sábado, 19 de abril de 2025

“Não dá para ter vida sem demarcação do território”

O Povo Kaxixó foi reconhecido oficialmente em 2001, mas a gente vem lutando por esse processo desde 1982. Então, já são 43 anos de história. Em 2013, o território foi reconhecido como um território indígena, ocupado pelo nosso povo durante todos esses anos. Foi a partir desse reconhecimento que nós começamos a nos afirmar mesmo como um povo indígena. Nós retornamos. Fomos em busca dos rituais dos nossos antepassados e voltamos a praticá-los, para reafirmar a nossa identidade e podermos falar sem medo que nós somos um povo indígena e que ocupamos esse território.

Com o rompimento da barragem da Vale, muitas pessoas deixaram de pescar no Rio Paraopeba e vieram para o Rio Pará, o que restringiu um pouco nosso acesso e afetou nossa relação com o Rio, porque agora tem muitas pessoas desconhecidas. Já as aldeias de Fundinho e Pindaíba, em Pompéu, foram atingidas mais diretamente, porque estão bem próximas à margem do Rio e ficaram sem poder ir nadar e fazer os rituais religiosos, como era costume; além disso, diminuiu a quantidade de peixes, influenciando a nossa alimentação. Nós estamos organizados e ativos na luta por reparação, formamos a Comissão do Povo Kaxixó e estamos junto das outras Comissões. Eu também faço parte da Instância Regional. Mas nos preocupa muito o que está acontecendo com o Rio Paraopeba, como está o nosso solo, a nossa terra, o nosso Cerrado.

Uma característica fundamental dos povos originários é a nossa relação com a natureza. Ela rege a nossa cultura, nosso modo de viver. O que nós acreditamos, o nosso propósito, os nossos valores, tudo é muito ligado à natureza. Nossa vivência é subsidiada pela natureza, então nós sabemos respeitá-la e cuidar dela. Eu acho que a resposta para essa crise climática que o mundo vem sofrendo está dentro das aldeias, nessa relação que nós estabelecemos. Nós retiramos da natureza tudo que precisamos, mas sem degradação, sem desmatamento, sem mineração – coisas que sabemos que acabam com o território. Tentamos preservar ao máximo, porque acreditamos na força que a natureza tem nas nossas vidas.

E não dá para ter vida sem demarcação do território. Como nós vamos sobreviver sem o território, que nos mantém vivos, mantém a nossa cultura, nos garante o espaço para viver, o alimento, a prática dos nossos rituais, como repassar esses conhecimentos? Com esses impedimentos para a demarcação dos territórios, como a PEC do Marco Temporal, é impossível manter uma vida indígena presente. Aqui em Martinho Campos, nosso bioma é o Cerrado. O município vive da agropecuária. Onde que o município tem uma unidade de conservação do Cerrado, das nascentes de água? Não tem. Então, com a demarcação, o nosso território provavelmente vai ser o único espaço de conservação no município. Um local onde o Cerrado é respeitado, onde a vida acontece sem degradação ambiental. O território é a pauta principal na luta dos povos indígenas.

Mas eu gosto de sempre falar que nós estamos em busca do bem viver. Nós queremos harmonia, queremos conservação, queremos a natureza viva. Queremos ver o Rio vivo. Então, quem estiver interessado nas causas indígenas, busque conhecer os povos originários, conhecer a sua cultura, respeitar essas tradições, esses modos de vida, mas principalmente conhecer, interagir com essas pessoas, entender o processo de luta.

Essa é a minha mensagem neste Dia dos Povos Indígenas: conheça os povos originários do Brasil, respeite e ajude a preservar seus territórios, sua cultura e seus modos de vida.

¨      “Essa Mesa é uma arma apontada para nossa cabeça”, afirmam indígenas em Brasília pelo fim da Mesa de Conciliação

Nesta semana, cerca de 230 indígenas dos povos Munduruku, Guarani e Kaiowá permaneceram mobilizados em Brasília contra a Mesa de Conciliação e a Lei 14.701, conhecida como Lei do Marco Temporal. A mobilização persistiu mesmo após o encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL), na última sexta-feira (11), que realizou protestos e discussões sobre tais medidas.

Em Brasília, eles circularam por entre gabinetes e salas de reunião de membros e órgãos do Estado para fazer o que Norivaldo Guarani Kaiowá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pela Aty Guasu, chamou de “um pedido de socorro”. “A gente quer que essa Mesa saia de pauta. Essa lei está em vigor há um ano e quatro meses. O nosso povo está morrendo. A gente está fazendo esse pedido, esse grito de socorro”, clamou Simão, durante uma das várias reuniões realizadas com representantes do governo.

Ao longo da semana, os indígenas se reuniram com representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Justiça (MJ), do Ministério dos Povos indígenas (MPI) e da AGU. Também participaram de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara Federal e realizaram um ato em frente ao STF.

Além da reivindicação contra a Lei do Marco Temporal e a Câmara de Conciliação, os indígenas também cobraram o andamento na demarcação de seus territórios, a proteção contra fazendeiros e jagunços, no Mato Grosso do Sul, e a desintrusão das áreas invadidas pelo garimpo, na região do Tapajós. O pedido para que o governo federal se retire da Mesa de Conciliação foi reforçado à AGU, ao MJ e a Funai.

<><> Reunião sob pressão

O ato contra as medidas anti-indígenas, realizado na última terça-feira (15), uniu os três povos e ocorreu enquanto lideranças do povo Munduruku se reuniam com o ministro Gilmar Mendes, relator das ações de inconstitucionalidade da Lei que deram origem à Mesa de Conciliação. Na ocasião, indígenas Guarani e Kaiowá também foram atendidos pela Ouvidoria da Suprema Corte e por assessores da presidência do STF.

A reunião com o Gilmar Mendes foi uma das exigências desse povo [Munduruku] que, em protesto à Lei e a tentativa de conciliação de seus direitos, bloqueou durante 14 dias a BR 230, em Itaituba, no sudoeste do Pará.

“Essa reunião, no entanto, só aconteceu pela pressão do agronegócio, porque a gente estava em uma BR por onde passa toda a logística do sul do Brasil, que é a soja para ser transportada para países desenvolvidos. E nós estávamos com crianças, com mulheres, com pajé, com os caciques, e a gente decidiu não sair enquanto Gilmar Mendes não ouvisse nossas demandas”, explicou Alessandra Korap, liderança do povo Munduruku.

Para Juarez Saw Munduruku, também liderança deste povo,  “o recado foi dado” ao ministro. “Ele [os ministros]  vai ter que pensar o que ele vai fazer com essa Lei. Se continuar com ela, o culpado de tudo vai ser ele, porque com certeza os invasores vão chegar no nosso território assassinando liderança, cacique, guerreiro. Eles já estão bem próximos do nosso território”, considerou Juarez.

<><> Conciliação

A Mesa de Conciliação, criada um ano atrás nos mesmos dias em que os povos indígenas realizavam a 20ª edição do ATL em Brasília, discute no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) as ações de inconstitucionalidade da Lei 14.701, promulgada em dezembro de 2023. A Lei, considerada pelos povos genocida e anti-indígena, institui a tese do marco temporal e  tenta, dentre outros entraves, barrar as demarcações de terras indígenas no Brasil a fim de liberá-las para exploração econômica.

A lei também foi questionada pelo povo Xokleng, com apoio de outros povos indígenas e de organizações aliadas, no Tema 1031, que ainda aguarda o julgamento dos embargos de declaração. Para o movimento indígena e aliados, mais do que qualquer mesa, essa é a instância apropriada para debater os direitos constitucionais dos povos indígenas. Não à toa, em agosto do ano passado, a Apib se retirou da Mesa de Conciliação.

Sua continuidade, no entanto, a despeito da participação de representantes do movimento indígena tem causado enorme revolta entre os povos indígenas, que têm se indignado também com a tentativa do Congresso e do governo federal de dar andamento à Mesa com sucessivos pedidos de prorrogação.

Desde sua criação, foram realizados dois pedidos de prorrogação para continuidade da Mesa: um primeiro, feito pela União através da AGU, no final do mês de fevereiro, cujo aceite adiou a discussão conciliatória até o início deste mês (2); e um segundo, requerido no último dia 9, em pleno ATL, pelas advocacias da Câmara e do Senado Federal e, por mais uma vez, pela União.

Para Valdelice Veron, uma das lideranças Guarani Kaiowá, prorrogar a Mesa de Conciliação é dar continuidade à política de morte imposta ao seu povo. “Toda vez que tentarem continuar com essa Conciliação, vai morrer Guarani, vai ressoar como morte lá. A mesa de conciliação é literalmente uma arma apontada para nossa cabeça, para negociar nossos direitos. Nós não queremos a mesa de conciliação”, declarou a liderança durante o ato realizado em frente ao STF.

Em carta entregue à AGU, lideranças Guarani Kaiowá foram contundentes ao pedir a saída da União da Mesa. “Exigimos que se retirem da Mesa de Negociação e que retirem a posição pela continuidade da mesma. Caso contrário a história mostrará o que estão fazendo, em cada gota de sangue do nosso povo que for derramada sobre a terra que vocês deixaram de demarcar e proteger ou que tenham negociado”, afirmam em um trecho da carta.

¨      Jovens Yanomami recorrem a drones para vigiar seu território amazônico

Quando garimpeiros ilegais começaram a invadir suas terras, há sete anos, muitos indígenas Yanomami se sentiram impotentes. Como vigiar um território quase do tamanho de Portugal, numa região remota da Amazônia, sem polícia, aviões ou tecnologia? Cerca de 20 mil homens invadiram a Terra Indígena (TI) Yanomami em busca de ouro e cassiterita, causando uma grave crise humanitária e ecológica.

Os Yanomami fizeram diversos apelos ao governo federal. No entanto, o país estava sob o comando do presidente Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022, que apoia mineração em terras indígenas, mesmo que essa atividade seja proibida em qualquer circunstância pela Constituição brasileira. O ex-presidente e sua equipe paralisaram todos os esforços para expulsar os invasores da TI Yanomami.

Desamparados na maior terra indígena do país, em uma região remota que de fronteira com a Venezuela, os Yanomami concluíram que estavam sozinhos para proteger seu território. Em razão disso, em 2022, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) buscou parcerias para implementar e organizar um projeto de capacitação de jovens para o uso de drones. Maurício Ye’kwana, diretor da HAY, começou a desenvolver o projeto em 2021, como participante da cúpula climática COP26, em Glasgow. Na ocasião, ele entrou em contato com financiadores europeus que decidiram apoiar a iniciativa de formação através da organização humanitária internacional CAFOD.

Os 32.212 Yanomami e Ye’kwana, um grupo étnico que compartilha o território, não poderiam vigiar cerca de 10 milhões de hectares a pé e em canoas, mas com drones eles podem enxergar um pouco mais longe.

“O objetivo do curso era capacitar jovens Yanomami, tentar despertar a inovação no pensamento deles, para que pudessem atuar como multiplicadores de aprendizagem para outros jovens”, afirma Maurício à Mongabay.

Cidiclei Palimitheli, 26 anos, fez parte de um grupo que concluiu o módulo de formação avançada como operador de drones em setembro passado e pode agora utilizar esse equipamento no monitoramento e vigilância territorial. “Gostei muito desta oficina porque aprendi mais sobre como conduzir o drone e mapear o nosso território”, relata Palimitheli à Mongabay. “Nesta terceira fase avançada, a novidade foi deixar o drone decolar automaticamente”.

Palimitheli e os seus colegas consideram que a tecnologianão-indígena ajudará a preservar tradições culturais ancestrais e a reforçar a proteção ambiental num dos territórios indígenas mais emblemáticos do Brasil. Ele já faz parte de um grupo de proteção territorial em uma aldeia devastada por invasores. “Agora o drone vai me dar mais segurança para mapear as comunidades e ver se os garimpeiros estão por perto, ameaçando-as”, afirma.

Desde 2022, foram realizados três módulos de oficinas presenciais, com aulas teóricas e práticas em comunidades indígenas Yanomami no estado de Roraima, as mais afetadas pelas atividades de garimpo ilegal nos últimos sete anos.

“Eu passei a frequentar essas oficinas há dois anos e já aprendi muito”, disse Alexandre Ye’kwana, 24 anos, à Mongabay. “Por exemplo, quero mapear a área de mineração e já consigo fazer isso sem o professor. Já sei como fazer um plano de voo e aprendi mais sobre funções automatizadas”.

Inicialmente, o programa se concentrou na área de Roraima mais afetada pelo garimpo ilegal. No futuro, espera-se que o monitoramento por drones se estenda por toda a Terra Indígena Yanomami.

<><> Esperança renovada

Quando Luiz Inácio Lula da Silva, venceu Bolsonaro para se tornar presidente em 2023, a esperança foi renovada para os povos indígenas no Brasil. O novo presidente prometeu expulsar os invasores dos territórios indígenas e proteger a Floresta Amazônica e todos os biomas do país.

A assistência aos Yanomami finalmente chegou em 2023. No entanto, logo ficou claro que os indígenas não poderiam contar apenas com os esforços do governo. Os garimpeiros ilegais resistiram a deixar o território, e muitos voltaram após as primeiras investidas. Agora, dois anos depois, os Yanomami reconhecem o sucesso nas ações de desocupação, mas o desafio continua no longo prazo. O governo federal realizou 3.536 operações para retirar os invasores, o que levou a um prejuízo de R$ 267 milhões para o crime organizado envolvido no garimpo ilegal no território e a uma redução de 91% na extensão de áreas de extração de ouro.

Para realizar a capacitação do programa de drones, a Associação Hutukara pediu ajuda ao Conselho Indígena de Roraima (CIR). De 2022 a 2024, foram realizadas três oficinas presenciais dos módulos iniciante, intermediário e avançado.

Giofan Erasmo, engenheiro agrônomo do Departamento de Gestão Territorial, Ambiental e das Alterações Climáticas do CIR, está entusiasmado com os resultados. Ele representou a organização parceira na missão, que considerou “muito bem-sucedida”. “Depois de estudar o módulo avançado, eles ensinaram outras pessoas a usar drones para tirar fotos do território indígena”, contou à Mongabay.

Erasmo formou diretamente seis Yanomami e Ye’kwana que, por sua vez, compartilharam o conhecimento formando outros oito jovens comunicadores Yanomami.

“Além de reforçar a proteção, este trabalho ajuda-os a compreender melhor o seu extenso território e a planejar e gerir as áreas onde as suas comunidades estão localizadas”, observa Erasmo. Ele explicou que o uso de tecnologias interativas facilitou muito o aprendizado e que, aos poucos, os alunos foram acrescentando ideias e sugestões para aplicá-las em suas comunidades.

O mapeamento de rios foi especificamente solicitado nas oficinas e como produzir fotos e vídeos georreferenciados. Os rios estão especialmente em risco no território, uma vez que o mercúrio proveniente do garimpo de ouro é o principal poluente da Amazônia, onde 20% dos peixes de consumo básico estão contaminados.

Para Erasmo, os resultados foram extremamente positivos. “Há três anos, eles não tinham a menor ideia sobre drones ou como usá-los, e agora já atingiram um nível avançado de operação. A partir de agora, eles poderão fazer um trabalho concreto em benefício de suas comunidades”, disse. Ele acrescenta que uma demanda futura de treinamento envolve o aprendizado sobre Sistemas de Informação Geográfica para expandir habilidades de elaboração de mapas.

Ele também disse acreditar que a origem indígena dos instrutores fez toda a diferença no projeto. “O ponto de vista do indígena é diferente do não-indígena, e como ‘parentes’ [expressão usada para designar outras pessoas de origem indígena, independentemente de sua etnia específica], conversamos e nos entendemos”, disse Erasmo, que pertence à etnia Macuxi. O agrônomo ainda explicou que, apesar de suas particularidades culturais, Yanomami e Macuxi têm visões de mundo semelhantes.

“Esta parceria é muito importante e muitas das suas colaborações são extremamente úteis. Os ‘parentes’ se dão bem, então eles podem aprender coisas facilmente uns com os outros”, disse Maurício Ye’kwana.

Ele afirma que os Yanomami precisam de treinamento contínuo para vigiar seus territórios, já que “o governo pode não continuar para sempre o que está sendo feito hoje”. “Os próprios Yanomami têm que ter um papel de liderança”, conclui o diretor da HAY.

 

Fonte:  Por Letícia Kaxixó, no Instituto Guaicuy/Cimi/Mongabay

 

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