terça-feira, 21 de maio de 2019

Os privilegiados do Brasil gargalham da reforma da Previdência. Por Sâmia Bonfim


O lunatismo característico do governo Bolsonaro não está restrito ao chamado “setor olavista”. Paulo Guedes, como todo bom defensor de governos com características totalitárias, como o de Augusto Pinochet no Chile, com o qual manteve relações muito próximas, arquitetou um mito (com o perdão do trocadilho) de dar inveja aos terraplanistas: o de que o objetivo da reforma da Previdência é combater privilégios.
Guiada por esta farsa, a tropa de “bolsominions” me ataca nas redes: “Você está contra a reforma porque defende privilégios”. Logo eu, que abri mão de minha aposentadoria especial como deputada e tenho na luta contra toda desigualdade o norte de minha militância.
O objetivo é acabar com privilégios? Que tal começar então pelo próprio presidente da República, que se aposentou do Exército com 33 anos de idade e está inscrito no regime de aposentadoria especial da Câmara dos Deputados? Nós somos a favor de que aposentadorias abusivas sejam revistas, o que não é o caso, como se pensa, dos funcionários públicos, cuja maioria é formada por professores, policiais, enfermeiros etc., mas o é de políticos e oficiais de alta patente das Forças Armadas. Se o governo está de acordo, por que não fazer uma reforma da Previdência restrita a esses grupos?
Longe disso, o governo foi bastante generoso com eles. No caso dos parlamentares, o tão valorizado “fim da mamata” de aposentadorias especiais valerá apenas para os futuros eleitos. Os oficiais militares também podem ficar tranquilos, pois a modesta reforma que os afetará foi muito bem compensada por um generoso plano de carreira. 
Os beneficiados pela reforma da Previdência são justamente os maiores privilegiados deste País: banqueiros, rentistas, especuladores, em resumo, o capital financeiro. Pois a reforma da Previdência prevê a substituição do atual regime de repartição pública, no qual trabalhadores ativos, empresas e Estado mantêm as aposentadorias, pelo regime de capitalização, em que cada trabalhador se aposenta com o recolhido em uma espécie de poupança individual em um fundo de pensão privado.
Nos 30 países em que foi adotada, a capitalização gerou lucros bilionários para os administradores e uma massa de idosos em situação de pobreza, além de custos astronômicos ao Estado. Apesar das promessas dos Chicago Boys (entre eles Paulo Guedes), o óbvio aconteceu: em economias subdesenvolvidas, os trabalhadores passam longos períodos desempregados e na informalidade, de modo que o montante poupado ao longo da carreira é insuficiente para manter a aposentadoria. Mas os fundos de pensão puderam rir à toa com as gordas taxas de administração que cobraram.
Guedes não apenas representa os interesses desse setor, como ele próprio é e sempre foi um homem desse mercado. Aliás, cabe lembrar que o ministro responde a inquérito no Tribunal de Contas da União por gestão fraudulenta de recursos de fundos de pensão públicos.
Para combater privilégios de fato, defendemos a reforma tributária solidária proposta pela Anfip e pela Fenafisco, que prevê inverter a injusta estrutura tributária do Brasil, cobrando – de verdade – mais impostos de quem ganha mais e reduzindo a carga tributária sobre consumo e rendas mais baixas.
Dentre as medidas está a elevação da alíquota do Imposto de Renda para quem ganha acima de 40 salários mínimos por mês, de 27,5% para 35%, ou 40% no caso daqueles que ganham acima de 60 salários mínimos. Essas medidas teriam um impacto financeiro positivo muito superior àquele da reforma da Previdência, afetando apenas 750 mil indivíduos e sem colocar em risco o seu conforto e sobrevivência.
O mesmo não se pode dizer dos afetados pela reforma da Previdência. Para não nos perdermos na desumanização dos números, vamos a exemplos concretos. Conversei com uma empregada doméstica que trabalhou por quase meio século, mas conseguiu registro em carteira por apenas 15 anos. Aos 60, finalmente pode se aposentar. Se a reforma valesse desde que começou a trabalhar, ela teria de contribuir por mais cinco anos.
Na sua idade e com seu grau de escolaridade, manter um emprego formal por tanto tempo é praticamente impossível. Caberia recorrer ao BPC, benefício pago a idosos em situação de miséria. Mas, com a reforma, teria de se contentar com apenas 400 reais até completar 70 anos. E torcer para que seu marido não morra, pois, neste caso, não poderia acumular o seu benefício mais a pensão do cônjuge falecido.
Também não poderia cuidar de um filho com deficiência, pois Bolsonaro acha que acumular BPC e benefício para pessoas com deficiência é um privilégio a ser cortado. Ou seja, 75% da suposta economia de 1 trilhão de reais anunciada por Guedes vem de sacrifícios impostos a cidadãos como esses: beneficiários do Regime Geral de Previdência Social que ganham, em média, 1,3 mil reais.
A Previdência Social não é uma “fábrica de privilégios”. Ao contrário, é uma de nossas políticas públicas mais eficientes de combate à pobreza e à desigualdade, como apontou estudo feito por Rossi, Dweck e Welle.
Não só ela, mas os gastos públicos em geral, como educação, que o trator do governo também trata de demolir. Os “ajustes necessários para acertar as contas públicas” – outro mito que precisa ser desmontado –, além de produzirem uma tragédia social, são uma economia burra, pois retiram renda daqueles que poderiam consumir para estimular os investimentos e a geração de empregos. São os ajustes, e não a falta deles, que tornaram esta crise a mais duradoura da nossa história. Diga não à reforma da Previdência.

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