todas, o setor de serviços (que inclui atividades financeiras e de seguros, transporte e armazenagem, comunicações, imobiliárias e o comércio) predomina com folgas. No Brasil, até o século XIX a lavoura prevalecia. Mas à custa da mão de obra escrava.

Nos tempos modernos, os produtos da lavoura e da pecuária, quando atravessam as porteiras, passam a ter um peso maior que o valor original de sua produção. A parte primária, segundo o IBGE, não chega a 8% do PIB, mas o agronegócio diz que representa mais de 25% do PIB, avançando pela área de serviços e a indústria de transformação. Estão neste caso as etapas industriais de beneficiamento da cana de açúcar, de café e da pasta de celulose decorrente das florestas plantadas de eucalipto. O mesmo ocorre com engorda com rações à base de soja e milho, para as carnes de aves e suínos, processadas em frigoríficos, que também desossam as carnes bovinas, cada vez mais cevados em confinamentos, com subprodutos das lavouras). A história sempre nos ensinou, amargamente, que os produtos manufaturados (que tivemos de importar crescentemente desde que D. Maria I, “a louca”, mandou destruir as manufaturas incipientes no Brasil, como retaliação ao movimento emancipacionista de Tiradentes), sempre nos deixavam no vermelho, ou com baixa capacidade para ter uma economia autonomia, baseada três séculos no café. Quando o petróleo do qual produzíamos só 15% quando do 1º choque, em 1973, triplicou de preços, nos deixou vulneráveis.

Como jornalista que cobria diariamente, no velho JORNAL DO BRASIL, a inflação e as contas externas (cujo colapso nos levou, em 1982, à renegociação da dívida externa, com perda de uma década de crescimento, no mínimo), posso garantir: foi a diversificação da pauta de exportação, com a soja tomando o lugar do café como a principal “commodity” agrícola, e a entrada na pauta das vendas de automóveis, caminhões, ônibus e tratores e aviões da Embraer, que, juntamente com a exploração do petróleo da Bacia de Campos (descoberto em 1974, começou a produzir na década seguinte), garantiu o equilíbrio das contas externas a partir do final dos anos 80.

A turma do agronegócio faz “marketing” de suas conquistas (muitas vezes com sacrifício do meio ambiente) e esquece que não está em campo sozinha. Outros atores tiveram papel importante no reequilíbrio das contas externas do país. E a Petrobras merece destaque. A Bacia de Campos, velha de guerra, teve importância fundamental para reequilibrar a balança comercial. Milhões de dólares foram poupados com a redução das importações de petróleo. Quando o petróleo pesado de Campos não era refinado nas refinarias da Petrobras, concebidas para o refino do óleo importado, mais leve e com menor teor de enxofre, sua venda, com desconto no exterior, ajudava a reduzir gastos.

O pré-sal foi descoberto em boa hora, em 2009, quando a extração em Campos estava em declínio. As imensas colunas do pré-sal, a 200/300 kms da costa, extraídas abaixo de 2 mil metros de lâmina d’água e com perfuração de três a cinco mil metros através da camada de pós-sal, garantem sobrevida ao petróleo no mundo e em especial no Brasil. Em nome da transição climática, para fazer retroceder o aquecimento da Terra, o mundo caminha para a substituição dos combustíveis fósseis. O 1º a ser barrado (em especial na Europa e Japão) foi o carvão mineral. Apesar dos esforços para a redução do consumo de petróleo, na transição energética, haverá espaço para o uso do combustível, com gradação entre os principais derivados. Assim como, lá atrás, a adição de álcool anidro à gasolina reduziu o teor nocivo das emissões de sua queima, o mesmo ocorreu com a adição de óleos vegetais e de gordura animal (sebo de boi, suínos e aves) ao diesel. Entre os próprios derivados, pode-se dizer que os menos nocivos são o gás natural e o GLP.

Há ainda horizonte de 20 a 30 anos para a exploração da riqueza do pré-sal na costa brasileira, que se estende da dobra do Nordeste (Rio Grande do Norte) até o Oiapoque, na Margem Equatorial do Amapá. As reservas petrolíferas da Venezuela seguem as maiores do mundo. Entretanto, com as hostilidades de Hugo Chaves às “majors”, as grandes multinacionais abandonaram o país. Sem a competência técnica da Petrobras - que domina, como poucas, a tecnologia de perfuração em águas profundas, desde a jornada da Bacia de Campos (1974) às recentes inovações no pré-sal, da Bacia de Santos, que se estende do RJ à costa do Rio Grande do Sul/Santa Catarina -, a PDVESA não conseguiu sustentar a produção da Venezuela, que definhou à metade do que era (invertendo a posição com o Brasil), empobrecendo o país. Alijadas, as “majors” deslocaram plataformas de extração e demais equipamentos à vizinha Guiana (antiga Guiana Inglesa), ao Suriname (que se tornou independente da Holanda) e à Guiana Francesa, ainda sujeita a Paris. A Margem Equatorial seria extensão do potencial, que a Petrobras vem investindo para prospectar desde 2020, na gestão de Roberto Castello Branco.

Por tudo isso, temos neste momento um Fla X Flu no país, envolvendo de um lado os defensores da proteção ambiental e, de outra parte, os que veem uma oportunidade para a junção da tecnologia dominada pela Petrobras em águas profundas com a sua responsabilidade social na prospecção e produção de petróleo e gás há cinco décadas na plataforma marítima brasileira. O manual ambientalista reza prioridade ao isolamento de povos indígenas no litoral do Amapá e a proteção à fauna e flora continentais e marítimas. Mas há muito exagero quando se segue o manual e se deixa de examinar locais e personagens envolvidos. A Foz do Amazonas está a 540 km do local a ser pesquisado, que, por sua vez, fica, mar adentro, a 175 km da costa. Isso me lembra o auê que se fez quando se noticiou que o lago da usina hidroelétrica de Itaipu, no rio Paraná, ia cobrir as cataratas de Sete Quedas. Houve uma grita geral. Mas, a maioria das pessoas estava pensando nas Cataratas do Iguaçu (no rio do mesmo nome, distante da barragem). A menção à Foz do Amazonas se refere à Bacia Sedimentar, não ao local geográfico.

O cuidado com o meio ambiente é inerente aos princípios de responsabilidade socioambiental e de governança (ESG, na sigla em inglês) da Petrobras, uma empresa que já atuou em E&P em vários continentes e tem ações na B3, a bolsa brasileira, e na Bolsa de Nova Iorque. Não se trata de uma empresa aventureira. Ou de uma atividade clandestina como a dos garimpeiros que levaram miséria e doenças às aldeias e reservas indígenas, onde suas operações descuidadas deixaram um rastro de destruição e morte, pela fome, com a contaminação das águas dos rios e dos peixes, devido ao uso desenfreado de mercúrio, para aglutinar as partículas de ouro.

Uma negociação, com espíritos desarmados, pode garantir a preservação do meio ambiente sem afastar a oportunidade de geração de empregos e renda em região quase apartada do Brasil. O Amapá entrou em decadência após a exploração de manganês na Serra do Navio cessar no século passado, com o fim das reservas. Lideranças políticas responsáveis, como o senador Randolfe Rodrigues (eleito pela Rede-AP), que anunciou seu desligamento do partido que tem a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, como uma das maiores lideranças, já marcaram posição. Comprometido com a preservação da Amazônia, o que motivou o recebimento de doações das nações europeias, Estados Unidos e do Japão, para a preservação da floresta, responsável pela absorção e “limpeza” do gás carbônico emitido pelas ricas nações industriais, cabe ao presidente Lula mostrar que é possível conciliar a preservação ambiental com o progresso na exploração de riquezas minerais e da biodiversidade da Amazônia.

 

Fonte: Pot Gilberto Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil

 

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