quarta-feira, 8 de março de 2023

Mesmo salário para homens e mulheres? Por que leis para corrigir desigualdade não 'vingaram' no Brasil

 

O presidente Luis Inácio Lula da Silva deve apresentar neste Dia Internacional da Mulher (8/3) uma proposta de lei para garantir a equiparação de salários de homens e mulheres que fazem trabalhos idênticos.

Já existe na legislação brasileira a determinação de que homens e mulheres que realizam o mesmo trabalho sejam remunerados da mesma forma, mas na prática muitas vezes essa exigência legal não é cumprida.

Além disso, já tramitam no Congresso outras propostas com o mesmo objetivo, mas que ainda não conseguiram ser aprovadas.

Entenda as tentativas de criar uma lei sobre isso já feitas, o que já existe previsto na legislação, porque ela não é cumprida e as dificuldades que a nova proposta do governo pode enfrentar.

        Porque as leis não são cumpridas

A previsão de que não haja discriminação de gênero no trabalho está presente de maneira mais ampla em diversas partes da Constituição, explica a advogada trabalhista Paula Boschesi Barros.

"Desde o artigo 5 que diz que todos são iguais perante a lei até o artigo 7, que fala de proibição de diferença salarial", explica Barros.

Além disso, a CLT, em seu artigo 461, diz que as empresas devem pagar o mesmo salário independentemente do "sexo" do trabalhador se as funções forem idênticas.

A exigência foi reforçada na Lei 14.457 de 2022, que diz no artigo 30 que "às mulheres empregadas é garantido igual salário em relação aos empregados que exerçam idêntica função prestada ao mesmo empregador".

Na prática, no entanto, essas obrigações são com frequência descumpridas.

Dados do IBGE mostram que as mulheres, em média, ganham 77,7% do salário dos homens apesar da população feminina ter um nível educacional mais alto. Quando se considera apenas cargos de gerência, diretoria e outros de maior salário, a diferença é ainda maior — as mulheres nesses cargos ganharam na média apenas 61,9% do que os homens receberam.

Barros explica que, apesar de determinar a exigência dos salários iguais, a legislação existente não estabelece nenhuma sanção em caso específico de discriminação salarial por gênero. Ou seja, não há fiscalização nem multa específicas caso as empresas não estejam dentro da lei.

"O único jeito de isso se materializar é se o assunto for tratado em uma ação trabalhista", diz a advogada, especialista em direito trabalhista do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa.

Ou seja, as empresas que descumprem a regra só têm algum tipo de prejuízo legal se a trabalhadora entrar com um processo. Mas existem muitas barreiras a isso — de dificuldade no acesso à Justiça ao medo de impactos negativos em sua reputação no mercado.

O advogado Fernando Peluso, coordenador do curso de Direito do Trabalho do Insper, afirma que, mesmo que a trabalhadora vença uma ação, as multas por descumprimento da legislação trabalhista em geral são muito baixas para penalizar os grandes empregadores.

"As multas por descumprimento da legislação trabalhista são irrisórias", diz Peluso.

Para muitas empresas, arcar com eventuais multas em ações trabalhistas sai mais barato do que cumprir a legislação.

Além disso, é bastante complicado estabelecer e provar que os trabalhos são idênticos e que a diferença salarial é resultado de discriminação.

"Existem requisitos bem específicos para determinar que os trabalhos são idênticos", explica Peluso. "Não é a mera nomenclatura do cargo que garante que a pessoa deve ganhar a mesma coisa."

Ele explica que as pessoas precisam não só ter o mesmo cargo, mas realizar as mesmas tarefas, com a mesma perfeição técnica e com a mesma produtividade. Além disso, a diferença de tempo exercendo a função também pode justificar o pagamento diferente".

Na prática, diz Paula Boschesi Barros, muitas empresas usam detalhes como esse e brechas para criar uma justificativa para diferenças salariais que na verdade são provenientes de discriminação de gênero.

"Pode ser difícil dizer em casos individuais, mas quando olhamos estatisticamente fica bem claro (que existe diferença salarial por causa do gênero)", afirma.

        As propostas no Congresso e o projeto do governo Lula

Além das leis que já estão em vigor, já existem outras tentativas de criar legislação que ajude a resolver o problema da desigualdade salarial entre homens e mulheres.

Uma delas prevê justamente a criação de uma multa específica para empresas que descumprirem a lei. É o PL 1558/2021, de criação do deputado Marçal Filho (PMDB), que já passou pela Câmara dos Deputados e agora está sendo analisado no Senado.

Outro projeto, o PL 111/23, proposto pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL), cria um mecanismo para garantir o cumprimento da lei, prevendo fiscalização feita pelo Ministério da Justiça.

Apesar da existência de propostas como essa, o governo Lula quis consolidar novas regras para tentar garantir a igualdade em um novo projeto proposto ao Congresso pelo Executivo.

A BBC apurou que o texto, que será divulgado nesta quarta-feira (8/3), deve incluir a previsão de multa ou regresso de concessão fiscal a empresas em que houver desigualdade salarial por causa de gênero.

O advogado Bruno Freire, especializado em direito processual, afirma que a criação de uma sanção deve ajudar no cumprimento da lei, mas outras dificuldades permanecem — como estabelecer em casos específicos que a diferença salarial é resultado de discriminação.

"A lei é aplicada de forma efetiva quando traz uma sanção", diz ele, que é professor de direito na UERJ. "Mas há uma série de outros obstáculos que são culturais e sociais."

Para Paula Barros, é preciso uma mudança sistemática que vai além do que pode ser conseguido com um projeto legislativo.

"É uma questão de base, de cultura. A conscientização está avançando ainda a passos muito lentos", diz ela.

A Organização Internacional do Trabalho publicou um estudo apontando outras medidas que poderiam ser adotadas e que poderiam ter influência na igualdade salarial, como, por exemplo, ampliar a transparência na divulgação dos pagamentos quando uma vaga é anunciada ou aumentar a licença paternidade para os homens.

 

       Inesc diz que volta de ministério específico para Mulheres é positiva, mas orçamento ainda é insuficiente

 

Neste Mês da Mulher, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) avaliou que a volta de um ministério específico voltado para políticas para mulheres é positiva, mas argumentou que o orçamento para ações nessa área ainda são insuficientes.

Recriado na atual gestão, o Ministério das Mulheres informou que tem trabalhado para aumentar os recursos para as políticas públicas para as mulheres. Argumentou que o projeto de lei orçamentária previa apenas 10% do orçamento existente em 2015, mas que, nos dois primeiros meses deste ano, conseguiu reverter parcialmente essa perda de verbas.

"Além disso, seguiremos trabalhando para aumentar os recursos orçamentários junto à União", acrescentou a pasta, que conta com uma dotação de R$ 122 milhões neste ano. O valor foi destinado após a aprovação da PEC da transição pelo Congresso Nacional no fim do ano passado.

Na gestão Bolsonaro, o ministério tinha outro nome, da "Mulher, da Família e dos Direitos Humanos". Englobava, portanto, outras ações. Segundo o painel do orçamento federal, a pasta tinha uma dotação inicial de R$ 30,2 milhões em 2020, de R$ 42,5 milhões em 2021 e de R$ 14,2 milhões em 2022.

        Violência contra as mulheres

Durante a gestão do ex-presidente, o Inesc observou que houve uma queda de 94% nos recursos carimbados propostos para políticas específicas (ações orçamentárias) de combate à violência contra a mulher. A comparação foi feita com os quatro anos imediatamente anteriores.

Entre 2020 e 2023, anos que englobam os projetos de Orçamento enviados ao Congresso pelo governo anterior, foram indicados R$ 22,96 milhões para políticas específicas de combate à violência contra a mulher. Nos orçamentos de 2016 a 2019, os valores propostos somaram R$ 366,58 milhões.

Para 2023, a gestão Bolsonaro tinha proposto apenas R$ 13 milhões.

Após serem propostos, os valores podem ser ajustados pelo Congresso nas discussões da lei orçamentária anual. Os números mostram que os parlamentares geralmente elevam as dotações propostas pelo Executivo.

Segundo o Inesc, houve um aumento do recurso autorizado no Parlamento para esse ano, chegando a R$ 33,1 milhões.

O Inesc avaliou que há uma "melhora na alocação de recursos em relação ao que foi enviado por Jair Bolsonaro na PLOA [projeto de lei orçamentária] 2023", mas acrescentou que o valor ainda é "insuficiente e muito abaixo dos recursos alocados nos anos anteriores".

"Não sabemos se haverá aumento de recursos, mas é possível aumentar se o governo trabalhar para isso, seja remanejando recursos internamente, seja negociando emendas com o Congresso Nacional, ou mesmo em caso de alguma emergência na pauta, por meio de créditos adicionais", disse Carmela Zigoni, do Inesc.

Ela também avaliou que não é possível dizer se haverá melhoria nos serviços, pois, para isso, é "necessário que o governo implemente o monitoramento dessa política pública".

Entre os principais programas do ministério estão:

        a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), um serviço que objetiva acolher denúncias de violência por meio de ligação gratuita e confidencial. Funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, no Brasil e em outros 16 países.

        a Casa da Mulher Brasileira, que concentra serviços especializados e multidisciplinares para o atendimento às mulheres em situação de violência. Trata-se de um serviço de acolhimento a mulheres vítimas, que pode reunir, em um mesmo espaço físico, diferentes serviços, com o objetivo de promover atendimento integral e humanizado.

        Plano Plurianual

O Inesc avaliou ainda que o Plano Plurianual 2020-2023, proposto pelo governo anterior, trouxe uma "visão genérica sobre as mulheres, além de um explícito posicionamento contra os direitos sexuais e reprodutivos".

O PPA precede a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a proposta de orçamento de cada ano (PLOA), textos também encaminhados pelo Executivo. O documento traz as estratégias orçamentárias de cada governo para os próximos anos.

Quando a proposta do PPA do governo Bolsonaro foi enviado para o Congresso Nacional, em 2019, especialistas já alertavam que o governo havia unificado o orçamento de ações sociais voltadas para mulheres, população negra, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes. E avaliaram que a medida poderia reduzir a transparência com os gastos com essas áreas.

O governo Lula já discute o próximo PPA 2024-2027, que será apresentado em agosto deste ano. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, terá um capítulo à parte dedicado às mulheres.

“Ali vamos colocar todos os nossos programas, metas, diretrizes e indicadores para que, ao se transformar em lei, já no orçamento do ano que vem, nós possamos ter mais foco. Porque sem dinheiro voltado para políticas públicas para as mulheres nós não vamos avançar”, afirmou ela, nesta segunda-feira (6).

O Inesc recomenda que o governo Lula elabore o capítulo das mulheres do PPA 2024-2027 de forma participativa, o que a atual gestão já sinalizou que pretende fazer.

<<< Outras recomendações para o PPA

        garantir um programa orçamentário específico para as mulheres, objetivando maior transparência dos recursos públicos

        aumentar a alocação de recursos para políticas de enfrentamento à violência e de promoção da autonomia das mulheres, de modo a assegurar sua plena execução

        implementar a Casa da Mulher Brasileira, com participação social, em todos os estados do Brasil

        criar ações específicas em outras políticas, com marcadores de gênero em diagnósticos, com acesso de beneficiárias e resultados, de modo a mensurar o impacto do gasto na vida das mulheres

        identificar o público “mulheres” nas ações orçamentárias das políticas universais para que seja possível realizar o controle social e ampliar a transparência

        criar bases de dados com informações sobre raça/cor, etnia, gênero, idade e pessoas com deficiência, para que seja possível identificar o alcance do atendimento para mulheres indígenas, quilombolas, jovens, idosas, com deficiência e para outros grupos de mulheres em políticas públicas, como educação, saúde e assistência social

        voltar a tornar público o relatório do Ligue 180

        fortalecer o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres

 

 

Fonte: BBC News Brasil/g1

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