O acordo para
indenizar vítimas da 2ª Guerra Mundial que aproxima Japão e Coreia do Sul após
anos de tensão
A
Coreia do Sul apresentou nfo dia 08 de março deste anos um plano para indenizar
um grupo de cidadãos forçado a trabalhar em fábricas do Japão durante a 2ª
Guerra Mundial.
O
objetivo é resolver um conflito histórico que prejudica as relações entre os
dois países por muitos anos.
No
entanto, a decisão gerou forte controvérsia na Coreia do Sul, a ponto de
algumas das vítimas se recusarem a aceitar a compensação.
Enquanto
as autoridades sul-coreanas e japonesas descreveram o acordo como um grande
avanço, oponentes fizeram muitas críticas, acusando o Japão de se isentar de
sua responsabilidade com as vítimas.
Cerca
de 150.000 coreanos foram forçados a trabalhar em fábricas e minas no Japão
durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945).
Naquela
época, o Japão dominava toda a Península Coreana, território que colonizou de
1910 até sua derrota na guerra em 1945.
O
acordo prevê que empresas sul-coreanas contribuam com um fundo público de
compensação das vítimas, algo que incomoda parte das vítimas e suas famílias,
que consideram que a indenização deve ser paga pelas empresas japonesas
envolvidas.
O
governo do Japão celebrou a decisão de Seul de não pedir às entidades japonesas
que pagassem a compensação, algo que as administrações sul-coreanas anteriores
haviam exigido.
Manifestantes
se reuniram nesta segunda em frente ao Ministério das Relações Exteriores, no
centro de Seul, para condenar o plano.
• Um obstáculo na relação
Em
2018, a Suprema Corte da Coreia do Sul reconheceu o direito de 15 vítimas de
trabalho forçado de receber uma indenização empresa de aço Nippon Steel e da
divisão da indústria pesada da Mitsubishi.
As
duas empresas japonesas se recusaram a cumprir a decisão, o que gerou
desconforto na sociedade sul-coreana, tensionou as relações entre os dois
países e abriu as portas para a possibilidade de que as autoridades de Seul
tenham desperdiçado ativos das subsidiárias locais de ambas as empresas.
Em
retaliação, o governo japonês impôs controles de exportação à Coreia do Sul de
três materiais-chave para a fabricação de chips e telas de celulares, e
eliminou o vizinho de sua lista de parceiros comerciais preferenciais.
Seul
também anunciou na segunda-feira, juntamente com a apresentação do plano, que
retirará uma queixa feita à Organização Mundial do Comércio (OMC) por esse
boicote e que ambos os países iniciarão consultas bilaterais para normalizar a
situação nas alfândegas.
O
presidente da Coreia do Sul, o conservador Yoon Suk-yool eleito no ano passado,
tenta recuperar as relações com o Japão.
Os
Estados Unidos pressionaram os dois países, ambos grandes aliados na região,
para melhorar suas relações.
O
presidente dos EUA, Joe Biden, descreveu o plano como "inovador".
Seul
afirma que as empresas sul-coreanas que se beneficiaram de um tratado de 1965
no pós-guerra devem pagar as indenizações.
• As vítimas
O
fundo de US$ 3 milhões (R$ 15,5 milhões) será distribuído entre as famílias das
15 vítimas que prestaram queixa originalmente, das quais apenas três ainda
estão vivas.
As
três anunciaram que se recusarão a aceitar o dinheiro.
O
ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Park Jin, justificou a
proposta, alegando que quebrar o "círculo vicioso" com o Japão em
torno dessa questão é de interesse nacional.
Ele
indicou seu desejo de que Tóquio "responda positivamente, com
contribuições voluntárias de empresas japonesas e um pedido de desculpas
integrais", informou a agência de notícias sul-coreana Yonhap.
"Se
compararmos com um copo de água, acho que é mais da metade", disse ele à
imprensa.
O
chanceler do Japão, Yoshima Hayashi, também elogiou o plano e indicou que seu
governo permitirá que as empresas do país ingressem no fundo público.
E
expressou sua esperança de que, a partir de agora, trocas políticas e culturais
entre os dois vizinhos sejam estendidas.
No
entanto, os grupos que representam as vítimas na Coreia do Sul criticaram o
projeto.
"O
governo coreano concede imunidade em suas obrigações legais com as empresas
japonesas acusadas", disse os advogados das vítimas em comunicado.
"Não
aceitarei dinheiro que parece implorado", protestou uma vítima, Yang
Geum-Zok, de acordo com a Yonhap.
Ele
alegou que os envolvidos no Japão "devem se desculpar primeiro e depois
trabalhar em todo o resto".
O
principal líder do Partido Democrata da oposição da Coreia do Sul, Lee Jae-Myung,
descreveu a proposta como "a maior humilhação e mancha na história da
diplomacia".
Não
está claro se as empresas japonesas mencionadas na decisão judicial de 2018
farão contribuições voluntárias.
• O tratado de 1965
A
Mitsubishi e a Nippon Steel não se pronunciaram sobre o novo acordo, pois ambas
sustentam que a compensação pelos períodos de guerra foi resolvida com o
tratado de 1965.
Esse
acordo incluiu um pacote de reparo de cerca de US$ 800 milhões (R$ 4,1 bilhões)
em subsídios e empréstimos vantajosos do Japão à Coréia do Sul.
Tóquio
sustenta que o tratado resolveu todas as reivindicações relacionadas ao período
colonial, mas os governos sul-coreanos questionaram essa ideia nas últimas
décadas.
Espera-se
que o novo plano permita que ambos os países superem um obstáculo importante em
seu relacionamento e, assim, passem a cooperar mais em questões de segurança em
um momento em que as ameaças da Coreia do Norte e da China aumentam.
As
disputas bilaterais que datam da colonização também incluem o delicado tema da
indenização para mulheres coreanas que foram sexualmente escravizadas pelo
Japão durante a 2ª Guerra Mundial.
Em
2015, um acordo foi assinado para resolver a disputa relacionada às chamadas
'mulheres de conforto'. Incluía um pedido de desculpas do Japão e a criação de
um fundo de 1.000 milhões de ienes (R$ 37 milhões) para as sobreviventes.
No
entanto, três anos depois, a disputa diplomática foi reaberta quando Seul
dissolveu o fundo sob o argumento de que não foi feito o suficiente pelas vítimas.
Por que Japão quer acabar com pacifismo
militar adotado após derrota na Segunda Guerra
Era
uma das principais plataformas políticas de Shinzo Abe, o ex-primeiro-ministro
do Japão que foi assassinado neste mês. E agora há uma chance de que ela possa
virar realidade.
Depois
de uma vitória retumbante nas eleições legislativas no Japão na semana, o
primeiro-ministro, Fumio Kishida, anunciou que pretende promover uma reforma da
Constituição e aprofundar o debate sobre as medidas necessárias para
"fortalecer drasticamente" a defesa do país em meio a um clima
difícil de segurança.
A
proposta de reforma, que há anos vinha sendo defendida sem sucesso por Abe,
significaria a primeira mudança na Constituição japonesa desde sua promulgação,
em 1947. O governo quer mudar o simbólico artigo 9º, cujo texto estabelece que
"o povo japonês renuncia para sempre à guerra como direito soberano da
nação e à ameaça ou uso da força como meio de solução de disputas
internacionais".
A
iniciativa desperta resistência tanto dentro como fora do país, apesar de
supostamente procurar apenas consagrar a constitucionalidade das Forças de
Autodefesa do Japão (como são conhecidas as forças militares do país).
Mas
por que a reforma gera polêmica?
• Mudança histórica
"Para
entender o significado da Constituição no Japão, é importante voltar à história
deste país após a Segunda Guerra Mundial. As autoridades de ocupação dos
Estados Unidos ajudaram a escrever a Constituição do pós-guerra que se tornou
lei em 1947", diz John Nilsson-Wright, professor de Política Japonesa e
Relações Internacionais na Universidade de Cambridge, à BBC News Mundo (serviço
de notícias em espanhol da BBC).
"Essa
Constituição não foi alterada ou emendada sequer uma vez desde que foi
introduzida pela primeira vez e é vista por muitos conservadores no Japão, com
ou sem razão, como algo estranho, que não serve como documento soberano de uma
nação soberana. A questão da emenda, portanto, é para muitos da direita no
Japão um assunto pendente da Segunda Guerra Mundial", diz.
Mas
enquanto a direita quer reformar a Carta Magna, a esquerda teme que o texto
seja alterado.
"A
Constituição é vista pela esquerda como garantia da cultura política
democrática do Japão, e o fato de que ela foi introduzida pelo lado vencedor da
guerra (os EUA) tem sido visto pela esquerda como prova de que o Japão havia
abandonado o militarismo do período anterior à guerra. Por isso, tem sido uma
questão política tão explosiva", explica o professor.
David
Boling, diretor de Japão e Comércio Asiático da consultoria Eurasia Group,
aponta que a experiência da Segunda Guerra Mundial foi tão ruim para o Japão
que muitos de seus cidadãos concluíram que a guerra, em geral, é um desastre e,
por isso, o país desenvolveu uma tendência pacifista.
"No
Japão, há muitas pessoas que se orgulham muito da Constituição. Muitas vezes se
referem a ela como a Constituição da Paz de maneira muito positiva. Portanto,
há um grupo interno que se sente orgulhoso desse texto", afirma.
• Do pacifismo à autodefesa
Entre
os críticos da possível reforma constitucional, há preocupação de que o
governante Partido Liberal Democrático (LDP, na sigla em inglês), ao qual
pertencia Abe e agora é liderado por Kishida, queira eliminar as restrições à
força militar previstas no artigo 9º da Constituição.
De
acordo com Sheila Smith, pesquisadora de estudos da Ásia-Pacífico no Council on
Foreign Relations (uma consultoria com sede em Washington), não é isso que está
sendo considerado atualmente.
"As
propostas atualmente apresentadas pelo Partido Liberal Democrata não preveem a
eliminação do artigo 9º, mas simplesmente a sua modificação para acrescentar
outra frase", afirma.
"Certamente
há algumas pessoas dentro desse partido que querem ir mais longe e mudar o nome
das Autodefesas ou coisas assim, mas não há nenhuma proposta no momento para se
livrar do artigo 9 e isso não tem apoio nem no LDP e nem entre os cidadãos. Mas
os críticos se concentram no artigo 9 porque é uma parte central da identidade
japonesa do pós-guerra."
Ele
explica que embora ainda não haja um texto concreto em discussão — apenas
ideias — até o momento a proposta sugere que reconhecer a natureza
constitucional das Autodefesas para deixar claro que elas são consistentes com
a Carta Magna.
A
Constituição do Japão, aprovada durante a ocupação americana, procurou eliminar
qualquer possibilidade de remilitarização do país, expressando literalmente que
"nenhuma força terrestre, marítima ou aérea será mantida no futuro, nem
qualquer outro potencial bélico".
Mas
ao longo dos anos essa proibição literal foi sendo reinterpretada e adaptada às
mudanças do contexto internacional.
David
Boling ressalta que as Autodefesas vêm mudando progressivamente porque durante
décadas elas eram apenas um órgão do governo. Depois foi criado o Ministério da
Defesa e, posteriormente, durante o governo Abe, foi estabelecido um Conselho
de Segurança Nacional dentro do gabinete do primeiro-ministro para coordenar as
políticas de segurança.
Uma
das grandes mudanças nesse sentido ocorreu em 2014, quando o governo Abe promoveu
uma reinterpretação da norma constitucional que fala da defesa do país.
"O
gabinete de Abe aprovou uma reinterpretação do artigo 9 que dizia que as Forças
de Autodefesa Japonesas — se necessário para a segurança e sobrevivência do
Japão — poderiam usar a força em nome de outras nações como os EUA ou a
Austrália, por exemplo. Foi uma reinterpretação muito cautelosa", diz
Sheila Smith.
No
ano seguinte, uma nova lei foi criada com base nessa reinterpretação. Assim, as
Autodefesas obtiveram a possibilidade de usar a força em apoio a outros países
se fosse necessário para a segurança do Japão.
David
Boling observa que essas mudanças melhoraram a capacidade do Japão de trabalhar
em questões militares com outros aliados, como os EUA, mas que o país segue
limitado em sua esfera de ação.
"O
Japão não está na mesma situação que a Austrália ou a Coreia do Sul em termos
do tipo de operações militares que pode realizar ao lado dos EUA, por isso uma
mudança constitucional pode tornar tudo mais claro e permitir que — como Shinzo
Abe costumava dizer — o Japão funcione mais como um país normal quando se trata
de questões de defesa."
• Ambiente mais hostil
Quaisquer
mudanças na defesa que o Japão fizer serão observadas de perto por alguns de
seus vizinhos, especialmente China, Coreia do Norte e Coreia do Sul.
"Esses
países ficarão muito preocupados. É por causa do legado dos tempos da guerra.
Eles foram invadidos pelas forças imperiais japonesas e ainda têm uma memória
muito forte disso. Por isso, a revisão constitucional para eles desperta o medo
de que o Japão abandone sua restrição do pós-guerra", observa Sheila
Smith.
Paradoxalmente,
foram justamente as ações de dois desses vizinhos que serviram para justificar
os esforços de Tóquio para ter uma política de defesa com menos restrições.
"Para
a opinião pública japonesa, o crescimento da China como ator militar é uma
preocupação primordial. Navios navais chineses aumentaram suas invasões em
águas muito próximas ao continente japonês, as chamadas Ilhas Senkaku, a
sudoeste de Okinawa, que são reivindicadas pela China, mas mantidas pelo
Japão", diz John Nilsson-Wright.
Ele
explica que muitas pessoas no Japão estão preocupadas à medida que a China se
torna mais assertiva, assim como a ameaça nuclear da Coreia do Norte e seus
mísseis balísticos. E que os políticos japoneses também estão preocupados com a
confiabilidade de longo prazo dos EUA como parceiro de segurança.
"Por
isso, acho que a revisão constitucional pode ser vista por algumas pessoas como
uma forma de dar ao Japão mais flexibilidade para proteger sua própria
segurança em um momento em que, a longo prazo, há uma sensação de que o mundo
está se tornando mais hostil ao crescimento da China e da Coreia do Norte e a
confiabilidade das alianças existentes não podem ser consideradas
perenes."
Em
termos de capacidades, o Japão vem se fortalecendo e atualmente é um dos 10
países do mundo com os maiores gastos militares. Em abril, o Japão anunciou
planos para dobrar seu orçamento de defesa para atingir 2% de seu PIB (Produto
Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos por um país).
"As
Forças de Autodefesa são um exército de fato que tem capacidade terrestre,
marítima e aérea. A razão pela qual isso é constitucional é porque o artigo 9
foi redigido de tal forma que permite ao governo japonês dispor de forças
militares para fins puramente defensivos, ou seja, não podem ser usados para
travar uma guerra de agressão", explica Nilsson-Wright.
• Uma reforma difícil
Para
realizar a reforma constitucional e modificar o artigo 9º da Constituição, é
necessário ter maioria de dois terços nas duas casas do Congresso, além da
ratificação das mudanças por meio de um referendo nacional.
Sheila
Smith alerta que não será fácil alcançar o consenso necessário, pois a coalizão
governista terá que conquistar o apoio de partidos menores na Câmara Alta e
que, além disso, todos precisam concordar com as mudanças que desejam aprovar,
o que exigirá tempo e esforço.
A
especialista indica que, além das modificações ao artigo 9, há outras propostas
de mudanças que também estão em jogo relacionadas ao acesso à educação, aos
circuitos eleitorais e aos poderes do Executivo.
Em
contrapartida, algumas dessas questões podem atrair eleitores para os quais,
David Boling aponta, a reforma constitucional não está atualmente entre suas
preocupações mais urgentes.
"Se
você olhar para as pesquisas sobre as questões mais importantes para o público
japonês, a alteração da Constituição é menor do que, digamos, controle da
inflação, questões de previdência social ou política educacional. Então, embora
haja muito interesse neste tema entre as autoridades eleitas no Japão, ele não
é uma grande prioridade para o público em geral, então será interessante ver
como isso evolui nos próximos meses."
No
caminho para a possível aprovação da emenda ao artigo 9 há um obstáculo a menos
após a morte de Shinzo Abe. O falecido ex-primeiro-ministro, que fez desta
questão uma bandeira, era visto por muitos como um político que promovia um
revisionismo histórico, o que gerava uma certa rejeição em parte da população.
"Kishida
não é Abe e, portanto, acho que o público será mais simpático à ideia de uma
emenda não polêmica à Constituição que não mude substancialmente a maneira como
as forças de autodefesa são usadas, mas simplesmente reconhece que elas são uma
parte importante das capacidades defensivas do Japão", diz Nilsson-Wright.
"Especialmente
fora do Japão, mas mesmo dentro do país, Abe era visto por algumas pessoas como
mais belicoso. Então, Kishida é a pessoa ideal para apoiar essa ideia porque
ele pode apresentá-la de uma maneira que seja menos preocupante para os
eleitores japoneses", acrescenta.
Fonte:
BBC News Mundo
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