domingo, 30 de abril de 2023

Por que a mudança climática ameaça destruir boa parte das línguas do planeta

A cada 40 dias, morre uma língua. Uma perda “catastrófica” que, segundo os linguistas, é ampliada pela crise climática. As estimativas mais prudentes consideram que, se nada for feito, até o final do século restará apenas metade das 7.000 línguas faladas hoje.

Os falantes de línguas minoritárias vivem uma longa história de perseguição. Nos anos 1920, metade de todas as línguas indígenas da Austrália, Estados Unidos, África do Sul e Argentina já tinham sido extintas. Para muitas línguas indígenas e os saberes que representam, a crise climática é o “último prego no caixão”.

Segundo Anastasia Riehl, diretora da unidade linguística Strathy, na Queen's University, em Kingston (Ontário, Canadá), “as línguas já são vulneráveis e estão em perigo” devido a fatores como a globalização e as migrações que levam as comunidades a se mudarem para regiões onde sua língua não é falada, nem valorizada. Riehl considera “especialmente cruel” que a maioria das línguas do mundo estejam em regiões cada vez mais inóspitas para as pessoas.

Com 110 idiomas em apenas 12.189 km2, o país insular de Vanuatu tem a maior densidade linguística do planeta: uma língua para cada 111 km2. Localizado no Pacífico Sul, é também um dos países mais ameaçados pelo aumento do nível do mar.

“Muitas pequenas comunidades linguísticas estão em ilhas e costas vulneráveis a furacões e ao aumento do nível do mar”, diz Riehl. Outras vivem em terras onde o aumento da temperatura ameaça a agricultura e a pesca tradicional, o que provocará migrações. “Quando entra em cena a mudança climática, o transtorno para as comunidades é ainda maior”, acrescenta. “É um efeito multiplicador, o último prego no caixão”.

·         Ásia e Pacífico, os mais prejudicados

Os efeitos do aquecimento global sobre as línguas ainda não foram bem estudados, mas sabe-se que provocou um aumento na ocorrência de ondas de calor, secas, inundações e elevação do nível do mar que expõem milhares de pessoas à falta de água e comida, expulsando-as de suas casas.

As catástrofes provocaram 23,7 milhões de deslocamentos internos, em 2021, e a maioria foi de origem meteorológica. Em 2018, os deslocamentos tinham aumentado para 18,8 milhões.

Nos últimos 10 anos, a Ásia e o Pacífico foram as regiões mais afetadas do mundo pelos deslocamentos. Os países insulares do Pacífico estão entre os mais prejudicados em relação ao tamanho de sua população.

Contudo, é justamente nessa região que mais prosperaram muitas línguas indígenas. De acordo com a Comissão de Língua Maori da Nova Zelândia, uma em cada cinco línguas do mundo vem do Pacífico.

De acordo com Anouschka Foltz, professora associada de Língua Inglesa, na Universidade de Graz (Áustria), “o Pacífico, incluindo Indonésia, Índia e Filipinas, tem uma grande variedade linguística, com algumas línguas faladas por apenas algumas centenas de pessoas”. “Se houver um aumento do nível do mar, ou algum outro impacto climático, terão que sair”, diz. “As comunidades se dispersam para lugares onde sua língua não é valorizada”.

No mapa das 577 línguas que sofrem grave perigo de extinção, distinguem-se grupos na região da África equatorial, na região do Pacífico e no Oceano Índico.

·         “Como bombardear o Louvre”

Para enfrentar a crise, a ONU lançou, no último mês de dezembro, a Década Internacional das Línguas Indígenas. O presidente da Assembleia Geral da ONU, Csaba Kőrösi, pediu aos países que permitam o uso das línguas de comunidades indígenas nos sistemas educacionais, já que preservá-las “é importante não apenas para eles, mas para toda a humanidade”.

“Com cada língua indígena que se extingue, desaparecem o pensamento, a cultura, a tradição e o conhecimento que incorpora”, disse Kőrösi, ecoando as palavras do falecido linguista e ativista estadunidense Ken Hale. Perder uma língua, dizia Hale, é como “lançar uma bomba sobre o Louvre”.

O doutor Gregory Anderson é diretor do Living Languages Institute for bLanguages, uma ONG com sede nos Estados Unidos dedicada à documentação e registro de línguas em perigo. “Estamos caminhando para uma perda linguística e cultural catastrófica, no próximo século”, disse.

Segundo Anderson, a morte de uma língua (o momento em que morre seu último falante fluente) costuma ser o resultado de “algum tipo de agressão” contra as comunidades indígenas. Esta agressão pode ser direta, como quando, no século XX, Estados Unidos, Canadá, Austrália e países escandinavos forçaram o internamento de crianças indígenas em colégios onde eram proibidas de falar sua língua materna; ou acobertada, como quando se exclui dos postos de trabalho pessoas com sotaques acentuados.

·         Recuperação

Suprimir a língua indígena está associado ao desenvolvimento de problemas de saúde mental, segundo estudos, que apontam a mesma relação em sentido inverso. Em Bangladesh, por exemplo, demonstrou-se que jovens indígenas capazes de falar sua língua materna estavam menos expostos à violência e tinham menos probabilidades de consumir álcool ou substâncias ilegais em quantidades perigosas.

Também existem algumas boas notícias, como as conquistas da Nova Zelândia e do Havaí na recuperação das línguas indígenas.

Nos anos 1970, só restavam 2.000 falantes nativos de havaiano e a maioria estava na casa dos sessenta. Então, os defensores do idioma lançaram “escolas de imersão” onde as crianças aprendem em havaiano e, atualmente, é falado por mais de 18.700 pessoas.

Na Nova Zelândia, nos anos 1970, só 5% dos jovens maoris falavam a língua. Atualmente, ela é falada por mais de 25% graças, em grande parte, aos esforços dos maoris, com o apoio do Governo.

“As línguas indígenas são uma âncora para o passado, assim como uma bússola para o futuro”, diz a professora Rawinia Higgins, do Grupo de Trabalho Mundial para a Década Internacional das Línguas Indígenas 2022-2032. “Há 35 anos, as pessoas lutaram para salvar a língua maori e o Governo, então, fez dela uma língua oficial protegida por lei”, acrescenta Higgins, que dentro do Grupo de Trabalho é comissária da língua maori da Nova Zelândia. “Antes proibida e considerada por muitos como sem valor, agora, mais de oito em cada dez a consideram parte de nossa identidade como neozelandeses”.

A intérprete, locutora e jornalista maori neozelandesa Oriini Kaipara aprendeu a língua com seus avós, em kōhanga reo [ninhos linguísticos], onde só se fala maori. “Minha geração teve a sorte de ser criada na imersão total”, diz Kaipara.

Ela apresenta as notícias em horário nobre. Com o queixo adornado com a marca maori moko kauae, tornou-se uma embaixadora dos maoris. “Contudo, a perda da língua ainda é uma grande ameaça para nós. As gerações de falantes nativos conservavam os costumes, a compreensão e os conhecimentos indígenas transmitidos por seus pais e isso desapareceu”, afirma.

Kaipara cita a “forma singular” que os maoris têm de se conectar com seu ambiente, só acessível através da língua. A palavra matemateāone é quase intraduzível, mas expressa “um profundo desejo emocional, espiritual e físico” pela Terra. “Em essência, significa que pertenço a algo”, diz. “Minha língua é uma porta para o meu mundo”.

 

Fonte: Por Karen McVeigh, parar El Diario - tradução do Cepat, para IHU OnLine

 

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