terça-feira, 28 de março de 2023

Rússia: perfil da potência que se reinventou após a Guerra Fria

A Rússia, maior país do mundo em extensão territorial que se estende pela Europa e pela Ásia, foi por mais de 70 anos o centro de um grande projeto socialista de partido único.

A entidade política, que reuniu 15 diferentes repúblicas, era chamada de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou simplesmente União Soviética.

Originária de uma tradição de monarquia absolutista, com o poder do Estado nas mãos do czar (imperador), nos tempos soviéticos a Rússia desenvolveu-se e tornou-se o coração de uma superpotência.

Após a Guerra Fria, em que o bloco soviético foi derrotado pelo modelo econômico e político ocidental, e a União Soviética foi desmantelada, a Rússia passou pela década de 1990 em crise. O país, porém, emergiu do período de tumulto político e econômico buscando novamente se impor como uma potência mundial.

Os rendimentos provenientes de seus vastos recursos naturais, principalmente petróleo e gás, ajudaram a Rússia a superar o colapso econômico de 1998. A forte queda no preço do petróleo em 2014, entretanto, colocou um fim a seu longo período de prosperidade.

A estatal Gazprom, que exerce um monopólio no setor de gás, ainda fornece grande parte das necessidades energéticas da Europa.

Após a tentativa de abraçar o modelo de democracia liberal do Ocidente, logo após o fim da União Soviética, a Rússia retomou sua tradição de um Estado forte, com poder concentrado no Kremlin — como é conhecida a sede do governo, em Moscou.

O sistema progressivamente adotado no século 21, que mistura eleições com participação limitada de oposicionistas e grande poder do presidente Vladimir Putin sobre os assuntos nacionais, é considerado por analistas estar mais próximo de um regime autoritário do que de uma democracia plena.

Vladimir Putin — figura política dominante desde 2000 — aumentou seu controle sobre instituições estatais e a mídia, em um processo reforçado mais recentemente por uma ênfase num forte nacionalismo e na hostilidade contra o Ocidente.

Sob a liderança de Putin, a Rússia aumentou suas ações militares em regiões consideradas estratégicas para o país. A intervenção do país em favor de Bashar al-Assad, na Síria, garantiu a sobrevivência do regime durante a guerra civil no país, iniciada em 2012.

Na Ucrânia, Moscou interveio em 2014 e anexou a região da Criméia como parte da Rússia, além de fornecer apoio militar e logístico a rebeldes da região de Donbas, no leste da Ucrânia, que foi reconhecida como independente pelo Kremlin em fevereiro de 2022.

No final dos anos 2010, o regime russo foi acusado de tentar interferir em disputas eleitorais no Ocidente, particularmente nos Estados Unidos, por meio da promoção de informações falsas na internet, especialmente em redes sociais.

FATOS

•        Federação Russa

Capital: Moscou

População 142,7 milhões

Área 17 milhões de quilômetros quadrados

Principal língua Russo

Principais religiões Cristianismo, islã

Expectativa de vida 63 anos (homem), 75 anos (mulher)

Moeda Libra

Fonte: ONU, Banco Mundial

LÍDER

Presidente: Vladimir Putin

Vladimir Putin tem sido a figura política dominante da Rússia desde sua eleição como presidente em 2000, inicialmente servindo por dois mandatos. Em seguida, Putin ocupou o posto de primeiro-ministro por quatro anos, para depois reassumir a presidência em 2012 e ser reeleito em 2018.

Desde sua reeleição, obtida apenas contra opositores de pouca relevância, as autoridades russas reforçaram seu controle sobre a mídia, sufocando assim um embrionário movimento oposicionista. Ele também adotou um curso estridentemente nacionalista e apelou às memórias do poder da era soviética para conseguir mais apoio da população.

O presidente apresenta-se como um forte líder que retirou a Rússia da crise econômica, social e política dos anos 1990 e defende os interesses nacionais russos, particularmente contra uma suposta hostilidade ocidental.

Opositores e críticos no país e no exterior o acusam de enfraquecer as instituições russas, paralisando o desenvolvimento democrático e consolidando o poder de uma pequena e abastada elite.

MÍDIA

A televisão da Rússia é dominada por canais que ou são dirigidos diretamente pelo Estado ou são propriedade de empresas com ligações próximas com o Kremlin.

O governo controla o Canal Um e a Rússia Um — dois dos três principais canais federais —, enquanto a gigante de energia Gazprom, controlada pelo Estado, é dona da NTV. A televisão é a principal fonte de informação para a maior parte dos russos.

Existe um mercado de TV paga que cresce rapidamente, liderado transmissora por satélite Tricolor. O governo está desenvolvendo um projeto para levar a TV digital para todas as residências no país.

Dos 16 mil jornais registrados no país, 22 podem ser descritos como títulos nacionais. Os jornais mais populares são pró-Kremlin. Vários diários influentes são de propriedade de empresas com ligações próximas com o governo.

Grandes empresas donas de jornais tornaram-se, nos últimos anos, operações multimídia, para superar os problemas trazidos pelo declínio na circulação de edições impressas.

A supressão de material politicamente sensível é disseminada em grande parte da mídia russa. Jornalistas que criticam as autoridades correm o risco de sofrer represálias, incluindo violência física e perseguição jurídica.

Veículos de mídia críticos do Kremlin sofrem vários tipo de pressão, incluindo pressão econômica, o que torna difícil sua viabilidade econômica. O número e o alcance da mídia independente foram significativamente reduzidos desde que Vladimir Putin chegou ao poder.

Cerca de 80% dos russos usam a internet. Embora a rede seja menos controlada que a mídia tradicional, as autoridades estenderam sua pressão sobre o ciberespaço, aprovando leis que permitem o bloqueio de conteúdo e dão aos serviços de segurança maior acesso a dados de usuários.

Oficiais russos têm demonstrado disposição em limitar a influência dos gigantes internacionais da internet. A Lei da Internet Soberana, de 2019, pavimentou o caminho para o que é chamado no país de internet "autônoma" ou "soberana" na Rússia.

As autoridades estão cada vez mais em conflito com as grandes empresas de tecnologia americanas — Google, Facebook e Twitter —, mais recentemente devido a restrições impostas pelas plataformas sobre conteúdo vindo a partir da mídia estatal russa.

RELAÇÕES COM O BRASIL

Brasil e Rússia tiveram fases de distanciamento e até rompimento diplomático em seus quase 200 anos de relações oficiais.

As relações diplomáticas entre o Brasil imperial e a Rússia czarista foram estabelecidas em 1828. Em 1917, porém, veio o primeiro rompimento pelo Brasil, que não reconheceu o novo governo bolchevique.

As relações entre os dois países foram retomadas em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, mas novamente rompidas pelo Brasil dois anos depois.

Foram retomadas apenas em 1961, no governo do presidente João Goulart.

Em 1988, o presidente José Sarney visitou a ainda União Soviética, e os dois países aproximaram-se ainda mais após o fim do regime comunista e a dissolução da antiga superpotência.

As visitas mútuas de chefes de governo tornaram-se mais comuns, com os contatos ainda mais frequentes após 2009, ano da criação do grupo Brics, — que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O fluxo de comércio entre os dois países era de US$ 5 bilhões em 2018.

LINHA DO TEMPO

<<< Importantes datas na história da Rússia.

# Século 9 - Fundação do Kievan Rus, primeiro grande Estado eslavo oriental. O relato tradicional, motivo de debate entre historiadores, atribui sua fundação ao semilendário Oleg, um líder viking (ou varangianos, como são chamados os vikings que seguiram para o oriente) soberano de Novgorod. Oleg tomou a cidade de Kiev, na atual Ucrânia, que se tornou a capital de Kievan Rus devido a sua localização estratégica no rio Dnieper.

# Século 10 - A dinastia Rurik é estabelecida, e o governo do príncipe Vladimir, o Grande (príncipe Volodymyr, em ucrianiano), marca o começo de uma era de ouro. Em 988 Vladimir abraça o cristianismo ortodoxo e inicia a conversão de Kievan Rus ao rito bizantino, dessa forma definindo o cristianismo no Oriente.

# Século 11 - Kievan Rus atinge seu auge sob Yaroslav, o Sábio (grande príncipe de 1019 a 1054), com Kiev tornando-se o principal centro político e cultural do Leste Europeu.

1237-40 - Os mongóis invadem os principados de Rus, destruindo várias cidades e encerrando o poder de Kiev. Os tatars (como ficaram conhecidos os invasores mongóis) estabelecem o império da Horda Dourada no sul da Rússia, e o khan (líder) da Horda Dourada torna-se o líder supremo dos príncipes russos.

1547 - O Grande Príncipe Ivan IV de Moscou (Ivan, o Terrível) é o primeiro governante a ser proclamado czar da Rússia.

1613 - O Conselho Nacional elege Michael Romanov como czar, encerrando um longo período de instabilidade e intervenção estrangeira. A dinastia Romanov governa a Rússia até a revolução bolchevique de 1917.

1689-1725 - Pedro, o Grande, introduz amplas reformas, incluindo um Exército e uma Marinha regulares, com alistamento obrigatório, subordinando a Igreja Ortodoxa a sua autoridade e reorganizando estruturas em linha com as da Europa.

1721 - A Rússia adquire os territórios das atuais Estônia e Letônia após décadas de guerra contra a Suécia, estabelecendo uma presença naval no Mar Báltico e uma "janela na Europa".

1772-1814 - A Rússia conquista a Crimeia, a Ucrânia, a Geórgia e o que posteriormente se tornaria Belarus, além da Moldova e partes da Polônia.

1798-1815 - A Rússia participa das coalizões europeias contra a França napoleônica e revolucionária, derrotando a invasão de Napoleão em 1812 e contribuindo para sua derrubada.

1853-57 - A Rússia sofre um revés em sua tentativa de tomar território do Império Otomano, que estava em declínio, ao ser derrotada na Guerra da Criméia.

1877-78 - Com novo conflito entre russos e turcos, a Rússia toma territórios do Império Otomano no Cáucaso e estabelece Estados clientes de Moscou nos Bálcãs.

1897 - Fundação do Partido Marxista Social-Democrata, que em 1903 se dividiria entre a mais moderada facção menshevik e a bolshevik, mais radical.

1904-05 - A expansão russa na Manchúria leva a uma guerra com o Japão — e à Revolução de 1905, que forçou o czar Nicolau 2º a aceitar uma Constituição e estabelecer um Parlamento, a Duma (nome também usado atualmente).

1914 - A rivalidade entre Rússia e Áustria nos Bálcãs contribui para o início da Primeira Guerra Mundial, em que a Rússia lutou ao lado da Grã-Bretanha e da França.

1917 - Nicolau 2º abdica. Revolucionários bolcheviques liderados por Vladimir Lenin derrubam o governo provisório e tomam o poder.

1918-22 - Em março de 1918, o novo regime, liderado por Lenin, assina um acordo de paz com a Alemanha e deixa a Primeira Guerra. Internamente, uma guerra civil entre o Exército Vermelho bolchevique e os anticomunistas Brancos dura até 1922.

1922 - Os bolcheviques reorganizam o que restava do Império Russo, formando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Anos 1930 - Após conseguir se impor como sucessor de Lenin, apesar de suas divergências com o líder da revolução bolchevique, Josef Stalin lidera uma segunda revolução para consolidar seu poder. Ele concentra a propriedade de terra em enormes cooperativas estatais, forçando o ritmo da industrialização do país, e mata seus inimigos — tanto reais como imaginários —, tanto dentro do partido comunista como no comando da economia, no serviço público e nos aparatos militar e de segurança.

1939 - Stalin assina um pacto de não-agressão com a Alemanha Nazista, tomando assim o leste da Polônia, partes da Romênia e da Thecoslováquia.

1941 - A União Soviética é surpreendia com um ataque da Alemanha em julho. Os alemães avançam pelo país e só são contidos nas cercanias de Moscou, em dezembro. O regime soviético forma uma aliança com o Reino Unido e os Estados Unidos, que fornecem armamentos a Moscou durante o restante da guerra.

1942 - As forças armadas soviéticas forçam o recuo das tropas alemãs depois da Batalha de Stalingrado.

1945 - Vitória dos aliados sobre a Alemanha Nazista é seguida pelo rápido estabelecimento de uma hegemonia soviética na Europa Central e do Leste, incluindo a incorporação dos Estados bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia). Com o fim da Segunda Guerra, começam as décadas da Guerra Fria, um período de rivalidade com o Ocidente em que a URSS domina a parte leste da Europa por meio do Pacto de Varsóvia, formando o que ficou conhecido no Ocidente como Cortina de Ferro.

1953 - A morte do ditador Joseph Stalin dá início a um período de menos repressão na URSS, embora o domínio do Partido Comunista continue firmemente mantido.

1991 - A Rússia torna-se independente com o colapso da União Soviética, sob a liderança de Boris Ieltsin. Ao lado de Ucrânia e Belarus, forma a Comunidade de Estados Independentes, que eventualmente recebe também a maioria das outras ex-repúblicas soviéticas.

1998 - Após anos tentando se recuperar do colapso causado pelo fim da URSS, a Rússia sofre nova grave crise econômica, com queda de 5,3% do PIB.

2000 - O primeiro-ministro Vladimir Putin assume como presidente, após a renúncia de Boris Ieltsin, e inicia uma firme reorientação da Rússia, afastando-se da democracia e do Ocidente e na direção de uma política mais nacionalista e autoritária.

2000-2009 - Putin lidera uma nova guerra contra rebeldes na província russa da Chechênia, no Cáucaso, marcada por acusações de violações de direitos humanos por tropas russas e a quase completa destruição da capital da província, Grozny. O conflito também levou a uma série de ataques de grupos rebeldes chechenos contra civis na Rússia, com destaque para a tomada de um teatro em 2002, que terminou com a morte de cerca de 170 pessoas, e um ataque a uma escola na cidade de Beslan, na república da Ossétia do Norte, em que mais de 300 pessoas foram mortas, incluindo quase 200 crianças.

2014 - A Rússia toma o controle da região ucraniana da Criméia, levando à maior disputa entre Oriente e Ocidente desde o fim da Guerra Fria até então. Moscou também apoia o levante de rebeldes nas províncias de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia, conhecidas conjuntamente com a região de Donbas. Os insurgentes vencem inicialmente o regime, e Donetsk e Luhansk ficam na prática desconectadas de Kiev.

2015 - Moscou inicia uma intervenção militar na Síria em apoio a eu aliado, o presidente Bashar al-Assad. Marcada por sistemáticos bombardeios de posições rebeldes, incluindo regiões ocupadas pelo jihadista Estado Islâmico e áreas ocupadas por civis, a intervenção assegura a permanência do regime de Assad no poder em Damasco.

2018 - Vladimir Putin é eleito para um quarto mandato como presidente, em uma disputa contra candidatos de pouca importância.

2020 - Mudanças na Constituição que permitem que Putin fique na Presidência até 2036 são aprovadas em plebiscito nacional.

2021 - A Rússia concentra tropas na fronteira com a Ucrânia e pressiona o Ocidente para desistir de incorporar o país vizinho à Otan, a aliança militar ocidental. Putin reclama da expansão da Otan na direção do leste da Europa e ressalta o que considera como laços históricos entre Rússia e Ucrânia, levando a comunidade internacional a esperar uma possível nova invasão russa do território ucraniano.

2022 - Após reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk, na região de Donbas, Rússia invade Ucrânia e realiza operações militares em diversas cidades, iniciando uma guerra que destruiu grande parte da infraestrutura ucraniana em um ano.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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