Dinossauros e companhia: a diversidade de animais do Brasil pré-histórico
É uma longa história a da vida sobre a Terra. Ela começou há cerca de 3,8 bilhões de anos - 800 milhões de anos depois do surgimento do planeta - e não parou mais de se diversificar em milhões de formas, que apareceram, evoluíram, deram origens a outras espécies e desapareceram para sempre.
Estima-se
que hoje existam cerca de 8,7 milhões de tipos de animais - sem contar os
microorganismos -, dos quais não mais que 1 milhão foram descritos e
catalogados, o que representa, calcula-se, menos de 1% de todos os que já
viveram neste mundo.
O
território onde hoje está o Brasil teve um papel importante no surgimento e
evolução de várias espécies de animais. Foi nele que viveram os primeiros
dinossauros e, por isso, provavelmente foi onde surgiu este grupo de animais
incônicos, que dominaram o planeta por 160 milhões de anos e foram extintos há
65 milhões de anos, mas ainda fascinam a humanidade.
Foi
também em terras atualmente brasileiras que viveram o maior e o menor crocodilo
e o maior anfíbio de que se tem registro, preguiças terrestres e tatus do
tamanho de um carro e um dos maiores felinos que já existiu.
Tamanha
diversidade de vida que existe e já existiu só surgiu porque a Terra também tem
e teve uma variedade muito grande de ambientes, como oceanos, rios lagos, terra
firme, savanas, florestas, desertos, montanhas, planícies, geleiras. Todos
esses ecossistemas existem há milhões de anos, só que em locais diferentes de
onde estão hoje, pois as conformações dos continentes e oceanos eram outras.
"Nosso
planeta é um sistema dinâmico e que passou por grandes transformações ao longo
dos bilhões de anos de sua história", diz o paleontólogo Felipe Alves
Elias, da Divisão de Difusão Cultural do Museu de Zoologia da Universidade de
São Paulo (USP).
• Pangea, toda a Terra num só
supercontinente
"Recentemente"
- se comparado com a idade da Terra -, por exemplo, no ínicio da era Mesozoica
(251 a 65,5 milhões de anos atrás), todos os continentes estavam unidos num só
supercontinente, chamado Pangeia, desértico e quente em seu interior, com
florestas somente próximas ao litoral e aos grandes rios.
No
final do Jurássico (199 a 145 milhões de anos atrás), essa massa de terra
gigantesca começou a se fragmentar, dando origem a dois grandes continentes, um
ao norte a Laurásia, que unia América do Norte, Europa e Ásia, e outro ao sul,
Gondwana, formado por América do Sul, África, Madagascar, Índia, Oceania e
Antártida. No Cretáceo Inferior (primeira metade do período), por volta de 110
milhões de anos atrás, surgiu o oceano Atlântico, separando a América do Sul da
África e dando aos continentes uma conformação semelhante à de hoje.
Essa
fragmentação de Pangeia teve um grande impacto em todo o planeta e nos seres
que viviam nele. Mares surgiram e a geografia e o clima tornaram-se
completamente diferentes. Algumas plantas, como samambaias e coníferas,
passaram a colonizar antigas regiões secas e desérticas.
Foi
nesse período que também surgiram as primeiras plantas com flores. Os animais,
por sua vez, deslocaram-se para viver em regiões onde havia abundância de água
e alimentos.
Antes
disso, o planeta foi dominado por cerca de 3 bilhões de anos apenas por
micro-organismos. Os primeiros organismos invertebrados, que, segundo os
pesquisadores, foram as esponjas, só surgiram há 650 milhões de anos. Os
vertebrados apareceram ainda mais tarde, há 520 milhões de anos.
• Cloudina, o primeiro animal com
esqueleto do Brasil
No
Brasil, um dos primeiros registros de vida animal é de Cloudina lucianoi, que
viveu na região central do país, no período Ediacarano (630 a 542 milhões de
anos atrás), último do Pré-Cambriano (de 4,6 bilhões a 542 milhões de anos
atrás).
"É
dos animais mais antigos do Brasil e que ocorre em diversos locais do mundo,
sendo utilizados para correlacionar idades de rochas", explica o
paleontólogo Thiago da Silva Marinho, da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM).
Se
não fosse pela idade, esse bicho não chamaria a atenção, no entanto. Era um
pequeno animal marinho, com no máximo 3 centímetros, em forma de concha
tubular. Mas é um dos mais antigos metazoários (animais multicelulares)
constituído de carapaça externa biomineralizada. Ou seja, está entre os
primeiros organismos de que se tem registro a desenvolver esqueletos.
Entre
os vertebrados que se locomoviam por conta própria, um dos mais antigos
encontrados no Brasil é o Machaeracanthus sp.
"Este
pequeno peixe, que viveu há mais de 400 milhões de anos onde hoje é o Piauí, é
uma das mais antigas evidências de animais vertebrados encontradas em
território brasileiro", diz Elias.
• Prionosuchus, o maior anfíbio que já
existiu
Também
na região do Piauí, o Prionosuchus plummeri, que viveu há 270 milhões de anos,
não deixaria de se fazer notar.
"Era
um tipo de anfíbio gigante, com um tamanho estimado de seis metros ou talvez
mais", conta o biólogo Marcos André Fontenele Sales, do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
"Foi
um dos maiores ou o maior animal desse grupo de todos os tempos. Com certeza,
ele foi o predador alfa dos ecossistemas aquáticos daquela região na época em
que viveu."
Bem
menor, do tamanho de um cão Labrador moderno, o Chiniquodon theotonicus era um
feroz predador, no entanto, que viveu há 235 milhões de anos no interior do Rio
Grande do Sul e no norte da Argentina.
"Embora
relativamente pequeno, sua importância para a ciência é enorme, pois a espécie
compartilha de uma ancestralidade comum com os mamíferos - grupo do qual os
seres humanos também fazem parte", explica Elias.
"Para
os paleontólogos, tais animais são essenciais para compreender melhor as
origens da nossa linhagem evolutiva e de nossa própria espécie."
• No Brasil, surgem os primeiros
dinossauros
Pouco
depois dessa época, há cerca de 230 milhões de anos, chegou a era dos
dinossauros. O Brasil é rico em fósseis deles, tendo sido registradas mais de
20 espécies. Entre elas, uma das mais antigas do mundo - se não a mais antiga -
o Staurikosaurus pricei. Com dois metros de comprimento e cerca da metade da
altura de um homem, ele viveu há 225 milhões de anos, em meados do Triássico
(251 a 199 milhões de anos atrás). Além de ter sido um dos primeiros a viver no
país, foi o primeiro fóssil a ser encontrado.
Restos
do seu esqueleto fossilizado foram descobertos em 1936, pelo paleontólogo
brasileiro Llwelllyn Ivor Price, num afloramento rochoso numa fazenda no
interior do município de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul.
Por isso, seu primeiro nome significa "lagarto do Cruzeiro do Sul" e
o segundo é uma homenagem a seu descobridor.
A
ele, se juntam três outras espécies, que viveram na mesma época e também foram
encontradas no Rio Grande do Sul: Guaibasaurus candelariai, Saturnalia
tupiniquim e Unaysaurus tolentinoi. "Essas descobertas são importantes,
porque mostram como eram os primeiros dinossauros" explica Marinho.
"Além disso, junto com os argentinos, indicam que possivelmente o grupo
todo desses animais teve origem na América do Sul."
Em
épocas mais recentes, também viveram no Brasil representantes gigantes do grupo
dos dinossauros. Um exemplo é Oxalaia quilombensis, descoberto no Maranhão, que
viveu há 95 milhões de anos, que podia chegar a 14 metros e pesar até sete
toneladas. "Ele é parente bem próximo do popular Spinosaurus, estrela do
filme Jurassic Park 3", revela Sales. "Foi o maior dinossauro
carnívoro já encontrado no Brasil. Apesar disso, muito provavelmente, sua
alimentação era principalmente baseada em peixes."
O
outro é o Uberabatitan ribeiroi, o titã de Uberaba, cujo fóssil foi descoberto
neste município e viveu há cerca de 70 milhões - quase no fim da era dos
dinossauros. Podendo chegar a 27 metros e pesar mais de 20 toneladas, foi o
maior desses animais que viveu no Brasil. "Ele pertencia ao grupo dos
saurópodes, aqueles dinossauros herbívoros com pescoço e cauda bastante
compridos e cabeça pequena", diz Sales.
• Tetrapodophis, uma serpente com patas
Conterrâneos
desses colossos da natureza, perambularam pelo território brasileiro outros
animais não menos impressionantes. Um deles foi a serpente Tetrapodophis
amplectus, que viveu há 120 milhões de anos na Chapada do Araripe (CE).
"Ela
representa uma das mais importantes descobertas das últimas décadas, pois
preserva a estrutura de quatro membros intactos, o que poderá ajudar os
paleontólogos a compreender melhor a origem desse grupo de animais entre os
vertebrados terrestres", explica Elias.
Há
ainda o grupo dos pterossauros, répteis voadores, parentes dos dinossauros, os
primeiros animais vertebrados a desenvolverem a capacidade de voo ativo -
batendo as asas e não planando.
Há
registros de mais de 200 espécies, com tamanhos que variavam de alguns centímetros
até 12 metros de envergadura (da ponta de uma asa até a da outra). Eles viveram
na Terra entre 225 e 66 milhões de anos atrás, na era Mesozoica, e
desapareceram sem deixar descendentes entre os animais modernos.
• Pterossauros, os primeiros animais a voar
Um
dos que voaram pelos céus brasileiros no passado remoto foi o Tupandactylus
imperator, com cinco metros de envergadura, que viveu há 115 milhões de anos,
na Chapada do Araripe. Outro foi o Anhanguera santanae, 110 milhões de anos, na
Formação de Santana - daí o seu nome - na mesma região. Ele podia medir até
cinco metros de envergadura e ter 1,5 metro de altura e pesar 30 kg.
Mais
recentemente, há 80 milhões de anos, viveu no Paraná - o fóssil foi encontrado
em Cruzeiro do Oeste - o Caiuajara dobruskii, uma espécie menor, que atingia
cerca de 2,80 metros de envergadura. O que chamava a atenção em todos eles era
uma enorme crista, cuja função ainda não é bem conhecida.
Um
pouco antes dessa época, há 120 milhões de anos viveu o menor crocodilo de que
se tem registro na Terra. Com cerca de apenas 60 cm, o Susisuchus anatoceps,
como foi batizado, viveu também na Chapada do Araripe e foi descoberto pela
paleontóloga Juliana Manso Sayão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
• Purussaurus, um jacaré de 15 metros
Um
parente seu gigante, o Purussaurus brasiliensis, o maior jacaré que já existiu,
viveu entre 11 e 8,5 milhões de anos, em um megapantanal que cobria o
território ocupado hoje pela Floresta Amazônica.
"Com
um crânio de mais de 1,2 metro de comprimento e mandíbulas capazes de esmagar
um Fusca, ele alcançava facilmente os 15 metros de comprimento", informa
Elias.
"Suas
presas incluíam roedores do tamanho de búfalos e tartarugas com cascos de mais
de dois metros de comprimento, que coabitavam as águas daquelas antigas
planícies alagadas."
Entre
essas duas épocas, existiu no sudeste, há 20 milhões de anos, a Paraphysornis
brasiliensis. "Ela pertencia a um grupo chamado popularmente de 'aves do
terror'", explica Sales.
"Essa
espécie devia atingir mais de dois metros de altura e possuía um crânio de
cerca de 60 cm de comprimento com um bico próprio para matar. Devia estar entre
os principais predadores de seu tempo. Imagina fazer um safari naquela época e
testemunhar uma ave carnívora de mais de dois metros correndo atrás de várias
presas. Certamente não é algo que se vê hoje."
• Preguiças e tatus do tamanho de um fusca
Entre
os animais pré-históricos que viveram mais recentemente no Brasil, que se
extinguiram há meros 10 mil anos, estão os que pertenceram à chamada megafauna
do Pleistoceno (1,8 milhão a 11 mil anos atrás).
Entre
os mais espetaculares estava o Megatherium americanum, uma preguiça gigante com
6 m de cumprimento e que chegava a três metros de altura, quando erguida nas
patas traseiras. Havia várias espécies desses bichos, alguns menores que isso,
que caminhavam vagarosamente pelos campos, se alimentando de folhas de arbustos
e árvores baixas.
Havia
também o gliptodonte (Pampatherium paulacoutoi), uma espécie de tatu gigante
das savanas, que podia atingir quase o tamanho de um carro, que escavava o solo
e comia um pouco de tudo, desde frutos até vermes.
Semelhante
em tamanho, forma e hábitos aos atuais elefantes, o mastodonte Haplomastodon
waringi, foi outro representante da megafauna brasileira, assim como a
macrauquênia (Macrauchenia sp.), um herbívoro parecido com um camelo moderno e
do mesmo tamanho, mas com uma tromba curta.
• Tigre-dente-de-sabre, um felino com
presas de 30 cm
Ainda
viveram em terras brasileiras naquela época duas espécies de toxodontes,
Toxodon platensis e Trigonodops lopesi, com um tamanho comparável ao de um
rinoceronte ou hipopótamo modernos e que se alimentavam de folhas e capim.
Entre
os predadores chama a atenção o tigre-dentes-de-sabre (Smilodon populator), um
felino maior do que leões e tigres modernos, que chegava a pesar 400 kg. Sua
característica mais impressionante eram as duas afiadas presas, armas
mortíferas com até 30 centímetros de comprimento.
Saber
da existência desses animais pré-históricos e estudá-los não é mera
curiosidade. "As espécies que aqui viveram compõe um grande capítulo da
história da vida no planeta Terra", diz a bióloga e paleontóloga Aline
Ghilardi, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
"Não
investir em pesquisar esta história é como deixar de lado centenas de páginas
de um livro, do qual talvez dependa a nossa existência e sobrevivência neste
planeta. Este livro não só conta como as coisas foram no passado, mas contêm a
sabedoria de muitas espécies que já se foram e têm muito a nos ensinar."
De
acordo com ela, os pesquisadores têm aprendido cada vez mais sobre o que
aconteceu no território do Brasil no passado e descobriram que passos
excitantes da história evolutiva da vida se desenrolaram nele, como
possivelmente a origem dos próprios dinossauros. "É por isso que o nosso
país tem atraído tanta atenção de estudiosos da vida extinta de todo o
planeta", diz.
"Os
olhos do mundo estão voltados para nós. Apesar dos grandes avanços feitos nas
últimas décadas, nós apenas arranhamos a superfície deste conhecimento. Temos
muito para cavar e para descobrir. Muito para aprender com os mortos, com
aqueles que já se foram."
Fonte:
BBC News Brasil
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