Implementar
o Código Florestal é essencial para o agronegócio
“O
primeiro pilar do Código Florestal é proteger a biodiversidade. Sem isso, a
gente não consegue produzir: falta água, falta solo e falta polinização”,
destacou Jarlene Gomes, pesquisadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental
da Amazônia), durante a oficina “Código Florestal como lei essencial para a
mitigação e adaptação climática no Brasil”, realizada na Câmara dos Deputados
no dia 27 de março. O evento teve como objetivo debater o histórico de
implementação do Código Florestal Brasileiro, destacando sua importância para a
conservação do meio ambiente e a produtividade no campo.
“A
implementação do Código Florestal vai nos ajudar tanto na mitigação quanto na
adaptação às mudanças climáticas. A partir do momento em que recupero uma área
degradada, capturo carbono e estou mitigando os impactos. Se implemento uma
recuperação produtiva, também estou me adaptando às mudanças. O Código é hoje
uma grande ferramenta para as metas climáticas do Brasil, e temos um grande
desafio: avançar na análise dos cadastros rurais e desenvolver ainda mais nosso
processo de regularização fundiária”, completou.
A
oficina também apresentou o Termômetro do Código Florestal, ferramenta do OCF
(Observatório do Código Florestal), desenvolvida pelo IPAM e parceiros para
monitorar a implementação da legislação aprovada em 2012 no país. Segundo a
plataforma, o Brasil tem mais de 16 milhões de hectares de passivo de reserva
legal dentro de propriedades rurais privadas – uma área maior que a Inglaterra
ou que Altamira, o maior município brasileiro. Além disso, há um déficit de
mais de 3 milhões de hectares de áreas desprotegidas que deveriam estar em APPs
(Áreas de Preservação Permanente), como margens de rios, nascentes e topos de
morros com mais de 1.800 metros de altitude.
Apenas
na Amazônia, são mais de 8 milhões de hectares de passivo de reserva legal,
metade do total brasileiro. No Cerrado, bioma com segundo maior déficit de
reserva legal, esse número ultrapassa 6 milhões de hectares, com destaque para
áreas do Matopiba – região que abrange parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia, e uma das fronteiras agrícolas mais ativas do mundo.
Atualmente,
o Código Florestal Brasileiro estabelece que toda propriedade rural deve manter
uma reserva legal com vegetação nativa, variando conforme o bioma. Na Amazônia
Legal, os percentuais exigidos são de 80% para áreas de floresta, 35% para o
Cerrado e 20% para os campos gerais. Já nas demais regiões do Brasil,
independentemente do bioma, o percentual mínimo exigido é de 20% da
propriedade.
·
Eventos
climáticos extremos
O
descumprimento do Código Florestal também torna o país mais vulnerável a
eventos climáticos extremos e seus efeitos, como enchentes, tempestades e ondas
de calor. Sem a proteção da vegetação nativa, além de um clima mais
imprevisível, o solo passa a absorver menos água e as ventanias se tornam mais
frequentes. O Rio Grande do Sul,
que registrou uma série de enchentes em 2023 e 2024, alagando cidades e
deixando milhares de mortos e desabrigados, tem cerca de 255 mil hectares que
deveriam ser áreas de reserva legal, mas que se encontram desprotegidos.
“A
gente sabe que as grandes enchentes acontecem tanto pelo volume de chuva quanto
pelo fato de hoje não termos vegetação suficiente para reter essa água quando
chove. Sem essa cobertura, o solo se degrada rapidamente, mas isso pode ser
revertido com um processo de recuperação produtiva, por exemplo. Essa
combinação de mitigação e adaptação é um dos pilares do Código”, salienta
Gomes.
Além
dos impactos crescentes das chuvas, ambientalistas também destacam o prejuízo
econômico causado por eventos climáticos extremos. No Brasil, um dos maiores
produtores agrícolas do mundo, o aumento das temperaturas está diretamente
ligado à quebra de safras, à morte de gado e à queda na produtividade
agropecuária. Cerca de 30% das fazendas situadas na fronteira agrícola
Amazônia-Cerrado, abrangendo Mato Grosso, Goiás e a região do Matopiba, já
estão fora do ideal climático para a agricultura devido às alterações no clima.
·
Sobre
a plataforma
O
Termômetro do Código Florestal é uma plataforma desenvolvida para monitorar a
implementação do Código Florestal Brasileiro. Apresenta dados e análises sobre
o progresso da regularização ambiental no país, incluindo a adesão dos
proprietários rurais ao Cadastro Ambiental Rural e a implementação dos
Programas de Regularização Ambiental.
A
ferramenta busca oferecer transparência quanto ao cumprimento da legislação
ambiental e facilitar o acompanhamento por parte de gestores públicos,
pesquisadores e da sociedade civil. Além disso, fornece relatórios sobre
excedentes e passivos de Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais,
auxiliando na identificação de desafios na aplicação da lei.
¨ Estudo global revela
impacto oculto das atividades humanas na natureza
A
vegetação natural frequentemente carece de muitas espécies que poderiam estar
presentes, mas não estão. Isso ocorre, principalmente, em regiões muito
afetadas pela atividade humana. Uma pesquisa publicada na
revista Nature fez um levantamento exaustivo dessa situação em 119
regiões ao redor do mundo. O artigo dá conta daquilo que os especialistas
chamam, em inglês, de dark diversity, que, em português, poderia ser
denominado “diversidade faltante”.
Mais de
200 pesquisadores, membros da colaboração internacional DarkDivNet,
participaram do estudo, investigando a presença ou não de plantas em 5.500
locais. A pesquisa foi coordenada pelo professor Meelis Pärtel,
do Instituto de Ecologia e Ciências da Terra da Universidade de Tartu, na
Estônia. E teve a participação de Alessandra Fidelis e Mariana Dairel, entre outros
brasileiros.
“Em
cada lugar, pesquisadores locais registraram todas as espécies de plantas e
identificaram a diversidade faltante, isto é, as espécies nativas que poderiam
viver ali, mas estavam ausentes. Isso nos permitiu compreender o potencial da
diversidade vegetal no lugar e também medir o impacto das atividades humanas
sobre a vegetação natural”, explica Fidelis, professora do Instituto de
Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), campus de Rio Claro.
Segundo
o estudo, em regiões com pouco impacto humano, os ecossistemas normalmente
apresentam mais de um terço das espécies potencialmente adequadas. A ausência
dos outros dois terços deve-se a fatores naturais, como a dispersão limitada.
Porém, em regiões fortemente impactadas por atividades antrópicas, os
ecossistemas contêm apenas uma em cada cinco espécies adequadas. “Medidas
tradicionais de biodiversidade, como simplesmente contar o número de espécies
presentes, não detectam esse impacto, pois a variação natural da biodiversidade
entre regiões e ecossistemas oculta a verdadeira extensão da influência
humana”, afirmam os coordenadores do estudo.
O
professor Meelis Pärtel conta que a colaboração DarkDivNet começou cerca de
sete anos atrás, em 2018. “Tínhamos introduzido a teoria de dark
diversity e desenvolvido métodos para estudá-la, mas, para realizar
comparações globais, precisávamos de uma amostragem consistente em muitas
regiões. Parecia uma missão impossível, porém, muitos colegas de diferentes
continentes se juntaram a nós”, afirma. Apesar das dificuldades decorrentes da
pandemia de COVID-19 e das crises econômicas e políticas globais, os dados
foram coletados ao longo dos anos, mesmo sem um financiamento central.
Fidelis
aderiu ao estudo desde o início, quando uma pequena reunião sobre a DarkDivNet
foi realizada em um congresso da International Association for Vegetation
Science (IAVS), em Bozeman, Estados Unidos, em 2018. “A partir disso,
vários pesquisadores se juntaram à iniciativa, aplicando a mesma metodologia em
diversos locais do mundo. A doutora Mariana Dairel, na época minha orientanda
de doutorado, empolgou-se com a ideia e me auxiliou no levantamento dos dados.
Resolvemos coletar informações na região de Itirapina, no Estado de São Paulo,
onde se localizam as estações Ecológica e Experimental de Itirapina. Nessa
região, há tanto vegetação nativa de Cerrado quanto áreas antropizadas, com
plantio de pinheiros e eucaliptos”, informa a pesquisadora.
E
acrescenta: “Sabemos que o impacto humano tem trazido diversas consequências
para os ecossistemas, afetando a biodiversidade. Porém, este estudo vai além:
mostra como estamos perdendo não somente as espécies que estavam ali antes, mas
também as que potencialmente poderiam estar na área, podendo, dessa forma,
afetar a regeneração natural”.
<><>
Pegada ecológica
O nível
de perturbação antrópica em cada região foi medido utilizando o Indicador da
Pegada Ecológica (Human Footprint Index), que inclui fatores como densidade
populacional humana, mudanças no uso da terra (como urbanização e agricultura)
e infraestrutura (estradas e ferrovias). O estudo constatou que a diversidade
de plantas em um local é negativamente influenciada pelo nível da “pegada
ecológica”. Quanto maior o índice, menor a diversidade. A influência antrópica
pode estender-se por centenas de quilômetros ao redor do ponto em que ocorre.
“Esse
resultado é alarmante, porque mostra que as perturbações humanas têm um impacto
muito mais amplo do que se pensava, alcançando até mesmo reservas naturais.
Poluição, desmatamento, descarte de lixo, pisoteio e incêndios causados por
humanos podem excluir plantas de seus hábitats e impedir a recolonização.
Também descobrimos que a influência negativa da atividade humana era menos
pronunciada quando ao menos um terço da região ao redor permanecia intacto, o
que reforça a meta global de proteger 30% do território terrestre até 2030”,
destaca o professor Pärtel. E alerta para a necessidade de manter e melhorar a
saúde dos ecossistemas para além das reservas naturais, utilizando o conceito
de “diversidade faltante” como ferramenta prática para atividades de
conservação e restauração.
Os
autores do estudo atribuem o empobrecimento da vegetação à fragmentação, perda
de conectividade, defaunação (perda de espécies animais, especialmente de
dispersores de sementes), distúrbios como fogo e extração de madeira, além da
eutrofização (processo de poluição que ocorre quando há um aumento de
nutrientes em corpos de água, como rios, lagos e estuários). A presença de pelo
menos 30% da paisagem em estado natural foi associada a uma mitigação desses
efeitos.
¨ Aquecimento global
amplifica ondas de calor, que podem assolar cidades brasileiras até 15 vezes ao
ano
As
ondas de calor estão se tornando mais frequentes, mais intensas e mais
duradouras. É assim em praticamente todo o mundo e a América do Sul e o Brasil
não são exceção. Artigo publicado em fevereiro deste ano na revista Frontiers
in Climate produziu uma série de indicadores que dão uma medida da
escalada desse tipo de evento extremo no Brasil, Paraguai, nordeste da
Argentina e sul da Bolívia.
A
partir de dados dos serviços meteorológicos nacionais, os pesquisadores
calcularam a incidência, a potência e a duração das ondas de calor em 10
cidades, cinco delas do Brasil (Manaus, Rio Branco, Brasília, Cuiabá e São
Paulo), no período entre 1979 e 2023. Em todas as localidades, esse tipo de
evento apresentou viés de alta em 2023, o segundo ano mais quente no planeta
desde meados do século XIX, período considerado como representativo da era
pré-industrial. Por dias, as temperaturas atingiram picos entre 35 graus
Celsius (ºC) e 40 ºC.
Das
cidades brasileiras analisadas no trabalho, Manaus, Rio Branco e Brasília foram
as que apresentaram indicadores com maior aumento em termos de incidência do
fenômeno climático. Nas capitais do Amazonas e do Acre, houve, respectivamente,
17 e 22 ondas de calor em 2023, praticamente o dobro da média anual registrada
ao longo dos 45 anos do estudo. Na capital federal, a frequência dos episódios
de calor elevado e persistente quase triplicou. No ano retrasado, houve 17
ondas de calor, ante uma média histórica de 5,9 eventos por ano. Em 2023,
Cuiabá teve 14 ondas, São Paulo, 15, respectivamente, dois e três episódios
extras em relação à média anual observada durante o quase meio século de dados
produzidos pelo trabalho (ver quadro sobre as cidades brasileiras abaixo).
Em quatro das outras cinco cidades sul-americanas (a argentina Las Lomitas, a
paraguaia Mariscal Estigarribia, e as bolivianas San Ignacio de Velasco e San
Jose de Chiquitos), a incidência de ondas de calor foi ainda maior, com pelo
menos 23 eventos desse tipo em 2023.
“As
ondas de calor são um fenômeno natural, mas as mudanças climáticas aumentam
sobretudo sua intensidade e duração”, diz o climatologista José Marengo, do
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden),
principal autor do artigo. Em 2023, os eventos prolongados de calor extremo se
estenderam por um mínimo de 4,7 dias em Brasília e 7,4 dias em Manaus, valores
acima da média histórica das duas cidades, que era igual e se situava em 4,2
dias. Marengo está terminando um estudo semelhante, agora com dados de 2024, o
ano mais quente da história recente, e os resultados apontam, como era de se
esperar, na mesma direção.
O sexto
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de
2021, indica que a intensidade e a frequência de dias mais quentes, inclusive
das ondas de calor, estão aumentando desde os anos 1950 em escala global (os
dias de frio acentuado estão diminuindo). Essa tendência é clara em mais de 80%
do planeta.
Alguns
trabalhos recentes sugerem que a América do Sul está entre as regiões mais
suscetíveis à escalada dos eventos extremos de calor. Estudo publicado em abril
de 2024 na Nature Reviews Earth & Environment mostra, por
exemplo, que o continente, especialmente sua porção centro-norte, foi a área de
terra firme do planeta que mais registrou ondas de calor em 2023. Essa parte da
América do Sul teve entre 110 e 150 dias expostos a ondas de calor, mais de três
vezes a média anual do período entre 1990 e 2020. A África foi o segundo
continente com mais ondas de calor no ano retrasado.
Na
América do Sul, durante esses dias seguidos de calor intenso em 2023, as
temperaturas estiveram entre 0,5 ºC e 1 ºC acima do esperado no Peru, norte da
Bolívia e Brasil, segundo o estudo. No Chile, no sul da Bolívia, Paraguai e
Argentina, o aumento foi maior, entre 1 ºC e 3 ºC. “No Brasil, as áreas mais
expostas às ondas de calor, inclusive no inverno e no início da primavera,
foram a Amazônia, parte do Pantanal e o Sudeste”, comenta a climatologista
Renata Libonati, coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites
Ambientais do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (Lasa-UFRJ). “A situação foi ainda pior em 2024.” Ao lado de
pesquisadores de outros continentes, a brasileira foi uma das autoras do artigo
e, nesse momento, finaliza um novo trabalho, com a mesma equipe internacional,
com dados de 2024.
Um dia
muito quente, ainda que acima do esperado, não configura uma onda de calor.
Embora não haja consenso absoluto sobre como definir esse tipo de fenômeno
extremo, um ponto em comum de todas as abordagens é que uma onda de calor deve
apresentar temperaturas muito acima da média histórica, ou de algum outro valor
de referência, durante pelo menos três dias consecutivos. Algumas definições
são mais rígidas na questão da duração e adotam cinco dias seguidos de
temperaturas muito elevadas como o mínimo necessário para caracterizar o
fenômeno.
Vários
estudos científicos, como o da Frontiers in Climate, usam o
conceito de onda de calor como sendo um período de ao menos três dias seguidos
com temperatura máxima superior a 90% dos registros históricos ao longo de um
período de 30 anos de uma localidade. Às vezes, o valor da temperatura mínima
diária também é levado em conta para classificar esse tipo de evento extremo.
“Por essa definição, não há um número mágico que nos permita dizer que há uma
onda de calor sempre que a temperatura se mantém, por exemplo, 4 °C acima de um
certo valor”, comenta Marengo.
Os
serviços nacionais de meteorologia e de clima tendem a usar um conceito de onda
de calor diferente do empregado pelos trabalhos científicos. “Adotamos a norma
da Organização Meteorológica Mundial (WMO), em que uma onda de calor se
configura pela persistência, ou seja, ocorre quando as temperaturas máximas
diárias ultrapassam em pelo menos 5 °C a média mensal durante, no mínimo, cinco
dias consecutivos”, explica a meteorologista Danielle Barros Ferreira, do
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “Por exemplo, a média da
temperatura máxima na cidade de São Paulo no mês de fevereiro é de 29 ºC.
Portanto, para um evento ser uma onda de calor é necessário que as temperaturas
máximas permaneçam no mínimo cinco dias com valores de 34 ºC ou mais.” A média da
temperatura máxima é calculada a partir da chamada normal climatológica, um
período de 30 anos considerado como representativo das condições atmosféricas
recentes de uma região. No caso do Inmet, que passou a contabilizar ondas de
calor apenas em janeiro de 2023, a normal climatológica atual abrange o período
de 1991 a 2020.
As
diferentes definições do conceito de onda de calor explicam números
discrepantes entre estudos que tentam flagrar a dimensão desses eventos
extremos e, por vezes, limitam a comparação de seus resultados. A ausência de
séries históricas mais prolongadas e buracos nos dados existentes também
dificultam determinar com precisão qual era a frequência e a intensidade desse
fenômeno no passado mais remoto. Um relatório divulgado no fim de 2023 pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é um dos poucos trabalhos que
analisaram as ondas de calor no Brasil ao longo de um período mais longo, de 60
anos. O trabalho adotou uma metodologia semelhante à descrita no artigo
coordenado por Marengo, mas definiu uma onda de calor como um período mais
longo, com pelo menos seis dias seguidos com temperaturas máximas elevadas.
A
partir de dados de 1.252 estações meteorológicas espalhadas pelo país, o estudo
do Inpe concluiu que houve, entre 1961 e 1990, uma média de 7 dias por ano com
ondas de calor no Brasil. Entre 2011 e 2020, o número subiu para 52 dias por
ano. “Ao longo das últimas décadas, houve um aumento gradual das ondas de calor
em praticamente todo o Brasil”, comenta o climatologista Lincoln Muniz Alves,
do Inpe, um dos autores do trabalho. “Apenas a região Sul, a metade sul do
estado de São Paulo e o sul de Mato Grosso do Sul não apresentaram essa
tendência.”
O
mecanismo central que gera, por dias, temperaturas muito acima do esperado é
conhecido. É o chamado bloqueio atmosférico. Um sistema de alta pressão, que
empurra o ar de cima para baixo, fica parado por dias sobre uma região e altera
toda a circulação atmosférica local. A anomalia impede a penetração de frentes
frias, que normalmente trazem chuvas. “Uma bolha de ar quente se forma sobre
essa área”, compara o meteorologista Tércio Ambrizzi, do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo
(IAG-USP). “Nessas condições, é comum ocorrer o que chamamos de um evento
extremo composto, com uma onda de calor associada a uma seca prolongada.”
O
aquecimento global aumenta a ocorrência de bloqueios atmosféricos em certas
regiões do planeta. Isso em parte explica a disseminação das ondas de calor. Há
também fatores regionais, como o fenômeno El Niño, uma oscilação natural e
periódica do clima caracterizada pelo aquecimento anormal das águas
superficiais da porção centro-leste do oceano Pacífico. O El Niño eleva as
temperaturas na América do Sul e altera o padrão de chuvas. Em 2023, quando
apareceu com força, o fenômeno foi apontado como uma das causas das grandes
secas e do calorão na Amazônia naquele ano. O grau de urbanização de uma região
também favorece a ocorrência de eventos extremos ligados a altas temperaturas.
Cidades tomadas por concreto, cimento e asfalto são mais quentes do que zonas rurais
e trechos permeados por áreas verdes. Esse é o conhecido efeito ilha de calor.
Os
episódios prolongados de temperaturas extremamente elevadas não causam apenas
desconforto térmico. Provocam também prejuízos econômicos e sociais. No início
deste ano, por exemplo, aulas escolares foram interrompidas por alguns dias em
Porto Alegre e no Rio de Janeiro devido a temperaturas persistentes na casa dos
40 ºC. “Não estamos preparados para lidar com as ondas de calor, ainda mais por
sermos um país tropical, em que parece natural ou normal os dias serem
quentes”, comenta Libonati. “Mas as ondas de calor têm um efeito silencioso e
podem levar à morte, sobretudo crianças, idosos e gestantes.”
Não há
perspectiva de esse cenário mudar tão cedo. Os últimos 10 anos, de 2015 a 2024,
foram os 10 mais quentes desde que começaram as medidas sistemáticas da
temperatura média do planeta, em meados de século XIX. Durante todo o ano
passado, o aquecimento global foi, pela primeira vez na história recente, 1,5
ºC maior do que o valor de referência do período pré-industrial. Nesse
contexto, mais e mais fortes as ondas de calor são esperadas. “Temos de limitar
o aquecimento global e minorar o máximo possível os efeitos dessa situação”,
pondera Marengo.
Fonte: IPAM Amazônia/Agencia Fapesp/eCycle

Nenhum comentário:
Postar um comentário