Helena Chagas: Tudo
pode acontecer na CPMI. Mas ainda é cedo para fazer a pipoca
Tudo
pode acontecer na CPMI dos atos golpistas — até mesmo nada. Essa última
possibilidade não é tão remota assim e está no horizonte de aliados do Planalto
que participam das articulações em torno de sua criação, nesta quarta-feira.
Vai depender da boa vontade de dois entes: o presidente da Câmara, Arthur Lira,
e a mídia. Se Lira atuar para que ao menos quatro das cinco indicações do
recém-criado blocão, que tem sua digital, sejam de deputados do PP e do União
de perfil governista, a fatura estará liquidada: o Planalto terá maioria
entre os 15 deputados que vão compor a comissão. No Senado, com a perspectiva
de ter 10 ou 11 dos 15 senadores, isso já está assegurado.
Essa
maioria pode garantir ao governo a eleição do presidente e do relator da CPI, o
controle da pauta de convocações para depoimentos e o rumo das investigações.
Não por acaso, ministros e líderes governistas já espalharam que vão convocar
Jair Bolsonaro, Anderson Torres, general Heleno e outros bolsonaristas que, no
mínimo, passariam por grandes constrangimentos ao serem inquiridos pela
tropa-de-choque do governo: André Janones, Omar Aziz, Renan Calheiros e outros.
Se
a turma do Planalto vai convocá-los mesmo, não se sabe. A simples ameaça, com a
perspectiva de ter maioria na comissão, já pode ser suficiente para reduzir o
ímpeto da suposta investigação parlamentar dos terraplanistas. Todo mundo sabe,
inclusive seus defensores, que a bizarra tese de que as vítimas da tentativa de
golpe seriam responsáveis por ela — a fake news da hora para
justificar o movimento bolsonarista pró-CPI — não tem condições de prosperar. A
intenção sempre foi fazer barulho e pirotecnia — e o inexplicável temor
demonstrado inicialmente pelo governo em relação à comissão apenas atiçou os
ânimos.
O
governo Lula tem alguma razão para ter medo de uma CPI para investigar atos
golpistas dos quais foi claramente a vítima? Racionalmente não. Mas CPI é CPI,
e sempre vem alguém lembrar que sabe-se como elas começam, mas não como
terminam — frase, aliás, erradamente atribuída a Ulysses Guimarães mas que, na
verdade, é de Pedro Simon. Sem contar o fundado receio de que as energias
gastas nesse espetáculo acabem por atrasar a votação da pauta governista, essa
sim fundamental: arcabouço fiscal e reforma tributária.
Confirmado
o acordo político com Lira que dará maioria ao Planalto na CPI — e tornará o
presidente da Câmara mais poderoso e mais ávido por espaços no governo — , a
questão que se coloca no roteiro é o espetáculo proibido para menores de idade.
Se a simples presença de um ministro, como Flavio Dino, em comissões temáticas
da Câmara já produziu cenas de baixaria provocadas pela tropa bolsonarista,
imagine-se uma CPI.
Como
vimos na CPI da Covid, esses duelos são sucesso de público, transmitidos ao
vivo e incendiando as redes. É exatamente o que quer a oposição bolsonarista,
mesmo sabendo que a chance de a investigação parlamentar mostrar algum elemento
a seu favor é zero. Só que os trogloditas não estão preocupados com a
realidade, mas com o espetáculo que pode mobilizar os seus nesses tempos
bicudos. É possível até que o julgamento de Bolsonaro no TSE dispute audiência
com a CPI num certo período.
Se
eu fosse vocês, porém, ainda não botaria a pipoca no microondas. Boa parte da
mídia, sobretudo as grandes redes, pode não dar bom tratamento a Lula, mas
ainda vê com grandes reservas a possibilidade de fortalecer o bolsonarismo e
facilitar seu retorno. São razoáveis, portanto, as chances de essa CPI não ter
a visibilidade midiática de sua antecessora, a da Covid.
Somando-se
a essa circunstância o controle da pauta pelo Planalto, com a ameaça de
exposição de Bolsonaro e aliados mais próximos — inclusive com o avanço de
investigações sobre financiadores e mentores dos atos golpistas — não é irreal
supor que esta CPI pode não dar em nada. Com a devida ressalva de que muita
gente já disse isso e se deu mal…
Ø
Ao
ocultar importantes imagens, o Planalto propiciou o fortalecimento do
bolsonarismo. Por Pedro Dória
Durante
os próximos meses, o foco da política brasileira estará numa CPI onde duas
histórias serão contadas a respeito da Intentona de 8 de janeiro. Numa, o
personagem principal será o ex-presidente Jair Bolsonaro, que passou boa parte
do ano eleitoral incitando um golpe em caso de vitória do adversário. Na outra,
são os bolsonaristas, que terão todos os holofotes que desejarem para convencer
a opinião pública de que o governo Lula é responsável pela tentativa de golpe.
Eles
não tinham palco político relevante desde que deixaram o poder. Agora, terão
todas as câmeras, farão muitas lives, escorrerão novamente para além de suas
bolhas. Tudo isso porque o Palácio do Planalto ainda não entendeu que política,
em 2023, ocorre na forma de histórias contadas em picotes de vídeos e memes no
ambiente digital.
É
uma derrota. Nos últimos quatro meses debatemos muito políticas públicas. Não
fazíamos isso havia quatro anos. Há muito com que discordar do governo, mas,
mesmo com uma tentativa de golpe, as conversas mais importantes foram sobre
arcabouço fiscal, reforma tributária, reforma do ensino médio, Bolsa Família, o
papel do Brasil perante o mundo, regulação das redes. É para esses debates que
governos existem.
A
CPI, que consumirá as energias do Congresso Nacional, nascerá porque alguém, no
Planalto, decidiu que era boa ideia ocultar do público que o general Gonçalves
Dias, até quarta-feira ministro do Gabinete de Segurança Institucional, esteve
no palácio durante o ataque.
Numa
das versões, o próprio Dias negou à Presidência que houvesse fitas. Ele diz que
comunicou ao presidente que a câmera estava quebrada. No mínimo, o general é
uma testemunha da maior importância a respeito do maior ataque orquestrado à
Presidência desde a Intentona Integralista de 1938.
Jamais
existiu a possibilidade de que um vídeo assim, a que muitos bolsonaristas no
coração do Planalto ou da PF teriam acesso, não viesse a público. No momento em
que o governo escolheu ocultar uma informação assim importante, deu ao
bolsonarismo a oportunidade de escolher quando divulgar e ditar os termos.
As
redes sociais e grupos de zap se empestearam, na própria quarta-feira, com a
“prova” de que tudo havia sido orquestrado pelo governo. As imagens não provam
nada. Mas que buraco o governo cavou para si próprio!
Uma
coisa o movimento bolsonarista sabe fazer bem: instalar a confusão num país com
150 milhões de contas de WhatsApp. Eles sabem contar uma história no meio
digital. Juntam cacos de fatos com doses de ambiguidade e mentiras abertas,
empacotam tudo, e desmontar depois é muito mais difícil.
Mas
há muito que o bolsonarismo não sabe fazer. Tem dificuldades de responder
quando está sob pressão, não sabe organizar uma estrutura sucessória, tem
dificuldades de escapar da própria bolha quando não é posto no centro do
picadeiro por outros. Sem governo, o bolsonarismo só fala com os seus. Por
culpa do atual governo, ganhou de presente um fato político que fez instalar
uma CPI. É o picadeiro. Passaremos os próximos meses discutindo Lula versus
Bolsonaro.
Nós
já havíamos saído dessa fase. A lista de derrapadas de Lula não é curta. Num
episódio, não percebeu que estava ao vivo numa entrevista para a internet e
falou do desejo de vingança que teve contra o então juiz Sergio Moro. Deu
holofotes para o senador por duas semanas.
A
confusão da semana passada a respeito das lojas digitais asiáticas se tornou o
tema principal de desgaste do governo nas redes sociais, depois na opinião
pública. As crises deste governo se resumem sempre a isto: comunicação feita
sem disciplina e incompreensão do mundo digital.
Ø
CPI
mostrará que o comissariado petista enrolou-se com uma realidade implausível.
Por Elio Gaspari
Na
quarta-feira deverá ser instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito do 8 de
janeiro. Ela tem todos os elementos para mostrar o óbvio: o Planalto, o
Congresso e o Supremo Tribunal Federal foram invadidos por uma multidão que
pedia um golpe de Estado contra o governo de Lula.
Apesar
disso, o comissariado petista enrolou-se, tentando administrar uma realidade
paralela implausível. Nela, fazia-se de conta que o apagão da segurança de
Brasília ocorreu fora do seu alcance.
O
governo continuou cultivando a realidade paralela na semana passada, ao dizer
que o general da reserva Gonçalves Dias “saiu por conta própria” da chefia do
Gabinete de Segurança Institucional. Ele teve que ir embora depois da
divulgação, pelo repórter Leandro Magalhães, dos vídeos gravados pelas câmeras
do Planalto no dia 8 de janeiro. Eles mostraram a cordialidade do apagão no GSI
invadido.
Esses
vídeos, captados por mais de 30 câmeras, somavam 912 horas e estavam sob a
guarda do GSI. Em abril, ele negou o acesso à CPI da Câmara Distrital de
Brasília, informando que a tarefa era impossível, dado o tamanho do material.
Patranha,
não só porque ele poderia ser copiado em poucas horas, mas também porque uma
semana depois da invasão do Planalto uma parte dos vídeos do Planalto havia
sido divulgada.
Segundo
Gonçalves Dias, todos os vídeos foram entregues às autoridades que investigam
os acontecimentos. Nenhuma câmera estava quebrada ou desligada. Elas mostram,
por exemplo, que o relógio oitocentista do Planalto foi derrubado às 15h33,
recolocado no lugar às 15h43 e derrubado de novo às 16h12.
Gonçalves
Dias contou à repórter Delis Ortiz que chegou ao Planalto quando a manifestação
passava pelo Ministério da Justiça. Logo depois informou que, ao chegar ao
palácio, ele já estava invadido. O chefe do gabinete de Segurança Institucional
não estava no palácio. Basta.
(Vale
lembrar que, na véspera, GDias havia dispensado o reforço do Batalhão da Guarda
Presidencial. No dia 8, essa tropa manteve-se inerte nos momentos críticos.)
Desde
a véspera sabia-se que centenas de ônibus haviam chegado a Brasília.
Manifestantes pedindo um golpe de Estado estavam acampados diante do QG do
Exército há semanas. Nas redes sociais, monitoradas pelo governo, convocavam-se
pessoas para a “festa da Selma”.
Às
9h30 daquela manhã uma mensagem informava: “Não tem que invadir nada, a não ser
na hora certa de comer o bolo da festa da Selma”.
O
bolo da Selma foi comido entre 15h e 15h25, com a invasão do Congresso, do
Planalto e do Supremo Tribunal. Estupendo sincronismo.
Estabeleceu-se
que houve um apagão da segurança em Brasília naquele dia. Ele também foi
relativamente sincrônico, e a investigação da Polícia Federal e do ministro do
STF Alexandre de Moraes reúnem os dados para esclarecer os dois sincronismos.
Às
17h55, Lula decretou a intervenção federal na segurança pública de Brasília. O
presidente desprezou diversas sugestões para que decretasse um regime de
Garantia da Lei e da Ordem, entregando a questão a um comandante militar.
Essa
ideia era defendida por aliados, como o ministro da Defesa, José Múcio, e
também por adversários, como o senador e general da reserva Hamilton Mourão.
Lula sentiu na GLO o cheiro do golpe.
Até
agora, o melhor levantamento dos fatos do 8 de janeiro veio do interventor na
segurança de Brasília, Ricardo Capelli, atual chefe interino do Gabinete de
Segurança Institucional. Nele, vê-se uma parte de quem fez o quê e de quem não
fez o quê, antes e durante as invasões.
Na
quinta, dia 20 de abril, Capelli identificou para o ministro Alexandre de
Moraes os servidores civis e militares que estavam no palácio no dia 8. GDias
devia ter feito isso há meses.
Seja
qual for o governo, o chefe do serviço de segurança sabe, e guarda, segredos
dos titulares. O general GDias chefiou a segurança de Lula durante seus dois
primeiros governos. Nos últimos quatro anos, com Bolsonaro na Presidência,
GDias mostrou que tinha boa memória.
Depois
de deixar o cargo, o general da reserva GDias deu uma entrevista à repórter
Delis Ortiz. Dela, lembrou seus 40 anos de serviços ao Exército, defendeu sua
moral e criticou a reportagem de Leandro Magalhães, que expôs seus movimentos
no Planalto no dia 8 de janeiro. Tudo bem.
No
mesmo dia, o general deveria ter comparecido à Comissão de Segurança Pública da
Câmara dos Deputados para falar sobre o 8 de janeiro, mas faltou, apresentando
um atestado médico da Coordenação de Saúde da Presidência.
Seu
quadro clínico exigiria medicação e observação, “devendo ter ausência em
compromissos justificados por motivo de saúde”. Noves fora o mau português,
ficaram mal o paciente e o médico que assinou a peça.
Ø
Com
a instalação da CPMI, acelera-se o debate político nesta semana agitada. Por
Pefro do Coutto
Na
próxima quarta-feira será instalada a CPI sobre a invasão de Brasília e as
selvagens depredações praticadas no Palácio do Planalto, no Congresso e no
Supremo Tribunal Federal. A oposição traçou uma estratégia na qual pretende, a
meu ver sem sucesso, comprometer o governo nos fatos, transformando a vítima em
meio culpado pelos crimes praticados.
Será
difícil o bolsonarismo alcançar êxito nesta manobra porque os filmes sobre o
episódio, partindo de diversos ângulos e se estendendo a vários panoramas,
revelam os autores, inclusive os que se encontram presos e outros que começam a
ser processados pelo próprio STF,de acordo com a decisão do ministro Alexandre
de Moraes, relator dos dramáticos acontecimentos e seus reflexos no mundo
legal.
DEPOIMENTOS
Os
fatos não param por aí. Vão incluir o depoimento do ex-ministro Anderson
Torres, do general Gonçalves Dias e de militares que integravam o comando do
Gabinete de Segurança Institucional, cujos vultos foram nitidamente captados
pelas câmeras do circuito interno do Palácio do Planalto. Há filmes também
colhidos nos circuitos internos do Congresso e da Suprema Corte do país.
No
O Globo, a reportagem sobre as perspectivas do confronto na CPI é de Camila
Turtelli, Dimitrius Dantas e Lauriberto Pompeu. No Estado de S.Paulo a matéria
é de Julia Affonso, Weslley Galzo, Tacio Lorran e André Borges. A reportagem de
O Estado de S. Paulo inclui fotografias revelando que invasores do Planalto
tentaram roubar o caixa eletrônico instalado na sede do governo. Esta é
uma face nova a ser acrescentada às ações subversivas de 8 de janeiro.
O
próprio ex-presidente Jair Bolsonaro encontra-se convocado a depor à Polícia
Federal e, provavelmente, deve ser convocado pela CPI. Não tenho certeza se na
condição de testemunha ou de acusado pelo comando à distância da violência
desfechada contra as instituições e a democracia brasileira. A semana estará
bastante movimentada no plano do choque político e influenciará para adiar o
debate e talvez a decisão do Legislativo sobre as Medidas Provisórias do
presidente Lula da Silva que determinam a nova estrutura administrativa do
governo.
SEM
FUNDAMENTOS
O
bolsonarismo prepara-se para atacar, mas os seus fundamentos são frágeis. O
fato de o general Gonçalves Dias ser acusado pelo menos de omissão não absolve
ou isenta os autores e a organização do atentado exposto contra o governo.
Tanto que os filmes divulgados, sobretudo pela TV Globo e pela GloboNews,
mostram os invasores vestindo as roupas com as quais compareceram às eleições
de outubro anunciando os seus votos pela reeleição de Jair Bolsonaro.
Bastaria
essa constatação para que se confirmasse a origem intelectual e financeira dos
ataques desfechados e de seus propósitos sinistros. O governo deve dispor de um
sistema de comunicação eficiente como o que se verificou na Comissão
Parlamentar do Senado sobre a Covid e a responsabilidade do Ministério da Saúde
na época. Estará em jogo o confronto com setores radicais da extrema-direita
que não têm propostas construtivas. Está voltada para o negacionismo, a
confusão e a destruição, como se verificou na invasão da capital brasileira.
Fonte:
Os Divergentes/O Globo/Tribuna da Internet
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