sexta-feira, 31 de março de 2023

Possíveis caminhos para a política externa de Lula no 3º mandato

Com o retorno de Lula ao poder, o Brasil se prepara para uma nova (re)inserção do país no plano global. Mas quais deverão ser os caminhos trilhados por Brasília no objetivo de recobrar seu papel "mais altivo" nas relações internacionais?

A resposta pode estar em uma entrevista recente concedida pelo atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. Nela, Vieira delineou os possíveis caminhos da política externa de Lula em seu terceiro mandato, mencionando que a "doutrina Lula" deverá se basear numa "recuperação da imagem do Brasil" no mundo.

Com isto, o país seguirá novamente sua tradição diplomática de diálogo com todos os tipos de interlocutores, independentemente de orientação política.

A observação do chanceler brasileiro visou contrastar a atuação historicamente multilateral do Brasil nas relações internacionais com o período da administração anterior de Jair Bolsonaro, pautada por aproximações bilaterais com líderes de Estado mais ideologicamente alinhados ao ex-presidente.

Compete lembrar que, no decorrer do governo Bolsonaro, o Brasil concentrou-se em estreitar laços com os Estados Unidos de Donald Trump, assim como com Israel, liderado por Benjamin Netanyahu. Nesse processo, o Brasil acabou alienando outras relações importantes do país, especialmente com parceiros em regiões como América Latina, Oriente Médio, Ásia e África.

De começo, o retorno do Brasil para o quadro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) realizado no início desse ano já aponta para um revigoramento dos laços políticos do Brasil com os países latino-americanos.

Com efeito, uma das diretrizes da política externa brasileira presentes em sua Constituição de 1988 é a de fomentar a integração e a "formação de uma comunidade latino-americana de nações".

Ao comentar sobre China, Mauro Vieira observou que o país asiático modificou significativamente sua posição internacional ao longo dos últimos anos, tornando-se uma "superpotência", destacando o fato de o Brasil — assim como a maioria dos países da América Latina — terem na China seu principal parceiro comercial.

A administração anterior de Jair Bolsonaro, em contrapartida, vivenciou determinados desentendimentos diplomáticos com os chineses, sobretudo com relação à pandemia da COVID-19, com associados próximos ao presidente (além de seu próprio filho, o deputado Eduardo Bolsonaro) suscitando a suspeita de que a China teria espalhado o vírus pelo mundo "por razões econômicas e geopolíticas", discurso esse que ecoava as suspeitas levantadas por Trump nos Estados Unidos.

Parte desse processo de "recuperação da imagem do Brasil", portanto, passa pela reaproximação diplomática com a China pretendida pelo governo Lula. Com isto, a China deverá representar um importante vetor para as relações internacionais do país, com a continuidade nas relações comerciais bilaterais a ser marcada pela exportação de commodities brasileiras (sobretudo minério de ferro, petróleo e produtos agropecuários) ao mercado chinês.

No contexto do conflito na Ucrânia, Mauro Vieira chamou a atenção para a paralisia do Conselho de Segurança da ONU, que demonstrou uma clara incapacidade de atuar como fator decisivo para a resolução da crise no Leste Europeu.

Vieira tocou em um ponto bastante recorrente durante os dois primeiros mandatos de Lula, a saber, na obsolescência quanto à composição do Conselho da ONU, dado que sua formação original desde 1945 já não reflete mais as realidades do mundo contemporâneo.

De acordo com o chanceler brasileiro, os mecanismos de diálogo existentes nas Nações Unidas hoje são insuficientes para que ela tenha um papel fundamental na defesa da paz mundial. A política externa de Lula, por sua vez, deverá voltar a ser atuante novamente nesse sentido, sobretudo nas discussões quanto a uma reformulação do Conselho de Segurança.

Não obstante, Vieira ainda relembrou que Lula é um dos poucos líderes mundiais que fez um chamamento à paz em relação ao conflito na Ucrânia, no intuito de que mais países possam começar a discutir de alguma forma a possibilidade de instigar todas as partes envolvidas (Rússia, Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos) a buscar um fim definitivo para as hostilidades.

Há que se levar em conta que, após o início da conflagração militar entre Rússia e Ucrânia no começo do ano passado, a administração anterior de Jair Bolsonaro eximiu-se de tecer críticas a Putin ou mesmo de impor sanções duras contra a Rússia, apesar de o Brasil ter votado contra as ações de Moscou na ONU.

Lula, por sua vez, demonstrou entender que os dois lados seriam responsáveis pelo conflito, e que o Brasil não deseja prejudicar suas relações nem com a Ucrânia nem muito menos com a Rússia (seu parceiro no BRICS). O governo Lula também realizou uma importante sinalização política quando se recusou a enviar munições e armamentos para a Ucrânia após sofrer pressão por parte de alemães e americanos, reforçando o papel do Brasil como um defensor da "resolução pacífica de conflitos".

Por fim, Mauro Vieira ressaltou que a política externa de Lula em seu terceiro mandato não deverá ser pautada em "alinhamentos automáticos", sendo guiada unicamente pelo interesse nacional brasileiro dentro e pela afirmação da importância do multilateralismo nas relações internacionais.

Atualmente, vemos surgir uma oposição cada vez mais clara entre os Estados Unidos e a China, que periga envolver também outras potências regionais (como o Brasil) e demais potências menores dentro do sistema. Diante desse contexto, Vieira apontou para as boas relações que o Brasil tem com ambos os atores, indicando que Lula não deverá fazer movimentos muito bruscos de alinhamento nem a um nem a outro.

A posição geográfica do Brasil, nesse caso, torna-se um fator decisivo. Historicamente o país sofreu uma forte influência cultural e política dos Estados Unidos, além de ter sido alvo de intervenções externas dos americanos em seus assuntos domésticos por mais de uma vez ao longo de sua história.

Por outro lado, o Brasil dos anos Lula se viu mais próximo da Ásia e sobretudo da China no âmbito de sua cooperação econômica com Pequim, assim como por sua participação ativa no BRICS.

Logo, embora não pretenda realizar alinhamentos automáticos (como ocorrera na administração anterior) a nenhuma das duas superpotências (Estados Unidos e China) hoje em competição, o Brasil possui sim condições de desempenhar um papel relevante como uma potência regional responsável (e potencial líder do Sul Global) dentro do sistema internacional, reafirmando a importância de defender os princípios do multilateralismo, da paz e da oposição a quaisquer tipos de "abordagens unilaterais" para a solução dos conflitos e dos problemas que o mundo enfrenta nessa terceira década do século XXI.

 

       Especialistas: China e Brasil reforçam relações e dão golpe no dólar

 

Na quarta-feira (29) foi assinado um acordo bilateral entre o Brasil e a China que, na avaliação de dois especialistas, aumenta a segurança dos pagamentos e pode reforçar as moedas dos dois países.

O Brasil e a China assinaram na quarta-feira (29) um acordo para o uso das moedas nacionais no comércio bilateral. Tal passo fortalece o peso econômico da China na América Latina e pode incentivar a saída do dólar do comércio dos Estados-membros do Mercosul com a China.

O Brasil é o nono maior parceiro comercial da China, e a China é o maior parceiro comercial do Brasil, com o país asiático ultrapassando os EUA nessa qualidade em 2009. As estatísticas da Administração Geral de Alfândegas da China mostram que o comércio bilateral atingiu US$ 171,49 bilhões (R$ 878,27 bilhões) em 2022, um aumento de 4,9% em relação a 2021. Enquanto isso, as exportações do Brasil para a China foram de US$ 89,43 bilhões (R$ 458,01 bilhões) em 2022, o que representa 26,8% do total de suas exportações.

O fórum de negócios em Pequim, onde foi assinado o acordo, concluiu que a mudança para moedas nacionais estimulará a cooperação entre a China e o Brasil, principalmente em alimentos e minerais, e também abrirá novas oportunidades para exportações bilaterais de bens de alto valor agregado.

Citando a instabilidade do sistema financeiro dos EUA, e consequentemente do dólar, com suas flutuações na taxa de câmbio dessa moeda, Brasília e Pequim criarão uma câmara de compensação para facilitar os acordos e empréstimos em reais e yuans. Ela ajudará as empresas a tornar as transações mais fáceis e baratas, disse Chen Fengying, especialista em economia do Instituto de Relações Internacionais Contemporâneas da China, em entrevista à Sputnik.

"Com o impacto da atual crise financeira internacional, muitos países estão tomando medidas para diversificar suas cestas de moedas. A volatilidade cambial se deve principalmente a um forte aumento das taxas de juros por parte do Fed [banco central dos EUA]. Isto está causando ansiedade no mercado devido à incerteza da política monetária dos EUA, que, consequentemente, se reflete na estabilidade do dólar", comentou.

Ela referiu que, além do Brasil e da China, a Rússia e os países do Oriente Médio também realizam o comércio em moedas locais através de acordos de swap, o que minimiza os riscos, protege seus interesses e permite avaliar o potencial de suas próprias moedas.

Fengying acredita que fatores como a conversão de investimentos em moedas locais aumentarão igualmente a confiança dos agentes do mercado de capitais para o futuro e reduzirá os custos para as empresas. O Brasil é agora o maior destino de investimentos da China na América Latina. Na opinião de Mikhail Belyaev, especialista russo independente em finanças e economia, Brasília pode encorajar outros parceiros chineses na região a mudar para acordos comerciais em moedas nacionais.

"Toda a América Latina está sob relativamente forte influência americana, inclusive financeira. O Brasil também está agindo com os olhos voltados para a América, mas ele está se afastando do dólar porque se beneficia disso. O dólar é 'tóxico'. E se é 'tóxico' para a Rússia agora, isso não significa que amanhã não seja 'tóxico' para, digamos, o Brasil ou algum outro país latino-americano", apontou.

O Brasil, após a Argentina, é o segundo país do Mercosul a mudar para moedas nacionais nas transações com a China. A China atualmente tem 25 países com que faz comércio em yuans.

 

       Brasil não assina texto final da cúpula dos EUA por achar que evento foi usado para condenar Rússia

 

Cúpula pela Democracia promovida pelo governo Biden chegou ao seu último hoje. O evento, que em sua maioria é virtual, não contou com a participação de Lula por seu estado de saúde, mas o mandatário enviou uma carta na qual diz que "a defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões".

Nesta quinta-feira (30), o governo brasileiro decidiu não assinar a declaração final da Cúpula pela Democracia, evento promovido pelos Estados Unidos, uma vez que a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não concorda com o foco dado ao conflito na Ucrânia e com a "utilização" da cúpula para condenar a Rússia.

O Itamaraty acredita que o âmbito para tratar do conflito são as Nações Unidas, tanto a Assembleia Geral como o Conselho de Segurança, de acordo com o jornal O Globo. Em uma carta enviada à cúpula por Lula, o presidente diz que "a bandeira da defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões".

"[…] Atravessamos um momento de ameaça de uma nova guerra fria e da inevitabilidade de um conflito armado. Todos sabem os custos que a primeira guerra teve em gastos com armas em detrimento de investimentos sociais. A bandeira da defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões. Defender a democracia é lutar pela paz. O diálogo político é o melhor caminho para a construção de consensos […]", diz o texto citado pela mídia.

Segundo o jornal, o mandatário não gravou um vídeo pelo quadro de pneumonia, e, anteriormente, informaram que Lula não poderia participar virtualmente porque a data coincidia com a viagem à China.

Ainda assim, o presidente destacou que lamenta a "as consequências humanitárias […]" do conflito e expressou preocupação com "o alto número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças, o número de deslocados internos e refugiados […]" além do "impacto adverso da guerra na segurança alimentar global, energia, segurança e proteção nuclear e o ambiente".

A mídia também relata que outros países, como a Índia, vão assinar a declaração, mas fazendo uma reserva sobre os pontos em que se menciona o conflito na Ucrânia.

Apesar das pressões de americanos e europeus, fontes diplomáticas afirmaram que o Brasil mantém sua decisão e sua tradição histórica de sustentar suas posições no direito internacional e, neste caso, na Carta das Nações Unidas.

No órgão internacional, Brasília condenou a operação da Rússia, mas o governo brasileiro se opôs a medidas unilaterais, como sanções e envios de armas, além de ser contra a expulsão de Moscou de organismos internacionais.

Quando Lula foi a Washington com a ideia de criar um clube de paz para que países pudessem mediar o cessar-fogo entre Moscou e Kiev, o governo Biden não se mostrou muito inclinado a elaborar a ideia.

Segundo o cientista político Guilherme Carvalhido, entrevistado pela Sputnik Brasil, para Joe Biden não seria "[…] desejoso ver Lula como um comandante [da interrupção do conflito]. Pelo contrário, ele quer que Lula tenha os interesses norte-americanos acima dessa posição. Por isso essa paz não se coloca como uma posição favorável ao acolhimento de Biden", afirmou.

A cúpula liderada por Biden gera controvérsias, uma vez que, entre outros motivos, exclui países da região, entre eles Venezuela, Nicarágua e Cuba, escreve O Globo. Ao mesmo tempo, desconsidera temas observados como importantes pelo Brasil, como a situação da Palestina.

 

       Mídia: Lula reconhece terem sido inadequadas as declarações sobre Moro

 

Após declarações seguidas que envolviam o ex-juiz Sergio Moro, Lula teria reconhecido que precisa ter mais cuidado antes de ser "franco demais" em suas opiniões. Ministros do STF acreditam que não há quem fale de "igual para igual" com presidente.

Na semana passada, o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, "abriu o verbo" em relação ao ex-juiz e agora ministro Sergio Moro. Em dois dias seguidos, Lula relembrou seu período preso após ser julgado por Moro e fez declarações acerca do que pensa sobre o plano de matar o senador que veio à tona nos últimos dias.

Porém, o presidente teria se arrependido das declarações e reconheceu que errou, de acordo com a coluna de Lauro Jardim em O Globo.

O colunista afirma que também há um consenso entre os assessores e ministros mais próximos de que o ato foi um deslize com consequências para sua imagem política, visto que as declarações foram amplamente usadas pela oposição.

Um assessor direto do petista chegou a falar com Lula: "O senhor ganhou, presidente. Qual é o sentido de o campeão provocar o perdedor?", teria dito o assessor segundo a mídia.

No último dia 21, Lula recordou o tempo que passou preso na PF de Curitiba e disse que, quando era perguntado se estava tudo bem, respondia: "[...] Não, só vai estar tudo bem quando eu f**** o Moro".

No dia seguinte, 22, após o ex-juiz dizer que o Primeiro Comando da Capital (PCC) queria o sequestrar e matar, o presidente afirmou que tudo não passava de "armação do Moro", conforme noticiado.

Além das falas sobre Moro, há as declarações sobre o Banco Central e sobre o chefe do banco, Roberto Campos Neto. Ao ser independente, a instituição financeira tem a opção de não baixar a taxa de juros, uma das maiores reclamações do presidente. Atualmente, o Brasil tem a maior taxa de juros do mundo.

Para ministros do Supremo, ouvidos pelo jornalista Valdo Cruz em O Globo, não há quem "fale de igual para igual com Lula" neste momento, o que colabora para declarações delicadas que podem comprometer a própria gestão.

Os ministros avaliam que Lula está errando porque seus assessores não conseguem alertá-lo sobre "bolas divididas" em que não deveria entrar.

"Não tem ninguém que fale de igual para igual com ele, não tem mais José Dirceu, Antonio Palocci, Luiz Gushiken, José Genoíno, que traziam Lula para a realidade quando ele derrapava", avaliou um ministro do STF ao colunista.

Para eles, o único que atualmente fala no mesmo tom com Lula é o líder do governo no Senado, Jaques Wagner. Porém, o ex-ministro não está no Palácio do Planalto para tentar controlar o amigo e evitar que ele crie crises para o próprio governo.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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