segunda-feira, 29 de maio de 2023

Mercado vive a 'reversão das expectativas'

Roberto de Oliveira Campos, ministro do Planejamento do 1º governo militar, comandado pelo marechal Castelo Branco, cunhou a expressão “reversão das expectativas” quando as medidas reformistas do PAEG (Plano de Ação Econômica de Governo) começaram a fazer a inflação baixar e a roda da economia funcionar. Com a fina ironia, que lhe era peculiar, fustigou os críticos, afirmando estar ocorrendo a “reversão das expectativas” (pessimistas).

Pois seu neto, que exerce a presidência do Banco Central desde janeiro de 2019, e ganhou autonomia com a Lei 179, de fevereiro de 2021, chegou a cunhar a expressão “frustração das expectativas” para justificar o primeiro dos sucessivos aumentos da Selic (de 2% ao ano para 2,75% ao ano em março de 2021 até 13,75% em 3 de agosto de 2022, que se mantém até agora) na tentativa de colocar a inflação dentro das metas de inflação. Não adiantou.

Houve dois estouros seguidos no teto das metas de inflação do BC (em 2021 o teto era de 5,25%, deu 10,06%; e se repetiu em 2022, com teto de 5% e IPCA de 5,79%. A queda não veio dos juros, mas porque, com a inflação em 12 meses em 11,89% em junho, o governo cortou impostos federais e estaduais de combustíveis, energia elétrica e comunicações; o BC ainda elevou a Selic de 13,25% a 13,75%). O estouro tende a ocorrer novamente este ano.

Campos Neto, ao inverso do avô, faz o papel dos críticos do governo. O velho Roberto Campos punha fé em que as mudanças estruturais em curso (correção monetária em mão dupla dos débitos públicos para recuperar as finanças e o crédito público, com as ORTNs, abrindo espaço ao financiamento de longo prazo no Sistema Financeiro da Habitação; o novo Banco Central para frear as emissões sem lastro do Banco do Brasil e as reformas bancárias e de mercado de capitais, além do FGTS) iam colocar a economia de pé.

·         A surpresa de Campos Neto

Já o jovem Campos Neto, que foi escolhido no governo Bolsonaro e segue sendo seu prolongamento, junto com a diretoria do Banco Central, que ainda está desfalcada de dois dos oito diretores, porque Gabriel Galípolo, indicado para a diretoria de Política Monetária, e Ailton dos Santos, para a de Fiscalização, ainda não têm data de sabatina marcada no Senado (e dificilmente farão parte da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central em 20 e 21 de junho), sendo provável a presença em 1 e 2 de agosto. Campos Neto sempre coloca um “mas, porém, todavia, contudo”, quando o mercado vê sinais para o início da baixa da taxa Selic.

Entretanto, diante dos sinais positivos desta semana – aprovação, com folgas na Câmara, do Arcabouço Fiscal, que projeta clima favorável à tramitação da Reforma Tributária e a redução do IPCA-15 de maio, para 0,51% (abaixo dos 0,62% esperados pelo mercado, com desaceleração nos preços dos serviços) – Campos Neto, admitiu, em entrevista a Andreia Sadi, na 5ª feira, na GloboNews, que os indicadores do mercado o surpreenderam positivamente.

Como não sou economista, mas apenas um jornalista de Economia, com 51 anos de experiência na cobertura do mercado financeiro, não me prendo a esta ou aquela teoria (que fracassam muitas vezes por causas externas, um choque climático ou desavenças na área política). Dou peso (que os economistas desdenham), aos impactos psicológicos que detonam a inflação para cima ou para baixo. A gasolina sempre foi um “termômetro” para os profissionais que atuam no mercado de serviços. O valor que pagam nas bombas de gasolina serve parâmetro à formação dos preços que cobram cabelereiros, manicures, eletricistas, pedreiros, marceneiros, bombeiros hidráulicos e pedreiros.

Não foi por outro motivo que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, assessorado pelo ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, que foi chefe da Secretaria de Assuntos Econômicos de Guedes (acompanhando inflação, contas públicas, PIB, desemprego e contas externas), focou no corte eleitoreiro e provisório (até 31 de dezembro) de impostos da gasolina, demais combustíveis, energia elétrica e comunicações para tentar derrubar a inflação e reeleger Jair Bolsonaro, pois não acreditavam que o BC teria sucesso com os juros altos. Só derrubaria o crescimento e pioraria as chances de reeleição.

·         Petrobras segura a inflação

Não é surpresa, portanto, que todos os bancos e consultorias estejam revendo para baixo as suas previsões de inflação depois que o governo Lula não reonerou em 100% os impostos cortados em 2022 e a Petrobras aprovou sua nova política de preços dos combustíveis. A estatal adotou as vantagens do custo mais baixo de extração do petróleo leve do pré-sal e a otimização do uso de suas refinarias, sem a aderência 100% aos princípios do PPI (paridade de preços internacionais), que vinculava, desde 2016, os reajustes à variação câmbio e das cotações internacional da gasolina, diesel e GLP, entre outros.

Como o câmbio ainda caiu 0,51% para R$ 5,01% hoje, depois da leve subida ontem com os temores sobre o desmonte de ministérios (a queda foi causada pelo Banco Central, ao formar a 3ª parcial da Ptax, a taxa de referência cambial que se aplica às transações financeiras e aos contratos de câmbio futuro que vencem dia 1º de junho na B3, fixou os valores em R$ 5,0099 para compra e R$ 5,0105 para venda), o próprio BC chancelou a mudança de cenário.

·         LCA prevê IPCA de 0,35% em maio

Depois da desaceleração no IPCA-15 de maio para 0,51%, a LCA Consultores está prevendo redução ainda maior no IPCA cheio, para 0,35%. Com esse índice, a inflação em 12 meses desceria dos 4,18% em abril para 4,05%. O IPCA cheio vai captar mais intensamente as reduções dos combustíveis e uma desaceleração nos preços de Alimentos e Bebidas (após os 0,94% do IPCA-15, o índice cheio ficaria em 0,57%). Seria o mesmo impacto esperado para Habitação, com queda expressiva do GLP, mas altas em energia em algumas cidades onde há reajustes anuais e tarifas de água e esgoto. Mas o item Transporte deve ter queda de 0,43% (depois de apenas 0,04% no IPCA-15), jogando pra baixo o IPCA.

Resta ver se o alívio na bomba de combustível será repassado aos preços dos profissionais autônomos. A estabilidade já é um ganho. A LCA prevê alta de 0,69% dos preços monitorados em maio (planos de saúde puxam alta de 0,93% em Saúde e Cuidados Pessoais) e de 5,9% no IPCA de 2023.

Para o Bradesco, “a prévia da inflação de maio sugere dinâmica mais benigna para os preços no curto prazo”. O banco assinala que “das nove categorias pesquisadas, sete perderam força ante abril, com destaque para transportes, vestuário e saúde e cuidados pessoais”. O banco colocou viés baixista na sua projeção de 6,2% para o IPCA de 2023.

Já o Itaú considera que “o IPCA-15 de maio confirma o cenário de desinflação em curso, embora as medidas centrais continuem acima da banda da meta de inflação. Na margem, com dados ajustados sazonalmente e anualizados, a inflação subjacente da indústria e dos serviços está a um ritmo de 6%”.

·         Para Itaú, inflação cairá a 3,7%

Para o Itaú, “nas próximas leituras, devemos continuar vendo uma queda na inflação em 12 meses para cerca de 3,7%, influenciada pelo efeito base dos cortes de impostos do ano passado e pelos recentes cortes nos preços dos combustíveis nas refinarias”. O banco projeta IPCA em 5,8% até o fim do ano e em 4,5% em 2024.

Já a Genial Investimentos considerou “a desaceleração do IPCA-15 excelente notícia para Banco Central”. A gestora assinala que, ao contrário de abril, o IPCA-15 de maio gerou algum alívio entre os analistas, vindo abaixo das expectativas (0,51% contra 0,65%), com “desaceleração em praticamente todos os segmentos. A média dos núcleos desacelerou de 0,45% para 0,42%, os preços livres saíram de 0,31% em abril para 0,29% em maio, os preços dos produtos industriais passaram de 0,38% para 0,23% preços dos serviços mostrou deflação de – 0,06% e serviços subjacentes desacelerou de 0,51% para 0,45%”

Conservadora, a Genial considerou a “desaceleração generalizada do IPCA-15 é uma excelente notícia, mas, diante dos ainda elevados níveis de inflação e das expectativas para a inflação em horizontes mais longos, ainda está longe de justificar o otimismo de alguns analistas que voltaram a prever queda da SELIC já em agosto de 2023”.

·         PIB pode crescer mais de 1,4% no trimestre

O Departamento de Estudos Macroeconômicos do Itaú não escondeu sua surpresa com a “resiliência econômica nos três primeiros meses do ano”, quando espera que o PIB cresça 1,4% sobre o 4º trimestre de 2022 e 3,4% frente ao mesmo período de 2022. O IBGE divulga os dados em 1º de junho. Antes, o Itaú previa 1,2%, mas o excelente resultado da colheita de soja (24,7% sobre 2022), deve elevar o PIB da agropecuária em 14%.

O Itaú viu surpresas positivas nos “números da atividade e do mercado de trabalho”. O banco espera “um ganho de 3,0% no setor de serviços (uma pequena desaceleração frente aos 3,3% do 4º trimestre), impulsionado por "serviços de informação" (+9,1% contra 4,9% no 4º trimestre), "outros serviços" (+6,7% X 8,3%) e "serviços de transporte (+6,0% X 5,3%). A categoria "outros serviços", que inclui os serviços prestados às famílias, continuou mostrando resiliência, enquanto o transporte foi apoiado pelo agronegócio”.

Para o Itaú, “o PIB industrial provavelmente subiu 1,4% ao ano (desacelerando de 2,2%, contra 6% no 4º trimestre), liderado por mineração e extração (aumento estimado de 5,0% X 1,4%). A manufatura provavelmente desacelerou para 0,0% X 1,0%), afetada pela menor produção de caminhões, em meio a mudanças nas regulamentações ambientais.

·         Viés de alta no ano

O mais importante na análise do Itaú foi a observação: “Se nossa estimativa para o PIB do 1º trimestre se confirmar, a previsão para o ano inteiro de crescimento de 1,4% do PIB em 2023 terá um viés de alta”. O Itaú está esperando crescimento de 0,3% no PIB do 2º trimestre sobre o 1º. Isso elevaria a previsão do PIB do ano de 1,4% para 1,7%, se a economia ficar estável no 2º semestre. Se crescer, com os estímulos do governo e queda de juros, o avanço do PIB tenderá a se aproximar dos 2%. O Bradesco prevê 1,8%.

No trimestre, de compondo o lado da demanda, o Itaú vê “o consumo das famílias e as exportações se destacando positivamente”. Ele estima “avanço de 5,4% a.a. nos gastos das famílias graças ao ímpeto fiscal (aumentos do salário-mínimo mensal e das transferências de renda no âmbito do programa de auxílio Bolsa Família) e a um mercado de trabalho resiliente. As exportações provavelmente subiram 6,7% a.a., apoiadas pelo bom desempenho do PIB agrícola no período”.

 

Ø  Milhões de brasileiros estão com dificuldade de pagar suas dívidas

 

A mercadoria que garante o ganha-pão de Guilherme Nogueira fica todos os dias, de segunda a sexta-feira, espalhada pelo chão de uma calçada na rua Uruguaiana, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O jovem, de 28 anos, tinha um emprego formal, com carteira assinada até 2020.

Com a chegada da pandemia de covid-19, ele foi demitido e, desde então, tem que se virar como pode, para garantir o seu sustento e o de seu filho. Atualmente, vende mochilas que ficam expostas em uma lona para pessoas que transitam pela movimentada rua carioca.

“Tem dia que vende, tem dia que não vende. Tem dia que vende cinco, oito mochilas. Em outros, vende duas. É difícil, os guardas [municipais] querem pegar [apreender] as mochilas”, lamenta Guilherme.

A perda do emprego também o envolveu em uma situação que atinge hoje 66 milhões de brasileiros, segundo dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL): o jovem não consegue pagar suas contas.

Sem uma fonte de renda estável, Guilherme não consegue saldar suas dívidas com o cartão de crédito. “Eu não tinha condições de pagar o banco. Fiz um cartão de crédito e não tinha dinheiro na hora pra pagar. Tenho dívidas com cartão de dois bancos”, conta. “Não tenho nenhum plano para conseguir pagar isso. Está difícil”.

A inadimplência, ou seja, as contas ou dívidas em atraso, atinge, segundo o CNDL, quatro entre dez brasileiros adultos.

O número de dívidas em atraso no Brasil, em abril deste ano, cresceu 18,42% em relação ao mesmo período do ano passado. A dívida com os bancos é, segundo o CNDL, o principal motivo da inadimplência: 63,8% do total.

E, assim como Guilherme, em média os brasileiros inadimplentes devem a duas empresas. Quase metade dos brasileiros na faixa etária a qual pertence o vendedor ambulante (25 a 29 anos) estão na inadimplência.

Mas não são apenas os jovens que enfrentam o problema, nem os bancos são a única fonte das dívidas difíceis de pagar. Seu José Raimundo, de 67 anos, também é autônomo. Trabalha há anos como engraxate, a poucos metros de onde Guilherme vende suas mochilas.

E assim como o colega vendedor, foi muito impactado pela pandemia. Ainda sem conseguir contar com uma aposentadoria – ele deu entrada no Benefício Assistencial ao Idoso, mas ainda não recebeu o aval da Previdência Social para receber o dinheiro – ele perdeu grande parte da clientela que usava seus serviços antes da covid-19.

“Só por causa da pandemia, fiquei quase dois anos em casa. Depois fiquei doente, sem poder fazer nada. Fiquei três anos e pouco sem trabalhar. E aí foi atrasando tudo. Minha mulher sozinha pagando tudo: água, luz, telefone. O que eu mais atrasei foi a conta de água. Na hora que sair o benefício [da Previdência], eu vou conversar com a concessionária e parcelar. Não quero ficar devendo nada a ninguém. Não tenho essa índole de mau pagador”, conta o engraxate que retomou recentemente seu ofício.

Três em quatro idosos com 65 a 84 anos estão com dívidas em atraso no país. Água e luz respondem por 11,1% das inadimplências, percentual parecido com o do comércio, que representa 11,6% das dívidas não pagas.

E a inadimplência não poupa nem quem tem emprego formal. Alessandro Gonçalves tem 30 anos e trabalha como porteiro em um prédio comercial no centro da cidade do Rio.

Todo mês, ele precisa fazer malabarismos para garantir que seu dinheiro supra suas necessidades diárias. E isso envolve atrasar o pagamento de algumas contas. “É aquela dificuldade rotineira. Você tem uma conta pra pagar e não consegue. Chega no final do mês, pega o dinheiro pra pagar a conta e não consegue. O salário nosso, a gente faz uma conta e, quando chega no final do mês, não dá pra pagar. E aí a gente tem que atrasar as contas”.

·         Renda

Segundo Merula Borges, especialista em finanças da CNDL, a perda de renda é um dos motivos que levam as pessoas à inadimplência.

“Na pesquisa, quando as pessoas foram perguntadas sobre o motivo de elas terem entrado na inadimplência, elas disseram que tiveram perda de renda ou de si próprios, ou de alguém da família”, afirma Merula. “Isso é natural já que, quando a renda é menor, o espaço que os itens básicos ocupam no orçamento familiar é maior e as pessoas têm menos possibilidade de lidar com algum imprevisto que aconteça”.

Segundo a especialista, quem tem renda menor também precisa de mais disciplina financeira para evitar a inadimplência.

“Existe, sim, uma possibilidade de as pessoas se manterem adimplentes, apesar da renda mais baixa, mas é muito mais difícil. Então, o foco daquele que tem uma renda menor precisa ser em melhorar a qualificação, procurar cursos gratuitos, possibilidades de melhorar a própria renda para entrar em uma situação um pouco mais confortável”.

Merula diz que são necessárias políticas públicas que ajudem os brasileiros a saírem dessa situação de inadimplência. O governo federal prepara um programa, chamado Desenrola, que pretende renegociar até R$ 50 bilhões em dívidas de 37 milhões de pessoas físicas.

A política está sendo preparada pelo Ministério da Fazenda, que, em resposta à Agência Brasil, afirmou que “não se manifesta sobre medidas em elaboração”. 

 

Fonte: Jornal do Brasil/Agencia Brasil

 

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