Vala
de Perus: exame de DNA corrige identificação de desaparecido anunciada em 1991
Para o
Estado brasileiro e a família do pedreiro e militante da Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR) Dênis Casemiro, morto sob tortura, aos 28 anos, por agentes do
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) comandados pelo delegado Sérgio
Paranhos Fleury, em maio de 1971, seus restos mortais haviam sido os primeiros
a serem identificados após a abertura da Vala Clandestina de Perus, em setembro
de 1990. O enterro digno ocorreu em 13 de agosto de 1991, em Votuporanga (SP),
terra natal dos Casemiro.
Porém,
a identificação realizada há 34 anos por legistas da Unicamp, por meio da
técnica de sobreposição fotográfica (na qual imagens do rosto da pessoa com
vida são sobrepostas as imagens do crânio) estava errada e acabou corrigida por
uma série de novos exames realizados pelo Projeto Perus, parceria entre o
Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, a Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) e a Prefeitura de São Paulo, e executada pelo Centro de
Antropologia e Arqueologia e Forense (CAAF/Unifesp) e a Comissão Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
<><>
Por que isso importa?
• A Vala Clandestina de Perus, localizada
há 35 anos em São Paulo, é um crime não encerrado da ditadura militar. Com as
novas descobertas, que não ocorria desde 2018, já são seis os militantes
políticos reconhecidos
No
CAAF, os restos mortais que agora se confirmaram como pertencentes a Dênis
Casemiro foram submetidos, nos últimos anos, a três tipos distintos de
análises: ante mortem (os restos mortais são comparados com imagens da pessoa
quando viva e outros elementos de identificação, como altura, peso etc); post
mortem (quando os ossos são comparados com o laudo do IML, fotos do corpo, etc)
e o principal, a identificação genética, na qual é extraído DNA a partir de uma
fração dos restos mortais e cruzados com material genético (sangue, por
exemplo) de parentes de primeiro grau do morto.
Esse
trabalho é realizado pelo CAAF, coordenado pelo professor Edson Teles, que
retomou os trabalhos de identificação dos restos mortais da Vala de Perus, após
o trabalho ser praticamente paralisado e a CEMDP extinta no governo Jair
Bolsonaro. A recriação da comissão pelo governo Lula 3, no ano passado,
possibilitou a retomada das novas identificações. É a CEMDP, presidida pela
procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga, que coordena as
buscas e identificações no Brasil como um todo.
O
trabalho de comparação das mais de 1000 ossadas encontradas na Vala de Perus
com o DNA de familiares de desaparecidos políticos é um trabalho que já está
80% concluído, segundo Eugênia. As checagens são constantes e, ao comparar o
material genético de uma ossada de Perus com o DNA da família Casemiro, houve
similaridade próxima de 100% entre o material genético da ossada e o colhido de
um familiar da vítima.
“Isso
aconteceu, eu acho, em 2021, 2022, ainda durante o governo Bolsonaro. A sorte é
que tinha um processo correndo, com juiz e procuradora acompanhando. E então o
governo, o Ministério de Direitos Humanos, concordou em fazer essa exumação (da
ossada enterrada como Dênis em Votuporanga)”, contou Eugênia à Agência Pública.
O processo ocorreu com a anuência da família Casemiro.
A
ossada de Dênis foi exumada porque, na identificação realizada em 1991, ainda
não existiam exames de DNA. Seu irmão, Dimas Casemiro, que também foi
assassinado pela ditadura um mês antes, em abril de 1971, estava enterrado no
mesmo cemitério em Votuporanga. A identificação de Dimas ocorreu em 2018,
quando os exames de DNA já estavam disponíveis.
A
ossada até então atribuída a Dênis foi comparada ao DNA da família Casemiro e o
resultado foi que a ossada sepultada em Votuporanga desde 1991 não era de um
membro daquela família, anulando a identificação feita anteriormente.
Segundo
Eugênia, o processo da correta identificação de Dênis contou ainda com o achado
de uma marca de tiro nos ossos das costelas do conjunto de ossadas
identificadas como os do militante morto, lesão que bate com as sofridas pela
vítima à época.
A nova
e correta identificação de Dênis Casemiro e a identificação do marinheiro
maranhense Grenaldo de Jesus da Silva, assassinado aos 31 anos, em 1972, ao
sequestrar um avião no aeroporto de Congonhas para tentar fugir do país, são as
primeiras concluídas com resultado positivo em restos mortais de vítimas
enterradas na Vala de Perus desde 2018, ano em que o CAAF e a CEMDP
identificaram Dimas e o sindicalista Aloísio Palhano.
Com a
identificação de Dênis e Grenaldo, já são seis os militantes políticos
reconhecidos cujos restos mortais foram depositados de forma irregular na Vala
de Perus. Integram a lista Frederico Eduardo Mayr (identificado em 1992),
Flávio Carvalho Molina (2005) e Dimas e Aloísio (2018). O anúncio oficial,
marcado para hoje (16), às 11h, na Unifesp, em São Paulo, ocorre três semanas
depois de o Estado Brasileiro ter pedido desculpas pela negligência com as
identificações da Vala de Perus.
Há três
semanas, o Estado brasileiro reconheceu a negligência com ossadas da vala de
Perus; o anúncio foi realizado pela Ministra Macaé Evaristo, dos Direitos
Humanos
Para
Edson Teles, porém, o erro na identificação da ossada que se supunha ser a de
Dênis, em 1991, não é fruto de negligência, mas de limitação técnica. “A
técnica da sobreposição da foto do indivíduo e a imagem do crânio, e outras
informações obtidas em investigações preliminares e forenses, era o que havia
de técnica possível naquele momento. É claro que hoje nós temos acesso ao uso
da comparação genética entre o DNA de familiares e o DNA do material
esqueletizado, e isso permite então darmos com mais certeza o resultado final,
o que possibilitou a revisão dos resultados”, afirmou o coordenador do CAAF à
Pública.
Segundo
a presidente da CEMDP, as famílias de Dênis e Grenaldo já foram informadas
sobre as identificações. Os restos mortais sepultados como se fossem de Dênis
em Votuporanga integram o acervo do projeto Perus e até agora não batem com as
amostras de DNA de familiares de desaparecidos disponíveis atualmente no banco
genético criado para essa finalidade.
Teles
acredita que novas identificações neste contexto de recentes ataques às
instituições democráticas reforçam a defesa do regime democrático e “têm uma
relevância enorme”.
“Elas
nos permitem revisitar essas histórias. Ao revisitá-las, nós podemos apresentar
as evidências de que essas pessoas não passaram pelas narrativas que a ditadura
contava sobre elas, de suicídio ou tiroteio no meio da rua. Ao contrário, fica
factível que elas foram torturadas, executadas e tiveram seus corpos
desaparecidos voluntariamente pelos agentes de segurança”, afirmou.
• Laudos falsos e enterros em Perus
Tanto
Dênis Casemiro, como Grenaldo de Jesus da Silva foram mortos por agentes de
Estado, tiveram os laudos falsificados no IML e foram enterrados como
indigentes em Perus, apesar de os responsáveis por suas mortes saberem a
identidade de ambos.
Segundo
apurado pela CEMDP e pela Comissão Nacional da Verdade, Dênis foi preso em
abril de 1971 por uma equipe do DOPS, comandada pelo delegado Fleury. Torturado
por um mês nas masmorras da delegacia, em São Paulo, não sobreviveu às
violências sofridas.
Documentos
do DOPS indicam que Casemiro foi baleado várias vezes ao tentar fugir da
prisão, tendo sido encontrado hospitalizado em Ubatuba, no litoral de São
Paulo, no dia seguinte. Levado o mais rápido possível pelos agentes para o
Hospital das Clínicas, teria morrido no caminho. O laudo do IML corroborou essa
versão, mas ignorou diversas marcas de tortura no corpo da vítima.
Grenaldo
de Jesus Silva ingressou na Marinha em 1960, aos 18 anos, e tomou parte da
Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), que lutava
por melhores soldos para marinheiros, soldados e cabos da força. O movimento
foi declarado ilegal logo após o golpe de 64 e Silva foi um dos 414 marinheiros
presos. Ele conseguiu fugir da cadeia e passou a viver na clandestinidade em
São Paulo.
Em 30
de maio de 1972, Grenaldo afirmou à esposa que não se sentia seguro na condição
de clandestino, escreveu uma carta revelando sua condição e tomou a atitude
extrema de sequestrar um avião da Varig no aeroporto de Congonhas. O avião foi
cercado por policiais que passaram a negociar a situação, Grenaldo liberou os
passageiros e, segundo a versão oficial, ao perceber que não conseguiria fugir
se matou com um tiro na cabeça
Laudo
pericial realizado pela polícia de São Paulo e o laudo de necrópsia mantiveram
essa versão até 2003, quando uma reportagem da revista Época localizou o
controlador de vôo de serviço no dia do sequestro e um mecânico da Varig que
estava no avião. O controlador afirma que Grenaldo levava na camisa uma carta
dizendo que queria ir para o Uruguai, pois não conseguia trabalhar devido à
falta de documentos e que, depois, mandaria buscar a mulher e o filho. Sob a
carta, foi vista uma marca de tiro no peito da vítima. O mecânico de vôo, por
sua vez, disse que foi forçado a endossar a versão de suicídio e que o tiro
sofrido pelo marinheiro havia sido na nuca. Apesar da identidade conhecida das
autoridades, a vítima também foi enterrada como indigente em Perus.
NOTA:
O
trabalho do Projeto Perus é conduzido em parceria do Ministério dos Direitos
Humanos e da Cidadania, da Prefeitura de São Paulo, da Universidade Federal de
São Paulo – Unifesp, por meio do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense –
CAAF/Unifesp e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
(CEMDP).
O
objetivo do projeto é realizar os trabalhos de identificação de desaparecidos
políticos entre os remanescentes ósseos da Vala Clandestina de Perus, em uma
força tarefa composta por uma equipe técnica pericial multidisciplinar, que
conta com profissionais do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense –
CAAF/Unifesp, Instituto de Pesquisa de DNA Forense/PCDF, Polícia Federal, Museu
Nacional/UFRJ, Institutos Médico-Legal do Rio de Janeiro e da Bahia, bem como
do laboratório International Comission on Missing Persons (ICMP).
Fonte:
Por Marcelo Oliveira, da Agencia Pública

Nenhum comentário:
Postar um comentário