sexta-feira, 24 de maio de 2019

Qual é o Bolsonaro verdadeiro? Por Juan Arias


O novo presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, chamado por seus apoiadores da ultradireita de “mito”, poderia acabar sendo mais perigoso e menos evidente do que se costuma pensar. Poderia até querer encarnar o mito grego do embuste do cavalo de Tróia. Cada dia parece mais evidente que não se trata de um simplório que chegou por pura casualidade ao máximo poder do país. Nem é alguém que não apenas não sabe governar, mas que, dada sua incapacidade, estaria disposto a se retirar e passar o bastão para alguém mais bem equipado politicamente do que ele.
Começa a se revelar que o capitão reformado joga com vários baralhos ao mesmo tempo. Dá a impressão de que gosta de desorientar com suas súbitas profecias e suas atitudes capazes de serem mudadas do dia para a noite. Confessou aos jornalistas que “não nasceu para ser presidente”, ao mesmo tempo se sente mais ungido do que ninguém pela divindade para mudar o país. A esses mesmos jornalistas que há poucas semanas disse que não sabia “como tinha podido se tornar presidente”, confessou ontem: “Não sou o dono da verdade, mas vou mudar o Brasil”.
O humilde presidente que confessa que governar não é sua melhor qualidade diz que poderia ter ficado mais confortável no Congresso como deputado ou senador, mas que está “feliz” como presidente, embora às vezes sua missão seja difícil como “um parto sem respiração”. E acrescenta com altivez: “Tive de engolir sapos pela fosseta lacrimal”. Qual é o Bolsonaro verdadeiro? Os estudantes que tomaram as ruas às centenas de milhares para protestar contra os cortes na educação propostos pelo Governo foram chamados por Bolsonao de “idiotas úteis”. Poucos dias depois, recuou dos cortes anunciados.
As manifestações do próximo domingo em defesa de seu Governo e contra as instituições que o impedem de governar serão, portanto, um sinal importante para decifrar sua personalidade e os riscos que ela pode acarretar dado o comportamento contraditório e ambíguo que está revelando sobre as mesmas.
Essas manifestações já fazem parte da perigosa estratégia que o presidente começa a revelar. Por exemplo, denunciou nas redes, para espanto de não pouca gente, que o Brasil é “ingovernável” e que as demais instituições, a começar pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal, o impedem de fazê-lo. Em seguida suas hostes mais exaltadas decidiram sair às ruas no domingo, dia 26, para incendiar Brasília.
O presidente não só não vetou a perigosa marcha contra as instituições, como também estava disposto a participar do cortejo. No seu melhor estilo, aceso o fogo, trocou de camisa, anunciou que não iria e pediu a seus ministros que também não fossem. Além disso, foi visitar o presidente do Supremo Tribunal Federal para tranquilizá-lo. Assegurou-lhe que respeitará as outras instituições do Estado e a divisão de poderes. Nada, portanto, de autogolpe. Recordou à opinião pública que quem sair no domingo às ruas “contra o Congresso e o STF estará na manifestação errada”. Qual dos dois Bolsonaros é o verdadeiro e mais perigoso?
Será interessante ver na próxima semana, seja qual for o resultado das manifestações, a reação do Presidente, que com uma mão as estimulou e com a outra se faz de inocente. Só por causa desse mistério e dessa ambiguidade do presidente a marcha em Brasília já adquiriu uma importância que as outras não tiveram.
Essa fúria destrutiva que o invade contra a educação, a floresta amazônica e as relações internacionais chega ao limite de deixar, sem se perturbar, que seu filho, o deputado federal Eduardo, defenda que o Brasil construa a bomba atômica. Essa sua obsessão patológica de querer armar a população, inclusive os menores de idade, como se o Brasil estivesse se preparando para uma grande guerra, está levando a pensar que quem “não nasceu para presidente” pode acabar sendo mais perigoso do que parece hoje. Daí que faça pensar que Bolsonaro estaria ressuscitando o antigo mito grego do cavalo de Tróia. Um mito que lembra quando os gregos enganaram os habitantes de Tróia preparando um grande cavalo de madeira que deixaram às portas da cidade inimiga como um presente dos deuses.
Os troianos, com medo de provocar a ira divina, tomaram o cavalo que se revelou uma armadilha, já que seu interior estava cheio de soldados armados que acabaram destruindo a cidade. Desde aquele episódio narrado na Odisséia de Homero e que atravessou os séculos inundando a literatura e as artes e foi analisado politicamente, o cavalo de Tróia se tornou uma metáfora do “presente dado com o propósito de enganar”.
Não sei se Bolsonaro, apelidado de “mito” e convencido de que Deus lhe pediu para desconstruir o Brasil para reconstruí-lo à medida de seu afã iconoclasta, também pensou em se tornar o novo cavalo de Tróia do Brasil. E se, como os troianos, não estará disposto a enfrentar o perigo em vez de irritar os deuses que o escolheram.
Um presidente assim não deveria ser tratado pelas outras forças do poder e por aqueles que acreditam nos valores da democracia como alguém inócuo que está de passagem, se divertindo com suas contradições diárias e seus delírios. Poderia ser um novo cavalo de Tróia com todas as suas consequências.
É melhor levar a sério desde já, para que as forças democráticas não tenham amanhã de chorar como os ingênuos troianos, incapazes de compreender que, às vezes, é melhor enfrentar os deuses do que temê-los e se ajoelhar diante deles.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

 Da trágica e patética banalidade da vaidade humana, por Eduardo Ramos


Parafraseando Hannah Arendt, eu diria que não é só o mal que pode se tornar “banal”. A vaidade e o narcisismo tosco, arrogante, fazem a pessoa perder o bom senso e cair no ridículo, às vezes um ridículo “caro”, desses que mancham ainda mais a biografia do homem público que já enlameou a sua história.
O desembargador Thompson Flores torna-se um exemplo vivo dessa estultícia tão comum. É tão interessante: age como se fosse um “Mefistófeles de si mesmo” – o cara que, mesmo tendo atingido seu objetivo concreto – manter Lula preso e ser leal aos seus amigos de toga, classe social e ideologia – não se contenta em ter seguido seus maus instintos, ser injusto, cínico, indigno…. o tolo ainda faz questão de PROPAGAR sua miséria moral, de “receber uma medalha” como prêmio por sua sordidez. É quase inacreditável!
Me remete a Joaquim Barbosa, coitado, sorridente entre Anastasia e Aécio Neves ao receber uma alta condecoração mineira – no auge do julgamento do mensalão, onde blindava os tucanos e massacrava com perversa crueldade aos petistas e outros, mesmo os claramente inocentes de quaisquer atos, como José Genoíno. A cegueira era tanta que nem percebeu o quanto endossava a tese de que suas decisões eram tomadas por ideologia, ódios pessoais e o desejo de agradar à Casa Grande: o menino pobre e negro compensando, talvez, os recalques do passado e as rejeições obviamente a ele impostas por uma sociedade altamente racista.
Alguns atos jamais devem ser cometidos. Se cedemos por falta de caráter ou medo do julgamento dos nossos pares e seguimos ao furor da turba em tempos enfermos e histéricos, a única e mínima REDENÇÃO que pode haver é a pessoa ter um certo pudor, uma certa vergonha, agir “como quem sabe que está cometendo um erro”… – Sei que parece um paradoxo, que a maioria achará tal pensamento um “polianismo para lá de ingênuo”, mas isso acontece, a vida é dialética, paradoxal, até inimigos nossos podem ter momentos de dignidade, como teve Gilmar Mendes ao ligar para Lula e chorar com o ex-presidente ao telefone comovido pela perda do seu neto, o Arthur. Redime o Gilmar de todas as suas maldades? Evidente que não. Mas revela uma faceta humana e resquícios de dignidade pessoal.
Pessoas como Moro, Joaquim Barbosa, Dalagnoll, Carmen Lúcia e suas medalhas e prêmios vindos da Globo, de gente como Dória Jr., Aécio e Bolsonaro, revelam não só sua miséria moral, mas é mais triste ainda: desnudam-se, de um modo absurdamente vergonhoso, mostrando a todos o quanto são carentes da aprovação das elites sociais, o quanto são vazios, medíocres, o quanto são manipuláveis, fracos, o quanto necessitam desesperadamente das migalhas dos holofotes da mídia, das instituições, de um “premiozinho”, como um afago tosco por um “serviço prestado”.
Não se permitem sequer um último reduto de vergonha e dignidade: o pudor e a descrição, um certo constrangimento, de quem sabe que está agindo de modo errado, quebrando as leis éticas da própria consciência.

Tudo que é puro no Brasil, destrói: a lição de Bolsonaro. Por Francy Lisboa


Os primeiros cinco meses de governo Bolsonaro mostram que a lição vem sendo timidamente aprendida por aqueles que depositaram ódio nas urnas ao invés de esperança. De todos os espantalhos criados, volta do comunismo, bolivarianismo, marxismo cultural, o que vem se percebendo é o cansaço do uso da carta coringa que invoca o PT para qualquer situação de embate.  Nem mesmo a tentativa de alinhar luslismo ao Bolsonarismo, tática comum de porta-vozes da mídia, está colando.
Tudo está muito recente e qualquer tentativa de se desvencilhar da tomada do poder pelo Bolsonaro é imediatamente lembrada como oportunismo pelo resgate de textos, gestos, e palavras ditas durante a última campanha eleitoral.
O didatismo da vitória, e consequente desastroso governo Bolsonaro, é reforçado pela caracterização cada vez mais clara da Lava-Jato como projeto de poder politico. Não há como negar que os fatos que vêm se desenrolando atestam muito mais as antes ridicularizadas teorias petistas de perseguição política. Talvez seja esse o único e maior incômodo de todos aqueles que, de forma clara ou sutil, da Direita e da Esquerda, contribuíram para a demonização da Política por meio da atribuição de todos os males brasileiros a um único partido.
A demonização da atividade política, que hoje vemos não é o forte do presidente da República, foi a morte, ou o esvaziamento, daquilo que parece ser a única forma do Brasil voltar a ser respeitado como nação. A ideia que só existe salvação se for a da política está totalmente ligada à ideia de que existe um nós contra eles.
O famoso nós contra eles atribuído a Lula inúmeras vezes é, na verdade, fruto do discurso demonizador da política, que tem no Bolsonarismo seu ápice, e não da retórica do ex-presidente. Nesse sentido, a Esquerda tem sua parcela de culpa porque acha que a saída para o Brasil é que para as classes baixas emergirem é preciso destruição do chamado Mercado representado pelos bancos e mídias corporativas. Da mesma forma, a Direita acha que o caminho do desenvolvimento é a perda de direitos e destruição do pensamento socialista.
A lógica de destruição do outro mostra, através de Bolsonaro, que a única forma do Brasil voltar a ter normalidade institucional é por meio de um governo em que TODOS GANHEM e não apenas um ou outro. Os bancos podem lucrar bilhões, sim! Desde que as pessoas escalem socialmente (por meio de politicas públicas e privadas) e tenham a estabilidade financeira florescida de forma a criar expectativas positivas para as futuras gerações. Se alguém acha que isso é um absurdo, é um fanático esquerdista ou direitista.
Porém, há um ponto em que o angu cria caroço no Brasil. Como fazer para todos ganharem se para isso é preciso fazer política e escutar todos os lados, atitude interpretada como politicagem, corrupção, por nove entre dez brasileiros? É chegada a hora da morte do moralismo purificador porque esse é o motor da desordem brasileira, da lógica de destruição instrumentalizada, aquela utilizada toda vez que se quer destruir quem quer que seja.
Bolsonaro e sua eleição ensinam aos brasileiros de forma literal que a bandeira da luta contra corrupção deve sempre ser olhada com desconfiança porque tudo que é pura no Brasil, destrói.

Recessão e desigualdade. Por Paulo Kliass


A frustração que acomete uma parcela significativa de nossa população acaba tendo impactos também no interior do próprio Congresso Nacional. Em nenhum momento de nossa História havia sido registrado um grau de impopularidade tão elevado para uma equipe em início de mandato presidencial.
Um dos maiores obstáculos que Bolsonaro enfrenta refere-se à incapacidade do responsável pelo superministério da economia em oferecer soluções que atendam às expectativas da retomada do crescimento das atividades. O encantamento dos setores do financismo com o candidato da extrema direita era justificado pela presença de Paulo Guedes como o todo-poderoso da pasta que unificou os antigos Planejamento, Fazenda e Desenvolvimento da Indústria e Comércio.
Ocorre que não bastam as boas intenções. O cardápio oferecido pelo comando da economia se resume a praticar a austeridade extremada na dimensão fiscal e prometer a privatização das empresas estatais federais. Trata-se de uma reedição do conto de fadas das “expectativas de mercado”, como se a retomada da produção e dos investimentos fosse tão somente uma questão de vontade. O problema é que a saída da recessão só será viabilizada se houver uma recuperação do protagonismo do Estado. Fora disso, a situação fica como está: todo mundo esperando para ver como é que fica.
Assim, os índices oficiais acabam por confirmar o quadro de estagnação generalizada. Há um ano atrás, a pesquisa Focus do Banco Central (BC) revelava uma expectativa de crescimento do PIB na faixa de 3% para 2019. Naquele momento, não havia nenhuma informação objetiva que permitisse levar a tal conclusão. A única razão para que tal otimismo sem base na realidade aflorasse na consulta patrocinada pela autoridade monetária reside na esfera do político-ideológico. Era o início do fim do governo Temer e nada do que havia sido prometido à época do golpeachment contra Dilma Roussef se concretizou. Com isso, os representantes do financismo dobravam sua aposta no processo sucessório e renovavam o mantra da necessidade de reformas conservadoras para reativar a economia.
·         Financismo distorce e mente
Pois agora esses mesmos dirigentes de empresas financeiras e de bancos consultados pelo BC assumem que tudo se resumia a uma grande falácia. Ao longo dessas 52 semanas as expectativas foram sendo reduzidas e agora situam-se na faixa de minguado 1,24% para o crescimento do PIB para o ano em curso. Uma loucura! Um erro de quase 60% em suas previsões, com o objetivo puramente político de dourar a pílula para o futuro governo. Porém, por mais que tenham exagerado na operação de reforço às supostas capacidades técnicas e à competência de Paulo Guedes, a realidade falou mais alto. Ninguém dentre eles vai ser responsabilizado pelo dano causado à nossa sociedade por essa estratégia criminosa de inflar artificialmente o crescimento futuro do PIB. Assim são tomadas as decisões de política econômica em nosso País. O quartel general das classes dominantes sempre governado em causa própria.
A recessão atual teve início com o estelionato eleitoral praticado por Dilma ainda em 2015. A indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda marcou a consolidação do austericídio como política oficial de governo. Desde então a economia veio se afundando e atravessamos a maior recessão de nossa História entre 2015 e 2016. Nos dois anos seguintes, o crescimento do Produto foi pífio, mal superando o crescimento populacional. As perspectivas para o ano em curso são as piores possíveis.
·         Recessão, estagnação ou depressão?
A situação ficou tão complicada que até mesmo consultorias tradicionais do mercado financeiro passam a jogar a toalha e reconhecem finalmente que o plano inicial furou. Com isso, as páginas e as telas de economia dos grandes meios de comunicação passam a veicular outros conceitos na tentativa de caracterizar o descalabro que o Brasil vive. Assim, não estaríamos mais em “recessão”. De acordo com os relatórios produzidos por elas, estamos atravessando uma “depressão”. Como o PIB ainda cresce um pouquinho, mas o PIB per capita fica estacionado, estaríamos retornando a níveis do passado. Outros economistas ligados ao financismo ainda tentam salvar a própria pele e a do guru Guedes, afirmando que a economia estaria em “regressão”. Haja paciência para tanta maquiagem!
Enfim, independentemente do “ão” de preferência de cada analista para descrever a calamidade em que a ortodoxia monetarista nos enfiou, o fato é que a realidade social grita mais forte. São mais de 13 milhões de desempregados, mais de 27 milhões de pessoas sendo subaproveitadas em sua força de trabalhando e vivendo na informalidade. Os níveis reduzidos de consumo e a espiral crescente de falências decretadas confirmam o quadro de desassossego que nos afeta, que atinge a grande maioria da população.
Está mais do que provado que não basta bradar aos quatro ventos a necessidade da Reforma da Previdência. O caminho passa pela recuperação do nível de atividade por meio de um conjunto de políticas públicas afirmativas, onde o ingrediente do gasto público é fundamental. Há muito tempo que alertamos para a necessidade de um desenho de política econômica contracíclica, onde a ação do Estado contribua para orientar a retomada do crescimento com segurança e sustentabilidade. Ou seja, precisamos de uma estratégia oposta à que está sendo tentada por Paulo Guedes.
O problema é que nem todos são prejudicados por esse tipo de direção imposta pelo ex aluno da Universidade de Chicago. Apesar da recessão ampla e do desastre generalizado, os setores que se acomodam no topo de nossa pirâmide da concentração continuam muito bem, obrigado. Os indicadores de desigualdade social e econômica continuam apontando para uma piora expressiva.
·         Aumento da desigualdade
Estudo recente da própria FGV carioca, por meio do instituto IBRE, revela que o índice de Gini vem apresentando queda consecutiva há 17 trimestres. A deterioração mais significativa tem início em 2013, com subida expressiva a partir de 2015 e apresenta um aumento da concentração de renda mesmo entre os que vivem de rendimentos do trabalho. O Índice de Gini mede a concentração e pode ser interpretado como expressão do grau de desigualdade.
Se esse fenômeno ocorre no interior dos próprios assalariados, quando saírem dados sobre o conjunto da população envolvendo os que vivem de renda financeira, aí sim a confirmação oficial da deterioração certamente será ainda mais gritante.
Afinal, as estatísticas do próprio IBGE apontam para o crescimento continuado do número de pessoas em situação de pobreza e miséria. Em 2017 eram 55 milhões de pessoas, subindo 2 milhões em relação a 2016. Caso sejam considerados apenas os segmentos de 0 a 14 anos, o retrato é terrível. Os dados apontam que 12,5% dessa parcela da população brasileira viviam na extrema pobreza e 43,4% na pobreza. Isso significa em números absolutos que 5,2 milhões de brasileiros de 0 a 14 anos estão na condição de extrema pobreza e 18,2 milhões na de pobreza.
Para o mesmo período, por outro lado, a renda média dos setores do topo da pirâmide cresceu 6%, ao passo que o restante da população teve queda de quase 4% nos seus rendimentos.
Estudos mostram que as famílias do 1% mais ricos se apropriam de 30% da riqueza total do País. E, para exemplificar com dados ainda mais chocantes, apenas os 5 multibilionários brasileiros acumulam o equivalente ao patrimônio de metade de toda nossa população.
Mas o governo lança uma nova campanha publicitária, ao custo de R$ 37 milhões, com o intuito desesperado de convencer a população sobre a necessidade da PEC 06/2019. Mas ninguém mais se deixa enganar com o discurso de que a reforma previdenciária pretende acabar com “privilégios”. Os verdadeiros privilegiados seguem intocados e não fazem parte do universo de trabalhadores nem de atuais aposentados.
Como vimos, recessão rima com aumento das desigualdades. Essa política econômica assassina é de interesse dos setores da elite. O caminho para superar esse triste quadro passa pela reversão das políticas austericidas de Guedes e pela retomada do crescimento da economia.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Os privilegiados do Brasil gargalham da reforma da Previdência. Por Sâmia Bonfim


O lunatismo característico do governo Bolsonaro não está restrito ao chamado “setor olavista”. Paulo Guedes, como todo bom defensor de governos com características totalitárias, como o de Augusto Pinochet no Chile, com o qual manteve relações muito próximas, arquitetou um mito (com o perdão do trocadilho) de dar inveja aos terraplanistas: o de que o objetivo da reforma da Previdência é combater privilégios.
Guiada por esta farsa, a tropa de “bolsominions” me ataca nas redes: “Você está contra a reforma porque defende privilégios”. Logo eu, que abri mão de minha aposentadoria especial como deputada e tenho na luta contra toda desigualdade o norte de minha militância.
O objetivo é acabar com privilégios? Que tal começar então pelo próprio presidente da República, que se aposentou do Exército com 33 anos de idade e está inscrito no regime de aposentadoria especial da Câmara dos Deputados? Nós somos a favor de que aposentadorias abusivas sejam revistas, o que não é o caso, como se pensa, dos funcionários públicos, cuja maioria é formada por professores, policiais, enfermeiros etc., mas o é de políticos e oficiais de alta patente das Forças Armadas. Se o governo está de acordo, por que não fazer uma reforma da Previdência restrita a esses grupos?
Longe disso, o governo foi bastante generoso com eles. No caso dos parlamentares, o tão valorizado “fim da mamata” de aposentadorias especiais valerá apenas para os futuros eleitos. Os oficiais militares também podem ficar tranquilos, pois a modesta reforma que os afetará foi muito bem compensada por um generoso plano de carreira. 
Os beneficiados pela reforma da Previdência são justamente os maiores privilegiados deste País: banqueiros, rentistas, especuladores, em resumo, o capital financeiro. Pois a reforma da Previdência prevê a substituição do atual regime de repartição pública, no qual trabalhadores ativos, empresas e Estado mantêm as aposentadorias, pelo regime de capitalização, em que cada trabalhador se aposenta com o recolhido em uma espécie de poupança individual em um fundo de pensão privado.
Nos 30 países em que foi adotada, a capitalização gerou lucros bilionários para os administradores e uma massa de idosos em situação de pobreza, além de custos astronômicos ao Estado. Apesar das promessas dos Chicago Boys (entre eles Paulo Guedes), o óbvio aconteceu: em economias subdesenvolvidas, os trabalhadores passam longos períodos desempregados e na informalidade, de modo que o montante poupado ao longo da carreira é insuficiente para manter a aposentadoria. Mas os fundos de pensão puderam rir à toa com as gordas taxas de administração que cobraram.
Guedes não apenas representa os interesses desse setor, como ele próprio é e sempre foi um homem desse mercado. Aliás, cabe lembrar que o ministro responde a inquérito no Tribunal de Contas da União por gestão fraudulenta de recursos de fundos de pensão públicos.
Para combater privilégios de fato, defendemos a reforma tributária solidária proposta pela Anfip e pela Fenafisco, que prevê inverter a injusta estrutura tributária do Brasil, cobrando – de verdade – mais impostos de quem ganha mais e reduzindo a carga tributária sobre consumo e rendas mais baixas.
Dentre as medidas está a elevação da alíquota do Imposto de Renda para quem ganha acima de 40 salários mínimos por mês, de 27,5% para 35%, ou 40% no caso daqueles que ganham acima de 60 salários mínimos. Essas medidas teriam um impacto financeiro positivo muito superior àquele da reforma da Previdência, afetando apenas 750 mil indivíduos e sem colocar em risco o seu conforto e sobrevivência.
O mesmo não se pode dizer dos afetados pela reforma da Previdência. Para não nos perdermos na desumanização dos números, vamos a exemplos concretos. Conversei com uma empregada doméstica que trabalhou por quase meio século, mas conseguiu registro em carteira por apenas 15 anos. Aos 60, finalmente pode se aposentar. Se a reforma valesse desde que começou a trabalhar, ela teria de contribuir por mais cinco anos.
Na sua idade e com seu grau de escolaridade, manter um emprego formal por tanto tempo é praticamente impossível. Caberia recorrer ao BPC, benefício pago a idosos em situação de miséria. Mas, com a reforma, teria de se contentar com apenas 400 reais até completar 70 anos. E torcer para que seu marido não morra, pois, neste caso, não poderia acumular o seu benefício mais a pensão do cônjuge falecido.
Também não poderia cuidar de um filho com deficiência, pois Bolsonaro acha que acumular BPC e benefício para pessoas com deficiência é um privilégio a ser cortado. Ou seja, 75% da suposta economia de 1 trilhão de reais anunciada por Guedes vem de sacrifícios impostos a cidadãos como esses: beneficiários do Regime Geral de Previdência Social que ganham, em média, 1,3 mil reais.
A Previdência Social não é uma “fábrica de privilégios”. Ao contrário, é uma de nossas políticas públicas mais eficientes de combate à pobreza e à desigualdade, como apontou estudo feito por Rossi, Dweck e Welle.
Não só ela, mas os gastos públicos em geral, como educação, que o trator do governo também trata de demolir. Os “ajustes necessários para acertar as contas públicas” – outro mito que precisa ser desmontado –, além de produzirem uma tragédia social, são uma economia burra, pois retiram renda daqueles que poderiam consumir para estimular os investimentos e a geração de empregos. São os ajustes, e não a falta deles, que tornaram esta crise a mais duradoura da nossa história. Diga não à reforma da Previdência.

Reforma da Previdência ou a “revogação do direito de viver” dos pobres. Por Gaudêncio Frigotto:


A informação de uma pesquisa de opinião que indica que 69% dos brasileiros são favoráveis à reforma da Previdência passa a impressão de que esta maioria entendeu todas as contas pirotécnicas que o ministro Guedes e sua equipe fizeram para chegar ao mágico montante de um trilhão e duzentos milhões de reais. O mais curioso é que no Congresso há a reclamação reiterada de que até agora Guedes e sua equipe não apresentaram a planilha de cálculos para demonstrar este total mágico.
Então, como essa maioria formou essa convicção sem nenhuma evidência? A explicação está no fato de que a opinião publicada não se constitui numa opinião pública, mas a expressão da manipulação de dois chavões básicos criados pelo ministro Guedes e sua equipe, a saber: o primeiro é de que sem essa reforma o Brasil quebra ou vai ao fundo do poço e, o segundo, que é uma reforma que vai favorecer os mais pobres. Chavões são repetidos, todos os dias, ao longo de vários meses, na grande mídia empresarial por âncoras e “especialistas” em política e economia e assuntos gerais, contratados por estas empresas midiáticas. Por isso certamente vale a síntese de Joseph Pulitzer para explicar a adesão da maioria dos brasileiros à reforma da Previdência: “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”.
Mesmo que se concorde que deva haver ajustes na Previdência diante do fato benéfico da maior longevidade de boa parte da população, para ser justa, tem que ser oposta ao que propõem Guedes e sua equipe. Também, para ser justa, o início para equilibrar as contas públicas não pode ser pela reforma da Previdência, mas por aquilo que de fato gera os desequilíbrios.
Poderia se começar pelo que indica a Constituição de 1988 de taxar as grandes fortunas e os lucros sobre o capital. Em seguida, cobrar dos bancos e de empresas as fortunas que devem ao INSS e a sonegação de impostos. Também revogar a desoneração de impostos das empresas petroleiras estrangeiras, que vão explorar o pré-sal, concedida pelo golpista ex- presidente Temer e inúmeras outras feitas ao longo de décadas. Somente a desoneração fiscal das petroleiras estrangeiras representa a perda mais de um trilhão de reais, como a deputada Jandira Fregali demonstrou em audiência com o Ministro Guedes no Congresso. Por outro lado, como mostram vários especialistas, a reforma tributária, com impostos progressivos, é uma reforma fundamental e mais importante do que a da Previdência e que devia preceder qualquer outra. E, se patriotismo existisse, uma auditoria da dívida pública mostraria o quanto é injusto o que se paga aos acionistas do capital financeiro.
Ao contrário do que dizem o ministro e a sua equipe, de que se trata de uma reforma que vai ajudar aos mais pobres, o que estão propondo é uma violência cínica e imoral contra eles. O que estão propondo reedita, com um grau de violência exponencial, o que Karl Polanyi conclui em relação à revogação, em 1834, da lei dos pobres na Inglaterra. Lei que garantia uma renda básica às famílias pobres reconhecendo que eles tinham “o direito de viver”. Polanyi conclui que a revogação da Lei dos pobres, cujo objetivo desta revogação era o de criar um “mercado concorrencial de trabalho” representou a revogação do “direito de viver”.
A reforma da Previdência proposta completa, de forma radical, a emenda constitucional 95 que congela, por vinte anos, o investimento na esfera pública e as contrarreformas trabalhista e do ensino médio. Um conjunto de leis e decretos que agride todos os fundamentos do Estado democrático de direito interdita o futuro das novas gerações, em particular dos mais pobres.
A abolição das leis dos pobres, na Inglaterra, tinha como objetivo criar o mercado concorrencial de trabalho. Atualmente, especialmente entre nós, este mercado já não preocupa ao capital. Ao apropriar-se privadamente dos bens comuns da humanidade, entre os quais o conhecimento científico produzido coletivamente até hoje, o capital descarta trabalhadores e os transforma em “lixo” humano. O objetivo, agora, é privatizar a educação, a saúde, a cultura e eliminar todos os direitos universais. O passo seguinte pode ser a eliminação dos pobres, fato que já acontece pela violência do Estado e pelas doenças fruto da subnutrição ou da depressão. Barrar, no detalhe e no todo, a reforma da Previdência será o passo para, em seguida, reverter as demais reformas que “revogam o direito de viver” dos pobres. No dia 15 de maio, as ruas e praças deram a senha com a presença de uma maioria de jovens de classe popular que entenderam que o futuro se constrói no presente e que este lhes está sendo roubando e interditando

Uma feminista na igreja. Por Andrea DiP


Simony dos Anjos é evangélica, filha de pastor evangélico e de seminarista, cientista social, mestre em educação e integrante do coletivo Evangélicas pela Igualdade de Gênero. Composto por mulheres feministas e evangélicas, o coletivo promove a igualdade de gênero dentro e fora da igreja e dá palestras sobre direitos reprodutivos e violência doméstica.
“A gente age em igrejas neopentecostais, casas-abrigo da prefeitura. Começaram a enxergar na gente, mulheres evangélicas, uma maneira de tratar problemas que a igreja tem enfrentado, a violência doméstica, por exemplo. Porque há duas décadas a violência doméstica era abafada. Hoje, com toda essa efervescência, essa primavera feminista, as mulheres se sentem encorajadas a denunciar e a igreja está em um ponto em que, se ela abafa, vai perder fiéis. Então, vai ter que tratar da violência doméstica de alguma maneira. E aí a gente começou a ser muito convidada”, conta.
Ela acrescenta, porém, que o direcionamento quanto ao divórcio em caso de violência doméstica, por exemplo, ainda depende muito da opinião do líder espiritual de cada igreja: “Varia muito, porque há uma personalização da liderança, e as vontades pessoais dessa liderança vão influenciar muito no andamento da comunidade. Mas de modo geral o que se percebe é repúdio total à violência doméstica proporcional ao repúdio ao divórcio. O divórcio não é uma questão. O que as igrejas sempre orientam essas mulheres que sofrem é que elas saiam de casa um tempo, fiquem na casa de um parente e que orem pelo marido. Mas o divórcio não é uma opção na maioria das igrejas”.
Simony conta que teve uma criação “preconceituosa, conservadora e de intolerância total”, mas, ao entrar na faculdade de ciências sociais, levou um choque ao descobrir pessoas que pensavam de modo diferente de tudo que ela conhecia e passou a repensar a maneira de exercer sua fé: “A igreja é uma bolha. Eu acho, inclusive, que o primeiro grande aspecto do porquê de as pessoas não criticarem os políticos evangélicos é esse. Você socializa dentro da igreja, você namora dentro da igreja, você passa o Natal dentro da igreja, você passa a virada do ano dentro da igreja. Todas as datas comemorativas são dentro da igreja. Então, você vive como se tudo que estivesse sendo dito ali fosse a única possibilidade de enxergar o mundo”.
Ela acredita que foi a antropologia que forneceu as ferramentas para que ela se mantivesse na igreja enquanto uma voz de resistência. “Existe também a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, essa bem atacada. Algumas integrantes recebem ameaças de morte, e uma delas deixou o país recentemente. Mas nós participamos de fóruns de discussão pela descriminalização do aborto, vamos para as ruas nas manifestações feministas, lutamos contra a PEC 181.”
Ela conta que existe toda uma escola de teologia feminista que busca ler a Bíblia de uma perspectiva questionadora: “Como que nós, teólogas feministas, tratamos dos textos-chave do patriarcado? Que é submissão da mulher, a mulher deve ficar calada, a mulher virtuosa. São textos-chave do patriarcado para fazer com que a mulher pense que esse é seu lugar.
A teologia feminista é a teologia da suspeita. Porque nós encontramos a palavra de Deus na Bíblia, mas ela não é integralmente a palavra de Deus. A teologia da suspeita sempre vai fazer uma perguntinha muito safadinha que é: quem escreveu? Foram homens sobre mulheres. Então por que o texto de Gálatas 3:28, que fala que não existe homem nem mulher, todos são em Jesus, não é tão utilizado?
Há um uso interessado da Bíblia. Por exemplo, todo mundo gosta de colocar Dalila como traidora, mas ela não traiu ninguém porque ela não era judia, ela era filisteia! Sansão que era um cara egoico, um cara inconsequente. Ele apostava as coisas e depois não conseguia pagar e matava todo mundo. Ele se enrabicha com uma filisteia e essa mulher é pressionada pelos poderosos, pelos príncipes filisteus a matá-lo. A filisteia não traiu o povo de Deus porque ela não era do povo de Deus. Mas a gente constrói todo uma narrativa de traição”.
Simony cita a freira Ivone Gebara, filósofa e uma das fundadoras da teologia feminista na América Latina, que incomodou tanto o Vaticano que foi obrigada a ficar dois anos enclausurada, sem se manifestar publicamente. “As mulheres constituem a base da igreja, são elas que abrem o templo, limpam, cuidam dos doentes. Se essas mulheres fugirem do controle, a igreja foge do controle. E por isso as mulheres que são consagradas pastoras muitas vezes são as que reproduzem o discurso machista. Como a menina pastora, como a ministra Damares Silva, como a Ana Paula Valadão, como a Helena Tannure. Mulheres que reproduzem e agradam esse discurso.”
Pergunto a Simony o que aprendeu sobre ser mulher na igreja e o que pensa hoje a respeito disso: “Eu aprendi que ser uma mulher era alguém que tinha que se preparar para casar. Eu aprendi que ser mulher era ser uma boa mãe, era ser uma boa esposa, era ser uma boa serva, era ser o arrimo da família, era ser o esteio do lar, era ser ajudadora idônea. Ajudadora idônea é aquela que ajuda o seu homem a não errar. Na igreja, eu aprendi que ser uma boa mulher era ser o contrário do que Eva foi. Eva levou o homem dela ao erro. Uma boa mulher é aquela que não leva o seu homem a errar e não leva homem nenhum a errar porque, quando eles nos estupram, eles nos assediam, somos nós quem seduzimos. Eu aprendi que ser sedutora, ser sensual, ser feliz com o meu corpo, expor o meu corpo era errado. E hoje você tem que achar o ponto ótimo entre a indústria de exposição da mulher e o recato que a igreja impõe porque, por exemplo, nossos jovens têm as suas vidas sexuais pautadas pelos filmes pornográficos, e você é uma mulher que não pode ser como Jezebel. Você tem que ter uma vagina adequada, você não pode ser gorda. Você vai por silicone. Você vai adequar o seu corpo ao modelo porque nós fomos criadas para agradar. Mas a gente vai fazendo isso sendo belas e recatadas.
Tem uma loja de eróticos que chama Erótica Fé, e um dos adstringentes que são vendidos é o ‘virgem novamente’, que faz a parede da vagina se colar para que quando você vá ter relação sexual com o seu homem pareça que você é virgem novamente. Isso é um produto para mulheres evangélicas.
O que eu estou querendo dizer, no limite, é que a gente vive em uma eterna luta contra o corpo feminino. Isso é ser mulher da igreja, é você estar lutando contra o corpo feminino o tempo inteiro, e a naturalidade do corpo feminino é ofensiva.
Mas eu gostaria de encerrar dizendo o seguinte: quem é mais parecido com Jesus? Quem é que sangra e não morre? Quem é que gera a vida? Quem é que cuida? Quem é que apascenta? São as mulheres. O corpo feminino gera medo. É um corpo que sangra e não morre e de todo o tipo de sangue que há na sociedade, o único que causa nojo é o sangue da menstruação. Isso é ser mulher na igreja. É você equilibrar tudo isso, e, se você falhar nessa dança louca, a culpa é sua. Eu acho que é mais ou menos por aí”.

Bolsonaro convoca sua marcha sobre Roma, por Gilberto Maringoni


A Roma agora fica no Planalto Central, para onde são convocadas as hordas do fanatismo paubrasil. Os alvos visíveis são o STF, o Congresso, as “corporações” e a “classe política”. Há sofisticação adicional nesse angu.
Analogias históricas são sempre arriscadas. Diferentemente de Mussolini, em sua jornada de 28 de outubro de 1922, o brasileiro já está no poder. A Marcha – à qual o futuro Duce não esteve presente – foi um gigantesco blefe – ou aposta – que os partidários do Partido Nacional Fascista fizeram sobre a monarquia e outros setores da direita. A meta era obter a nomeação Benito Mussolini – que se elegera para o Parlamento em 1921 – como primeiro-ministro. No final daquele 1922, o rei Vittorio Emanuele III o indicaria como chefe do gabinete, que formaria um governo com crescentes poderes.
O FASCISMO NÃO ERA a a força hegemônica conservadora na Itália em 1920. Num período pós-I Guerra Mundial e de intensa agitação social, a extrema-direita conseguiu se impor através da intimidação. Os squadristi, grupos paramilitares fascistas também conhecidos como camisas negras, atuavam com extrema brutalidade contra o movimento popular e socialista. Naquele momento, ao invés de buscar hegemonia prioritariamente no terreno das ideias, foi a violência de pequenos grupos que os levou a ganhar respeitabilidade entre os latifundiários do sul e os industriais do norte do país.
Mussolini agiu como um forte líder antisistêmico, disposto a refundar a Itália, governada desde a unificação, nos anos 1870, pelas mesmas frações da oligarquia. Sua atuação o permitiu incorporar setores expressivos de camponeses pobres, do operariado e do lumpesinato na sustentação do poder político.
A MARCHA DE BOLSONARO ocorrerá com o líder no Palácio, mas em intensa disputa com outros setores da direita. O capitão – que está a léguas da capacidade intelectual do fascista italiano – tem como tática essencial reunificar a coalizão reacionária que o elegeu. Neste momento, o inimigo principal de Bolsonaro não é a esquerda ou o movimento popular, apesar das gigantescas manifestações de 15 de maio.
Seu alvo é o judiciário – que está em seus calcanhares, através da atuação do MP-RJ e de um STF que não lhe é simpático -, a grande mídia – que pavimentou sua rota ao Executivo, mas dele se descola -, o agronegócio e parcela do empresariado. Todos concordam com a política de terra-arrasada de Paulo Guedes, mas colocam sérias reservas à atuação do governo. Essa disputa intestina de interesses objetivos é materializada na vulgata “olavistas X militares” ou “ideológicos X pragmáticos”.
COM QUEM CONTA BOLSONARO para reunificar seu campo e “purificar” sua frente extremista? Com a maioria das igrejas pentecostais fundamentalistas – ele já foi saudado como “enviado de Deus” -, com o lumpesinato dos negócios, que tem à frente o “véio da Havan”, parte do estamento castrense – o Clube Militar está convocando a marcha – e o lumpesinato de classe média e popular, incluindo-se aí milícias de toda ordem. E com a máquina do governo.
Seu lance no jogo é que fragmentos alucinados – MBL, parte de sua base parlamentar – serão enquadrados pelas massas na rua.
Para isso, aumentará a voltagem de sua pregação antissistêmica, atacando “as corporações” e a “classe política”, como já mostrou na carta-excremento e em evento na Firjan.
IRÃO ÀS RUAS SUAS FALANGES de bate-paus, seus tarzans de academia, a classe média ressentida e neandertais de toda ordem. Na disputa de hegemonia, entre coação e convencimento, vale agora a coação como forma de convencimento.
Terá apelo? Encherá as ruas? Difícil saber, num momento de queda de sua popularidade, como pesquisas de há um mês apontam, e com estagnação econômica. Ao mesmo tempo, o chefe das milícias – que é tosco, mas não burro – tem elevado o tom de suas acusações ao “petê” e aos suspeitos de sempre.
Domingo, 26, será o dia D da boçalidade.
Do lado da democracia, cabeça fria, coragem e a confiança de que o crescimento do movimento popular é a grande novidade dos dias que correm.

Por trás da espuma, um presidente acuado, uma elite arrependida, um Congresso ambicioso. Por Helena Chagas


Se removermos um pouco da espuma despejada no ambiente político nos últimos dias, não vamos encontrar uma conspiração das elites arrependidas e do Congresso – que agora parece se chamar Centrão – destinada a derrubar o presidente da República. Pelo menos ainda não. Há, de fato, uma percepção clara do establishment econômico de que pisou na jaca com os dois pés ao apoiar a eleição de Jair Bolsonaro só para se ver livre do PT. Seus integrantes já perceberam o tamanho desse erro – e o comportamento da Bolsa e do dólar nos últimos dias é apenas mais um sinal disso.
Em suas conversas, esse pessoal deixa claro que gostaria de se ver livre da insensatez de Bolsonaro. Mas sabe que não é assim tão fácil. Não é preciso um profundo exercício de futurologia para se prever os danos à economia e à imagem do país que um novo e demorado processo de impeachment iria trazer a esta altura. Seria desastroso, quando menos por inviabilizar, enquanto durasse o processo, a aprovação das reformas que o mercado e o PIB tanto querem, a começar pela Previdência. Golpe desse tipo, então, só depois da reforma.
A aposta numa renúncia, outra opção aventada, é mais remota ainda. As semelhanças entre Jair Bolsonaro e Janio Quadros podem ser muitas, sobretudo na psicologia de quem se sente perseguido por “forças ocultas”, mas param por aí. Bolsonaro, com seus filhos, é do tipo que se entrincheiraria no Alvorada para não ser derrubado. Quem o conhece sabe que não renuncia.
Então, o que resta às elites arrependidas? Apostar no tal parlamentarismo branco que vem sendo acenado pelos grupos majoritários do próprio Congresso, dirigido hoje pelo DEM e comandado pelo Centrão.
Só que isso também é uma ilusão. O Congresso pode muito. Pode, no limite, derrubar o presidente da República. Mas não pode governar no dia-a-dia porque não tem os instrumentos institucionais do Executivo. Não assina medida provisória, não faz decreto, não nomeia. Por mais que se tenham aprovado iniciativas como o orçamento impositivo, e que haja planos de, por exemplo, limitar o poder do Planalto de baixar medidas provisórias, quem governa é aquele que está lá no terceiro andar do Planalto – que, por sinal, foi eleito para isso.
É por aí que, depois de removermos toda a espuma acumulada nos últimos dias, vamos  desnudar um presidente acuado sobretudo pelas investigações que avançam sobre seu filho e a relação com as milícias do Rio e um Congresso ávido por tomar as rédeas do país em aliança com setores do establishment arrependido. Um pouco mais adiante, veremos as ruas, que começam a se encher – por enquanto, com viés de esquerda.
Estamos diante de uma receita de impasse que não se resolverá com jogadas pirotécnicas nem com golpes parlamentares. Talvez só com algum tipo de entendimento entre as forças políticas, sociais e econômicas do país – mas aí elas teriam, à direita e à esquerda, que ter o juízo que não demonstraram quando abriram o caminho para a eleição do capitão reformado.

domingo, 19 de maio de 2019

Desgoverno do “mercado” e o jogo do preço dos ativos. Por André Araújo


O interesse dos chamados “mercados”, hoje representados no governo pelo Ministro Paulo Guedes, não é investir em projetos novos de infraestrutura, que dão taxas de retorno naturalmente baixas. Os “mercados” ganham na compra barata de ativos desvalorizados pela má situação econômica do Brasil. Ativos prontos que custaram 100 para construir, e os “mercados” podem comprar por 20, na bacia das almas.
Esse é o jogo, Eletrobras, Banco do Brasil, Petrobras aos pedaços, mais uma lista de 137 estatais que devem ser vendidas, porque o Brasil está quebrado, segundo os próprios dirigentes de estatais. Apregoam em entrevistas (o que é crime), falam mal das empresas que dirigem, porque não querem fazê-las prosperar, querem é vendê-las.
Uma política monetária absurda, onde o Tesouro chega a pagar 9% ao ano, quando podia pagar zero emitindo dinheiro, há folga na base monetária para emitir R$ 2 trilhões em 4 anos. O arrocho, os cortes de orçamento, a queda do PIB, a recessão, faz baixar o preço dos ativos no Brasil e com o dólar alto tudo fica ainda melhor.
Há ideia de vender uma Eletrobras, que em capacidade geradora instalada mais linhas de transmissão custou R$ 800 bilhões para fazer, deve R$ 30 bilhões. O “mercado” diz que está quebrada e quer comprar por R$ 12 bilhões, o melhor negocio do planeta.
Todo o jogo de desgoverno, de terra arrasada faz baixar o preço dos ativos no Brasil, com a enorme vantagem de que os “mercados” estão no completo comando da economia, sem adversários, contrapontos ou fiscais, sem inimigos naturais, que seriam os sindicatos, a mídia e o Congresso.
O Brasil pratica hoje um ineditismo na governança de sua economia, o total da economia. O Ministério da Economia açambarcou 4 ministérios, inclusive o do Trabalho, que em todos os grandes países é contraponto ao Ministério da Economia (seja Fazenda ou Tesouro), foi entregue aos “mercados”, mais o Banco Central, o Banco do Brasil, o BNDES, a Petrobras, todos os dirigentes são dos “mercados”, ligados a ele, com a alma nele.
Nos EUA, o Federal Reserve System é dirigido por sete economistas acadêmicos sem ligação com o mercado, os Secretários econômicos raramente são do mercado e não estão sob o mesmo guarda chuva, Tesouro e Comércio são separados, alem disso a Casa Branca tem um Conselho de Assessores Econômicos independentes dos Ministérios, com economistas de diferentes tendências.
Também no Board do Federal Reserve, a praxe é mesclar economistas de linhas diferentes, nunca da mesma escola. O Departamento do Trabalho americano é fortíssimo, tem um orçamento de US$29 bilhões e 115.000 de funcionários, é o representante dos trabalhadores no sistema econômico, em contrapeso aos Departamentos do Tesouro e do Comércio.
Nos governos brasileiros, desde 1946 até 1994, havia a predominância de servidores públicos ou políticos no comando da economia. Foi no Governo FHC que começou o processo de entregar a economia aos “mercados”. Nos governos do PT, houve uma mescla de servidores públicos, acadêmicos e políticos com gente do “mercado”, como Henrique Meirelles, que ficou 8 anos no Banco Central no período Lula.
O problema é que os de “mercado” não tem nem interesse e nem treinamento para implantar políticas públicas, que acham um desperdício de dinheiro.
Para que Previdência pública se podemos ter capitalização? É uma visão que leva os pobres ao genocídio econômico, eles dependem de políticas públicas, como até Milton Friedman sabia e ensinava, Friedman foi o pai intelectual do “bolsa família”. O problema é que os alunos são medíocres e aprendem só uma parte do que os mestres ensinam, a parte que agrada ao seu egoísmo.
Por isso, é fundamental a um grande País ter no comando da economia mentes diversificadas, com diferentes visões de mundo, de sociedade, o País é muito complexo para simplificações grosseiras. A situação do Brasil de hoje lembra o Egito do Khediva Ismail Paxá, que entre 1870 e 1877 vendeu todo o Egito, a alfândega de Alexandria, o Canal de Suez, a navegação no Nilo, trens, bondes, portos, a ilha de Gezira, até que em 1882 o Egito passou a ser de fato uma colônia britânica.
O Brasil teve desde 1946 os mais variados matizes de política econômica, mas nunca no Brasil houve a entrega completa de todos os comandos econômicos do governo aos “mercados”, algo impensável na Índia, China ou Rússia, um Pais que também comete suicídio.