segunda-feira, 1 de maio de 2023

Estados Unidos: a direita com rótulo diferente

A política norte-americana situa-se cada vez mais à direita, em especial entre os adeptos republicanos. Nenhuma das duas grandes agremiações se dispõe a frear o deslocamento, ainda que uns considerem, posto que equivocados, os democratas localizados à esquerda.

Isso seria possível se fosse observado o posicionamento republicano, hoje de maneira predominante de ultradireita, como se fosse apenas de centro-direita. Todavia, análise além da superfície do contexto estadunidense esvai a avaliação.

Como exemplo do enfraquecimento de sociedade com perfil supostamente socialdemocrata, basta evocar os índices oficiais de desigualdade no século 21.

É concebível vislumbrar um e outro parlamentar na esfera progressista, porém a maioria do partido, representada na Casa Branca, distancia-se da prática, conquanto se valha de discursos constantes nesse rumo. A postura não é inédita, nem única, uma vez que se repete ao redor do mundo como em países da América do Sul.

Siglas constituídas na Guerra Fria, onde predominava a rivalidade bipolar, ou mesmo antes já não representam a realidade da posição das direções partidárias atuais, desejosas de se instalar no poder – quer executivo, quer legislativo - ou nele se conservar.

Destarte, não se importam as lideranças com o caráter das alianças eleitorais, alicerçado na manutenção do status quo econômico e, portanto, desfavorável à parcela mais desapercebida da população. Na retórica a votantes, maquila-se a característica conservadora.

Após o fim da discórdia amero-soviética, parcela da antiga esquerda anunciar-se-ia como Terceira Via, uma amálgama em tese de virtudes do capitalismo e do socialismo; no entanto, seria o modo disfarçado de aderir ao ideário de direita – o neoliberalismo - embora não de forma total ou com ritmo menos acelerado como nos Estados Unidos democratas, no Brasil socialdemocrata ou na Grã-Bretanha trabalhista durante a década de 90.

Pouco depois, a ultradireita se consolidaria como neoconservadora à feição norte-americana. O dístico de via alternativa ou de equilíbrio se esboroaria, em decorrência da insuficiência de resultados sociais positivos.

Entre o final dos anos 90 e o início dos do corrente milênio, expectativas de reação estruturada ao pêndulo deslocado à direita adviriam; citem-se a França do socialismo, o Brasil do trabalhismo ou a Venezuela do bolivarianismo. Nenhuma delas iria no seu ápice abalar a base do capitalismo neoliberal; no máximo, sacudi-lo de modo efêmero, ao reduzir de maneira modesta a desigualdade de renda.

Contudo, o invólucro da direita conservadora modifica-se em roda viva, ou seja, sem pausa. Nos últimos anos, ela embala-se sob o rótulo do populismo republicano em solo estadunidense, ao misturar nacionalismo em função da decepção com as consequências econômicas da globalização e, ao mesmo tempo, intolerância com seus contraditores, já não considerados meros opositores, porém inimigos viscerais.

Assim, equipara-se a arena política a campo de batalha, onde a intimidação – virtual ou física – se torna frequente, de sorte que até invasão a um símbolo maior do país como o Capitólio tenha ocorrido em janeiro de 2021. Com revestimento populista, os republicanos propõem-se a voltar em 2024 à Casa Branca. Aguarde-se o contraponto dos democratas.

 

Ø  Ameaça do gigante chinês. Por Frei Betto

 

A “Newsweek” noticiou que o ex-presidente Jimmy Carter recebeu telefonema de Trump, preocupado com o crescimento geopolítico da China. Carter reagiu: "Você tem medo que a China nos supere, e concordo com você. Sabe por que a China nos superará? Eu normalizei relações diplomáticas com Pequim em 1979, e desde aquela data sabe quantas vezes a China entrou em guerra com alguém? Nenhuma, enquanto estamos constantemente em guerra. Os EUA são a nação mais guerreira da história do mundo, querem impor aos Estados se submeterem ao nosso governo e aos valores americanos em todo o Ocidente, e controlar as empresas que dispõem de recursos energéticos em outros países. A China, no entanto, investe seus recursos em projetos de infraestrutura, ferrovias de alta velocidade, tecnologia 6G, inteligência robótica, universidades, hospitais, portos e edifícios, em vez de usá-los em despesas militares. Quantos quilômetros de ferrovias de alta velocidade temos em nosso país? Já desperdiçamos U$ 300 bilhões em despesas militares para submeter países que procuravam sair da nossa hegemonia. A China não desperdiçou nenhum centavo em guerras e, por isso, nos ultrapassa em quase todas as áreas. Se tivéssemos U$ 300 bilhões para instalar infraestruturas, robôs e saúde pública nos EUA, teríamos trens bala transoceânicos de alta velocidade. Teríamos pontes que não desabam, sistema de saúde grátis para os americanos não se infectarem por Covid-19, quando se infectaram mais conterrâneos do que qualquer outro país do mundo. Teríamos estradas adequadas. Nosso sistema educativo seria tão bom quanto o da Coreia do Sul ou Xangai".

Os EUA estão gastando em orçamento militar, neste ano de 2023, quase US$ 800 bilhões. E mantêm mais de 700 bases militares ao redor do mundo. O orçamento militar da China em 2023 não chega a US$ 300 bi e ela não dispõe de nenhuma base militar fora de suas fronteiras.

Passei um mês na China em 1988 e visitei oito províncias. Então, a China era chinesa. Toda a população vestia a mesma roupa anil estilo Mao Tsé-tung e as diferenças sociais não eram gritantes. Hoje, diz a anedota que, perguntado se atualmente o sistema chinês é híbrido, o presidente Xi Jinping respondeu: “Sim, o Conselho de Estado e o Birô Político são comunistas e, os demais, capitalistas”.

Os chineses são pragmáticos. E o governo e as empresas, diante da necessidade alheia, perguntam primeiro pela contrapartida antes do gesto de solidariedade. É um povo autocentrado. A palavra China significa “país do meio”, o centro do mundo. Vi nas escolas mapas-múndi nos quais o território chinês se destacava no centro, assim como muitos mapas no Brasil são eurocentrados.

A recente viagem de Lula a China incomodou a Casa Branca que, progressivamente, perde sua hegemonia na América Latina. Sabem quantas vezes o presidente Biden visitou a América do Sul? Nenhuma. Biden, infelizmente, se relaciona com o nosso continente mais pautado por Trump do que por Obama. Este flexibilizou as relações com Cuba, inclusive reatando relações diplomáticas, embora mantendo o bloqueio, enquanto Trump adotou quase 300 medidas para apertar o bloqueio e Biden não ousa revogá-las.

A China é, hoje, o principal parceiro comercial do Brasil. É o país que mais importa nossos produtos. Em 2022, as exportações brasileiras para a China (incluindo Hong Kong e Macau) somaram 91,26 bilhões de dólares. O Brasil é o quarto país no mundo onde a China mais investe. Responde por 5% do total. O país asiático importou US$ 90 bilhões do Brasil em 2022 e exportou US$ 60 bilhões. As exportações do Brasil para os chineses somaram, no ano passado, mais do que o total que o país vendeu para os EUA (US$ 37 bilhões) e a União Europeia (US$ 50,8 bilhões).

Na afirmação de nossa soberania, Lula decretou o fim do dólar como moeda de comércio entre a China e o Brasil. E deu um “chega pra lá” no FMI e no Banco Mundial ao valorizar o banco dos Brics, com sede em Xangai e, agora, presidido por Dilma Rousseff.

Um mundo multilateral favorece o surgimento de uma nova governança global, capaz de assegurar a paz no planeta. Mas, para isso, é preciso que a União Europeia dê o seu grito de independência em relação à Casa Branca e a ONU sofra uma profunda reforma, a começar pela democratização de seu Conselho de Segurança.

 

Fonte: Correio da Cidadania

 

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