“Países
estão com pé no acelerador das renováveis, mas também dos combustíveis fósseis”
Faltando
pouco mais de seis meses para a realização da 30ª Conferência do Clima da ONU,
a COP30, em Belém, aumentam as expectativas sobre o que poderá resultar do
encontro, ao mesmo tempo em que também aumentam as incertezas em meio a um
cenário geopolítico conturbado que se agravou a partir da volta de Trump à Casa
Branca. O que podemos esperar, de fato, de uma conferência como essa? O quão
decisiva é essa reunião para a mitigação e a adaptação das mudanças climáticas?
E o Brasil, como país sede, tem um papel decisivo nestas negociações?
Para
responder a essas perguntas, o episódio desta semana do Bom Dia, Fim do Mundo,
videocast da Agência Pública, conversa com Ana Toni, diretora-executiva da
COP30. Toni construiu sua carreira na sociedade civil. Economista e cientista
política, atuou em organizações como Greenpeace e Fundação Ford e dirigiu o
Instituto Clima e Sociedade de 2015 até 2023, quando foi convidada pela
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para atuar como secretária de Mudança
do Clima no ministério. No cargo, ela liderou os esforços para a confecção do
chamado Plano Clima, ainda não lançado, mas que vai trazer as diretrizes do
país para o combate à emergência climática. Nos últimos dois anos ela também
compôs a equipe de negociadores brasileiros nas conferências do clima da ONU e,
neste ano, foi convidada pelo presidente Lula para compor a equipe que preside
a COP30, junto ao embaixador André Corrêa do Lago, que preside ao evento.
Na
entrevista, Ana Toni fala sobre os desafios e expectativas sobre a COP e
reconhece as dificuldades de trazer um caminho para o fim dos combustíveis
fósseis: “O que a gente viu desde que conseguimos, na COP28, finalmente falar
que vamos transitar para o fim de combustíveis fósseis de maneira ordenada,
justa e equitativa, é que, apesar de os países estarem com o pé no acelerador
para energias renováveis, eles também continuam com o pé no acelerador dos
combustíveis fósseis”. Ela também falou sobre a importância que o papa
Francisco teve para mobilizar as pessoas e os governos para combater as
mudanças climáticas e buscou frisar os limites da conferência, ao mesmo tempo
em que defendeu, como vem fazendo Corrêa do Lago, de que a solução do problema
vai depender de todos. “As COPs não são balas de prata, elas não resolvem tudo
de um dia para a noite. É ao contrário. A gente precisa desse grande mutirão
global de ação climática [que vá além das duas semanas da COP]. A gente precisa
de uma ação contínua para acelerar a implementação de muitas das coisas que já
foram acordadas nas COPs anteriores na última década.”
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Confira a entrevista:
• O conturbado tabuleiro geopolítico
mundial tem abalado os esforços contra a crise climática. Além de termos Donald
Trump tirando os Estados Unidos desse jogo, vemos muitos líderes pisando no
freio diante dessas incertezas. Mas eu queria começar lembrando uma outra
liderança que nunca arrefeceu em nos alertar para o risco da inação, que é o
papa Francisco, morto nesta segunda-feira (21). Foi justamente uma mensagem do
papa na primeira encíclica dele, a Laudato Si’, que ajudou a construir, em
2015, o consenso que acabou levando o mundo ao Acordo de Paris. Qual foi a
importância de ter um líder espiritual criando esse apelo moral sobre a crise
climática?
Acho
que todos nós acordamos um pouco mais tristes, não só por ser a liderança
espiritual incrível que o papa Francisco era para pessoas de todas as
religiões, mas pelo ambientalista que sempre foi. A Laudato Si’ foi fundamental
para criar o contexto do Acordo de Paris, na época, e recentemente, antes da
COP28 [em 2023, em Dubai], ele fez a Laudato Deum, que era também sobre mudança
do clima, e também pedindo ações num ano tão importante que foi do balanço
geral. Ter uma liderança religiosa como o papa Francisco, e outros líderes
religiosos, de uma forma ecumênica, mostrando a importância de cuidar da vida,
e que cuidar da vida é combater a mudança do clima, é trazer um balanço melhor
dessa relação do humano com a natureza, de que fazemos parte, alertar as
pessoas com outro vocabulário, é absolutamente fundamental. Acho que o papa
Francisco sabia, e ele deixava isso claro, que a mudança do clima é o maior
acelerador de desigualdade, pobreza e sofrimento humano. Ele já estava vendo
isso em 2015 – quando a gente nem tinha visto tanto dos eventos climáticos
extremos que a gente viu no ano passado, no retrasado, as ondas de calor, as
enchentes, os incêndios. Ele já sabia e por iss, se dedicou tanto a esse tema.
Já estamos sentindo muita saudade dele.
• Ele ajudou a criar um senso de
responsabilidade moral nas pessoas, mas hoje, dez anos depois do Acordo de
Paris, os humores não poderiam estar mais diferentes do que estavam há 10 anos,
né? Não só pela instabilidade geopolítica, pelo risco de novas guerras, mas
porque agora a gente ultrapassou o ano passado o aquecimento de 1,5°C pela
primeira vez. Ao mesmo tempo que a importância da COP30 fica maior dentro
dessas condições, para ser bem sucedida, talvez seja mais difícil. Qual é a
estratégia que a presidência brasileira da COP, a senhora junto com o
embaixador André Corrêa do Lago (presidente da COP) estão tentando construir
para driblar esses desafios.
Vamos
lembrar que a Convenção do Clima nasceu no Rio de Janeiro [na Rio-92] num
momento muito especial e ali a geopolítica, o tabuleiro político,
principalmente aqui no Brasil, também não era favorável. Quando tivemos o
Acordo de Paris, era um outro momento político também muito importante e foi o
momento da diplomacia climática florescer. O que a gente espera para a nossa
COP 30, que é outro momento, não só a geopolítica mudou, mas também a
diplomacia climática mudou, porque as COPs, elas não representam somente a
diplomacia em termos de negociação, como foi tão importante no Acordo de Paris.
Agora, o que é mais importante – e a carta do André Corrêa do Lago, presidente
da COP, deixa isso muito claro –, a gente precisa de um mutirão. As negociações
continuam muito importantes, mas nós temos outros players, por exemplo, setor
privado, sociedade, consumidores, eleitores, que todos têm que se unir no
combate à mudança do clima. As COPs se tornaram o maior evento das Nações
Unidas, o que mostra que elas extrapolaram para além da negociação. Virou um
momento político importante de ação climática. Mas as COPs não são balas de
prata, elas não resolvem tudo de um dia para a noite. É ao contrário. A gente
precisa desse grande mutirão global de ação climática [que vá além das duas
semanas da COP]. A gente precisa de uma ação contínua para acelerar a
implementação de muitas das coisas que já foram acordadas nas COPs anteriores
na última década.
• Vocês têm falado bastante da ideia que
essa tem de ser a COP da implementação. O que isso significa na prática? Qual é
o resultado que seria considerado um sucesso na COP quando a gente pensa em
implementação?
Quando
a gente pensa em implementação, implementação é uma palavra muito vaga, mas a
ideia é acelerar ações que já começaram a ser implementadas em todos os níveis:
local, estadual, nacional e também internacional. O que a gente espera poder
trazer para essa COP, em cada um dos pilares [chefes de Estado, negociação,
agenda de ação e mobilização], é essa ideia de urgência, de emergência
climática que estamos já vivenciando. Na agenda de negociação, o que a gente
precisa é olhar, por exemplo, para os indicadores de adaptação, para que as
agendas de adaptação sejam aceleradas. Para chefes de Estado, o que significa
acelerar a implementação? Que eles cheguem na COP30 trazendo NDCs
[Contribuições Nacionalmente Determinadas, as metas estabelecidas internamente
por cada país para redução de emissões] ambiciosas e já aceleradas, alinhadas
com [o que seria necessário para conter o aquecimento global em] 1,5°C. Isso
seria o ideal. A gente estaria muito, muito satisfeito na COP30 se sentisse em
cada um desses pilares essa mentalidade da implementação, da coisa concreta e
não ser mais uma COP que as pessoas chegam, prometem que vão diminuir em tanto
os gases de efeito estufa ou vão fazer isso com seus financiamentos, mas que a
gente não consiga monitorar essas ações.
• E o que seria, então, a implementação
sobre a decisão de dois anos atrás, da COP de Dubai, de começarmos a fazer a
transição para longe dos combustíveis fósseis? Porque a gente tem visto que
está ocorrendo um aumento das energias renováveis, como a eólica e a solar, mas
a gente está vendo uma adição de energias e não uma substituição dos
combustíveis fósseis por elas. Então, pensando na nossa COP, pensando em
implementação e pensando em sair dos combustíveis fósseis, o que seria um
resultado para essa COP nesse sentido?
A
primeira coisa para a gente pensar em implementação é os países trazerem o mais
rápido possível e com a maior ambição e qualidade possível as suas NDCs. Isso é
uma ação concreta. E por que isso é uma ação concreta? [Porque as NDCs precisam
trazer] como é que o seu país vai contribuir para os objetivos do balanço geral
[documento da COP28 que trouxe os caminhos para conter o aquecimento, como
fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis, zerar desmatamento,
triplicar energias renováveis e duplicar a eficiência energética, por exemplo].
Então, isso vai ser muito importante, porque a gente vai ter uma coleção de
contribuições, não só em termos gerais das emissões [de gases de efeito
estufa], mas também o que cada país falou que vai contribuir para os objetivos
do balanço geral que foram acordados na COP28. Mas você tem toda razão em falar
que o que a gente viu desde que conseguimos, na COP28, finalmente falar que
vamos transitar para o fim de combustíveis fósseis de maneira ordenada, justa e
equitativa, é que, apesar de os países estarem com o pé no acelerador para
energias renováveis, como a China e muitos outros, os países também continuam
com o pé no acelerador dos combustíveis fósseis. E por que isso está
acontecendo? Porque a demanda por energia no mundo está crescendo muito. Então,
os países parecem não poderem ou não quererem fazer escolhas. Então, sim,
precisamos começar a conversar quando é que tem uma substituição. Isso é
absolutamente fundamental, senão a gente só está adicionando, o que já é
importante, mas a gente precisa também fazer a transição para o fim de
combustível fóssil. E, se a demanda por energia não diminuir, esse debate vai
demorar ainda mais. Por isso duplicar a eficiência energética é tão importante,
porque a gente precisa diminuir a demanda. Mas, digamos que a gente consiga
estabilizar a demanda, aí [tem de] fazer essa substituição o mais rápido
possível. E essa substituição não pode ser só um problema dos produtores de
combustível fóssil, tem que ser um planejamento que envolva os produtores, as
empresas que estão explorando petróleo, carvão, gás, e os consumidores que
também têm a sua parcela de responsabilidade para substituírem suas demandas de
combustível fóssil para combustível renovável, biocombustível e outros. Agora,
a emergência climática está aí, então se a gente fala de segurança energética,
a gente tem que falar também de segurança climática, e a gente já passou do
nível de insegurança climática que é razoável para a humanidade, então a gente
tem que tratar de ambos.
• Uma das suas funções da COP é elaborar a
chamada agenda de ação. Você poderia explicar pra gente o que é isso?
A
agenda de ação começou junto com o Acordo de Paris. As COPs nasceram
especificamente para falar de negociação – entre os diplomatas, entre os
países. Mas no Acordo de Paris, 10 anos atrás, se percebeu que a gente ia
precisar dos outros atores, setor privado, governo subnacionais. Então, a
agenda de ação nasceu para estimular que os outros atores participassem da ação
global, pelo clima, através das COPs. E começaram a trazer governadores,
prefeitos, setor privado para, primeiro, participar das COPs, e trazerem também
seus objetivos de como é que eles iam contribuir para a descarbonização e,
logicamente, para a agenda de adaptação. Essa agenda cresceu muito. As COPs
viraram, para além da negociação, um grande momento de mobilização global. O
que a gente precisa fazer em relação à agenda de ação agora é que ela seja
baseada no que a gente já acordou nas COPs. Se concordamos em triplicar a
energia renovável, acabar com o desmatamento, duplicar a eficiência energética,
transitar para o fim de combustíveis fósseis, a gente tem que mobilizar esses
outros atores, os que não estão negociando, para que eles ajudem nesses
objetivos, fazer um grande mutirão para atingir esses objetivos que já foram
acordados.
• Mas assim como a própria negociação
climática já não é escrita a ferro e fogo, já que os países podem prometer
várias coisas, desistirem depois e não sofrerem nenhum tipo de sanção, quando a
gente pensa nesses outros atores, nessas empresas, as promessas são ainda mais
fluidas. Tanto que a gente viu muitas empresas fazendo compromisso nos últimos
anos e pulando fora recentemente. A gente vê esse movimento com bancos nos
Estados Unidos e mesmo entre empresas grandes no Brasil, como o JBS. Então,
apesar de um mutirão ser muito importante, quanto a gente, de fato, pode contar
com eles para conseguir chegar onde a gente precisa?
Você
está absolutamente correta. A gente podia contar, até antes da eleição dos
Estados Unidos, que o governo americano ia continuar com as suas ações. Então,
é uma promessa, infelizmente, tão vaga como qualquer outra promessa de muitos
desses atores do setor privado, dos governos subnacionais. É ainda mais vago,
você tem toda a razão. Mas, no final, a opção por descarbonização e por
adaptação é uma escolha. A transição está acontecendo, sabemos que ela vai
acontecer. Dez anos se passaram desde o Acordo de Paris e, apesar da
fragilidade dos acordos internacionais e da agenda de ação, como você colocou,
antes a gente estava mirando uma trajetória de chegar a 2100 com mais de 4°C de
aquecimento em relação ao período pré-industrial. Passaram-se dez anos de agenda
de ação e de negociação com as NDCs, e agora a gente está mirando 2,5°C. Então,
apesar da fragilidade do sistema, ele já teve um impacto muito positivo. Mas a
gente também sabe que 2,5°C ainda está longe de ser o que a gente precisa, que
é chegar no máximo até 1,5°C. Então, depende sim da boa vontade das empresas,
de legislações nacionais, do que prefeitos e governadores vão fazer, depende de
como as pessoas votam. Se a gente também não mobilizar os eleitores, eles vão
votar para presidentes que decidem sair do Acordo de Paris, como foi o caso dos
Estados Unidos. Essa mobilização é através da agenda de ação, através do
mutirão, ela é necessária. Sem isso, vai demorar muito mais. Não vai ser por só
forçar as pessoas fazerem. As pessoas têm que entender como vão contribuir para
isso, e é um processo longo, é um processo que requer 195 países acordando na
agenda de negociação. É necessário que empresas se comprometam com isso ou
aquilo, mas, no final, é esse mutirão das ações, em todos os níveis, do consumidor,
do eleitor, de governos federais, empresas, todos vão ter que contribuir.
Porque a transição virá, como o presidente da COP 30 falou na primeira carta,
ou por escolha ou por catástrofe. A gente espera que seja por escolha, e a
transição virá de um jeito ou do outro, mas uma transição justa, ela só virá se
for por escolha. É isso que a gente está tentando fazer, conscientizar as
pessoas das suas responsabilidades econômicas, sociais e éticas, para ver se a
gente muda o mundo nessa direção. Se você souber de algum outro jeito de fazer
isso… porque não existe, nem na diplomacia, nem no regime internacional,
qualquer outro jeito que a gente obrigue as pessoas, as empresas ou os países a
fazerem mais do que as suas próprias legislações.
• A sra. comentou sobre a necessidade de
diminuir a demanda de energia, e eu só estou aqui pensando nesses data centers gigantescos
que estão pedindo cada vez mais energia. A gente está em um mundo que quer mais
de tudo, mais mineração, mais energia. As escolhas talvez tenham de ser por não
acionar tantas coisas.
A gente
mencionou o papa, que tinha essa responsabilidade ética. A gente vai ter que
voltar a isso, porque no final depende de todos nós, porque a gente demanda
energia individualmente o tempo todo. A gente está muito feliz usando os nossos
tablets, os nossos telefones celulares, sem essa conscientização que isso está,
sim, demandando mais energia, e essas escolhas são difíceis, porque essa ideia
do limite da natureza fica muito clara com a mudança do clima. E é a primeira
vez que a sociedade como um todo está tendo que lidar com esse limite da
natureza e essa convivência com esse limite, que é uma coisa difícil, porque
nos nossos processos econômicos e sociais, é como se não tivesse limite a
demanda. Mas o limite está sendo dado pela natureza. Como é que a gente agora
organiza a nossa vida econômica e social dentro desses limites.
• Outra coisa que se espera nessa COP é
que haja um avanço sobre adaptação, que é uma agenda hoje mais que necessária,
considerando todos os eventos que a gente vem sofrendo. Isso vai ser uma
prioridade na COP?
Certamente,
adaptação vai ser uma prioridade na COP. O que tem na negociação para o tema é
acordar os indicadores das metas de adaptação, mas a gente tem que ir além e
debater financiamento para adaptação. O tema sempre foi, digamos, quase
secundário, porque, obviamente, é a mitigação que resolve os problemas
estruturalmente, mas esta é a primeira COP após a gente ter já atingido, em um
ano, o aquecimento de 1,5°C, e é a primeira COP num lugar que pode entrar em um
ponto de não retorno, que é a Amazônia. Isso faz com que a adaptação não seja
mais uma escolha, ela é uma necessidade para a sobrevivência das pessoas. Se o
tema clima surgiu na tua vida, na minha, através das negociações das COPs, o
tema clima está surgindo na vida da maioria das pessoas nesse mundo através de
enchentes, através de ondas de calor, através de secas, e essa é a realidade
que a gente já está vivendo. Dar muito mais peso político e econômico para a
agenda de adaptação já não é mais uma escolha, e a gente sabe que a COP30 vai
ter que lidar com isso. [Junto com as novas NDCs], os países também deveriam
entregar até o fim do ano seus planos de adaptação. É fundamental que a gente
faça essa cobrança para a gente chegar na COP30 com maior número de planos de
adaptação. [No Brasil] a gente vem trabalhando no nosso Plano Clima, no nosso
plano de adaptação, desde o começo de 2023. Vamos entregar os planos setoriais
de mitigação e vamos entregar o nosso plano de adaptação com 16 planos
setoriais.
• Falando em adaptação, na semana que vem
se completa um ano da tragédia das chuvas do Rio Grande do Sul, que matou 183
pessoas, deixou boa parte do estado debaixo d ‘água por semanas e causou
prejuízos da ordem de R$ 90 bilhões. No ano passado também tivemos uma seca
extrema, com muitas queimadas que atingiram Amazônia e Pantanal. E a sensação
que dá é que a gente continua despreparado para novas tragédias. Por que a
gente ainda não tem esses planos em ação?
Primeiro
porque ninguém gosta muito de mudança. Segundo, a própria ciência nos dava um
prazo maior para se adaptar. O IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas] imaginava que o tipo de desastre que a gente viu no Rio Grande do
Sul aconteceria em 2032, 2033. A mudança do clima chegou muito rápido. E a
gente sempre olhou muito mais para mitigação do que adaptação. Essa,
infelizmente, é a realidade. E, terceiro, o processo da política pública… ela
tem seu tempo. Eu acho que se hoje acontecesse, tomara que não aconteça, um
desastre como foi o do Rio Grande do Sul, certamente o Rio Grande do Sul, o
governo federal, estaria mais preparado do que estava um ano atrás. Isso não
quer dizer que está preparado. Não está preparado, mas estaria mais preparado
do que estava… Agora, a gente já está fazendo um trabalho imenso no governo
federal para prevenção dos incêndios. Normalmente eles começam, se não me
engano, em agosto, setembro, mas já tem a sala de crise, já estão liberando os
recursos para trabalhar com incêndios, porque a gente já está se preparando
melhor. Então, eu vejo o governo federal, pelo menos, e alguns dos governos
estaduais, acelerando esta preparação, mas é uma preparação complexa e ela
depende também da participação da sociedade, que também está se acostumando com
lidar com esses eventos. A gente vai ter que voltar para o que eu falei no
início, que é acelerar a implementação em geral, tanto de mitigação, como de
adaptação, financiamento, capacitação e transferência tecnologia. A gente tem
que acelerar as ações em todos os esses pilares.
• A sra. fez carreira na sociedade civil e
sabe muito bem da importância da pressão popular. E hoje, no governo, está
justamente ouvindo cobranças da sociedade civil, que tem muita expectativa de
ter voz nesse ano, porque as últimas três COPs aconteceram em países mais
autoritários, que não permitiram grandes manifestações. Quanto a COP pode
entregar de tudo isso que as pessoas desejam tanto que a COP resolva?
É um
orgulho grande ter vindo da sociedade civil, e agora, ao estar no governo,
também é um privilégio ver do outro lado o que acontece. Cada vez mais eu
valorizo o trabalho da sociedade civil, que é absolutamente fundamental de ter
ideias, de sugerir políticas públicas, de pressão, de monitoramento. É
absolutamente fundamental essa cobrança, e me sinto totalmente privilegiada de
estar no Brasil e estar trabalhando na mudança de clima, onde a sociedade civil
brasileira é tão ativa, tão conhecedora, estimulando e trazendo coisas novas
que podem também ser absorvidas pelo governo, ou cobrando do governo novas
ações. Mas, olhando agora a partir do olhar do governo para a sociedade civil,
eu acho que tem, sim, uma expectativa sobre COP maior do que uma COP pode
entregar, pelos temas que a gente discutiu nesse podcast, que é a COP ser mais
do que uma negociação, a COP agora é uma mobilização geral, e essa mobilização
não precisa esperar as duas semanas [da conferência] para acontecer. Ela é
contínua, a nossa sociedade civil sabe disso. A cobrança é muito bem-vinda,
advocacy é super bem-vindo, vai continuar e deve continuar para todos os
países, inclusive aqui para a gente, mas a gente vai ter que ir além. E esse
além é implementar na ponta. Muitas vezes há demandas que a gente, governo, ou
não consegue implementar, ou que uma empresa poderia estar implementando, ou
que uma prefeitura deveria estar implementando. Acho que cada vez mais a
sociedade começa a perceber o que ela própria pode fazer, [sabendo] que a COP
não é uma bala de prata. A sociedade civil que acompanha [as negociações de]
clima entende os limites de uma COP e está trabalhando muito bem com isso. Eu
acho que o que a gente precisa é explicar o que uma COP, sim, pode entregar, e
o que uma COP não entrega, e quem entrega é o governo durante o resto do ano,
ou quem entrega é o setor privado, ou quem entrega é o eleitor, ou quem entrega
é o consumidor. Não imaginar que essas escolhas e essa transição vão ser
fáceis. Não vai ser fácil, mas é a única solução. Todos nós vamos ter que
contribuir em todas as nossas capacidades, como governo, como setor privado,
como consumidores, como mães, pais, professores ou eleitores.
Fonte:
Por Por Giovana Girardi, Ricardo Terto, Sofia Amaral e Marina Amaral, da
Agencia Pública

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