Nossas escolas
pedem paz: educação sem medo e sem armas
"Evitar
um possível ataque a partir do medo da arma de fogo é, justamente, passar a
mensagem de que as coisas se resolvem (ou se evitam) a partir de violência
iminente - e é justamente esse princípio, enraizado na nossa sociedade, que
cria o ambiente para que esses ataques aconteçam"
No
dia 12 de abril, após uma série de ataques em escolas de todo o Brasil, a
Câmara Municipal de Natal votou em regime de urgência um Projeto de Lei que
obriga a presença de segurança armada em escolas de ensino infantil. Apesar de
ser uma pauta urgente, é necessário que esse debate seja feito com calma e por
outro caminho, como mostram uma série de estudos sobre segurança pública. O
tema precisa sair das paredes do plenário da Câmara - e é nosso papel fazê-lo.
Em
primeiro lugar, é preciso dizer que entendemos, compartilhamos e nos
solidarizamos com o medo. A escola sempre foi um espaço muito importante para
mim: foi nela que entendi o mundo e a mim mesma enquanto mulher, negra,
bissexual e ser político. É muito triste e perigoso que a violência, a
intolerância e o extremismo da direita tenham conseguido alcançar o espaço que
têm hoje - e é por isso que as respostas do poder público precisam ser céleres,
mas eficazes. Precisam responder aos anseios da sociedade, mas enfrentar o
problema pela raiz. Nesse artigo, pretendemos compartilhar a nossa opinião
sobre o assunto, explorar o que está sendo feito para pensar alternativas que
façam sentido para resolver esse problema, trazendo publicamente porque
acreditamos que o PL 655/2022, que obriga a presença de segurança armada nas
escolas de ensino infantil de Natal, não resolve o problema da violência.
• De onde vem
As
causas deste problema são muito complexas e não é possível destrinchá-las por
completo neste texto. O avanço da extrema direita, do porte de armas e do
sentimento de que há impunidade ou não há recriminação da intolerância
escancarou na sociedade um ambiente de constante ameaça. Nos últimos 4 anos, mais
de 900 mil novas armas foram liberadas para o uso de civis, totalizando mais de
1,2 milhão de armas circulando no país, contrariando uma série de estudos e
pesquisadores da segurança pública que alertam sobre a proporcionalidade entre
o aumento do porte de armas e o de violência.
Além
das armas de fogo, as armas virtuais: não há regulamentação rigorosa nas
plataformas digitais contra conteúdos violentos. Esse tipo de mídia é vendida
como qualquer outra: uma primeira pesquisa sobre conteúdo violento aciona os
algoritmos das redes sociais e esse material é entregue para os e as usuárias
das plataformas como um conteúdo qualquer. Houve busca? Há público e
possibilidade de lucro? Então você vai receber sempre mais daquele tipo de
conteúdo. O Twitter, por exemplo, demora na análise destes materiais que fazem
apologia à violência, porque, alegam, não violam os termos do site, e, por
consequência, há morosidade na tomada de iniciativas para a remoção de
conteúdos. No Telegram, milhares de canais informam milhões de pessoas com
notícias falsas e conteúdos de incitação ao ódio e há quem defenda que não haja
regulamentação por ser um canal de comunicação privada. As consequências?
Vivemos nós, de carne e osso, no mundo real. Se a comunicação via plataformas
digitais se torna cada vez mais parte do nosso cotidiano, a internet não pode
ser terra sem lei. Incitar o ódio pela justificativa da liberdade de expressão
não é aceitável.
Se
as consequências da violência na internet são um assunto muito atual, outro é
bem antigo: a violência nas escolas. Estudos mostram que as principais formas
são o bullying e as agressões físicas e verbais. Aqui não podemos correr o
risco de dizer que todo estudante vítima de violência é um futuro assassino. Um
grupo de estudos dirigido pelo professor Daniel Cara, da UNICAMP, aponta a cooptação de jovens que consomem conteúdos
violentos por grupos supremacistas e neonazistas, que criam a partir da
violência uma sensação de pertencimento nesses jovens, que se comunicam em rede
por meio de chats de jogos e fóruns abertos. Segundo os estudos, também é comum
que esses jovens tenham algum tipo de transtorno não identificado ou exposição
a situações prolongadas de violência, moldando o perfil. O grupo monitora
ataques planejados desde 2002 - de lá pra cá, foram listados 22 ataques, sendo
13 deles entre 2021 e 2023.
• O que evitar nesses casos
Muitas
vezes, quem faz um ataque contra uma escola busca visibilidade, projeção, se
tornar um mártir e inspirar outras pessoas. Ao falar sobre, evitemos compartilhar
imagens e nomes. Alguns países já possuem legislação em relação ao tema e este
pode ser um bom momento para beber dessas experiências.
Responsabilizar
a escola (mais especificamente o professor ou professora) por identificar e
resolver a questão pode parecer, a princípio, uma saída viável, mas não é a
mais efetiva. Se por um lado é muito importante que a escola e o professor
sejam, de fato, capazes de captar sinais de que um estudante pode vir a ter um
comportamento violento, é pedir demais que estes indivíduos (que, humanos como
são, estão também em zona de risco, sentem medo e estão receosos) trabalhem
sozinhos nesse sentido. É necessário uma equipe multidisciplinar que acompanhe
os estudantes e que incite o debate nas escolas.
Existe
uma ideia cristalizada de que “aluno bom é aluno que não atrapalha”, quando
esse “atrapalhar” é se expressar, é dar a sua opinião, é participar ativamente
do espaço de socialização e transformar-se através dele. Muitas vezes, o
silêncio é mais que timidez; às vezes, na fala muita coisa se torna aparente.
Se é fato que a escola precisa ser o espaço em que a criança e o jovem se
transformam positivamente, é fato também que ela não se resume à sala de aula e
ao professor, que também precisa ser assistido. Nesse sentido, vale lembrar o
veto integral do ex-presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que pretendia
garantir a presença de psicólogos e assistentes sociais nas escolas da educação
básica para pensar o que NÃO fazer enquanto poder público.
• O caso de Natal
Levar
segurança armada às escolas de ensino infantil também não é a solução - e por
isso lamentamos profundamente que tenha sido aprovado em urgência um Projeto de
Lei com tal escopo em Natal. Diversos pesquisadores no campo da segurança
pública apontam que o caminho não é esse, citando inclusive medidas similares
adotadas nos Estados Unidos, país que mais vivencia esse tipo de problema. Em
entrevista, o Instituto Sou da Paz ainda cita dois ataques, realizados nos
municípios de Parkland e Santa Fe, em escolas em que haviam seguranças armados,
mas não conseguiram impedir, ao todo, a morte de 27 pessoas em 2018.
Evitar
um possível ataque a partir do medo da arma de fogo é, justamente, passar a
mensagem de que as coisas se resolvem (ou se evitam) a partir de violência iminente
- e é justamente esse princípio, enraizado na nossa sociedade, que cria o
ambiente para que esses ataques aconteçam! Um jovem que sente coibido pela
segurança armada pode (1) tentar se munir melhor ou (2) ameaçar um espaço que
ele considere mais vulnerável. Qual é a alternativa? Armar todos os lugares?
Não é mais fácil e efetivo mirar o problema de frente?
Algumas
respostas já estão sendo formuladas e que muito podem servir para construir
alternativas. O governo federal criou um Grupo de Trabalho Interministerial
(com áreas como comunicação, saúde, educação, justiça, juventude e igualdade
racial) para criar um Programa de Enfrentamento e Prevenção à Violência nas
Escolas, mais robusto e com caráter de política permanente. Dentro desse GT, há
um grupo específico para sistematizar as ações que já estão sendo realizadas,
para monitoramento e construção de diretrizes. Além disso, o Ministério da
Justiça editou a Portaria nº 351/2023, para responsabilizar as redes sociais
pelo conteúdo que veiculam, a partir da obrigação em apresentar relatórios
mostrando como autorregulam seus conteúdos, os protocolos para situação de
risco, requisitos para exclusão de perfis e conteúdos violentos, entre outros.
Para
nós, a saída é a educação no seu sentido mais amplo - a que ultrapassa a
escola, a que ensina a conviver com a diferença, a que respeita o outro, a que
entende a tecnologia como algo que deve ser usado por todos e para o bem. O
Estado precisa se responsabilizar e debater a regulamentação das mídias,
garantindo segurança nas redes e no mundo real. Não deve ser tolerável que
plataformas identifiquem manuais ou incitações à práticas de violência e nada
seja feito. Não fugiremos do debate e não deixaremos que segurança armada
pareça a única saída possível para construir uma cultura de paz nas escolas. A
saída é coletiva e permanente.
Fonte:
Por Brisa Bracchi, na Revista Fórum
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