quinta-feira, 17 de abril de 2025

Da cobertura do Mensalão ao pesquisismo: diferentes formas de forjar o derretimento do governo Lula

Em 2002, quando Lula, após três tentativas, enfim, foi eleito presidente da República, a estratégia da elite econômica, contrária à chegada do petista ao Planalto, já estava preparada. Acreditava-se em um governo desastroso, o que comprovaria a hipótese de que o PT só saberia se portar como oposição. No poder, revelar-se-ia malsucedido. Assim, para evitar a reeleição, a grande mídia (porta-voz dos interesses da elite) superdimensionaria e noticiaria todos os erros petistas, preparando a volta do PSDB ao cargo máximo do país.

Não deu certo! Como sabemos, o governo não foi o desastre esperado e Lula não só foi reeleito, como também fez sua sucessora: Dilma Rousseff.

Diante desse quadro, em 2005, já em campanha para a eleição presidencial para o ano seguinte, os grandes grupos de comunicação, em conluio com o STF, transformaram a Ação Penal 470 – processo jurídico que investigou um possível esquema de corrupção no governo Lula – no espetáculo midiático do Mensalão. Tal campanha antipetista, lembrando aos identitários, teve como principal nome o primeiro ministro negro do STF: Joaquim Barbosa.

Na época, primórdio das redes sociais, a grande mídia ainda tinha a prerrogativa exclusiva de ditar a agenda pública nacional. Logo, noticiou-se aos quatro cantos que um escândalo de corrupção estava derretendo o governo Lula junto à população.

A estratégia discursiva – seguida por Globo, Folha, Veja e afins – era a de que o partido que se vendia como arauto da ética se rendeu à corrupção (narrativa que tem grande apelo, sobretudo, na moralista e hipócrita classe média). Diga-se de passagem, lembrando Jessé Souza, nos noticiários da imprensa hegemônica, corrupção só existe no Estado; nunca no mercado.

Até Jô Soares (que muitos, ingenuamente, consideravam que estivesse à esquerda no espectro político) entrou nessa empreitada. Transformou seu programa de entrevistas, aparentemente voltado para o entretenimento, em extensão dos noticiários políticos.

No ano em que Lula tentaria a reeleição, surgia o quadro “Meninas do Jô”, composto por Cristiana Lobo, Lilian Witte Fibe, Ana Maria Tahan e Lúcia Hippolito. “Elas tinham como objetivo falar mal do PT uma vez por semana. Era a primeira guerra da Globo contra Lula, a do ‘mensalão’, vencida pelo petista”, escreveu Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania.

Duas décadas depois, estamos novamente em ano pré-eleitoral, com Lula, provavelmente, buscando a reeleição em 2026. Forjar um desgaste do governo Lula, via judicialização da política, após as farsas de Mensalão e Lava-Jato, parece não colar mais. “A mídia não pode mais se expor em inventar ‘escândalos’ e operações policiais espetaculosas”, escreveu Denise Assis, em artigo no Brasil 247.

Eis que surge aquilo que Reynaldo Aragon e Sara Goes, também no Brasil 247, descrevem como pesquisismo: lógica em que as pesquisas de opinião deixam de ser ferramentas de leitura da realidade para se tornarem instrumentos de sua fabricação.

Trata-se da estetização da política como simulação: uma guerra de narrativas travada por números e gráficos que, na aparência de neutralidade científica, opera dentro do espectro da guerra híbrida e das operações psicológicas. O objetivo não é convencer com argumentos, mas induzir percepções que sirvam a determinados interesses de poder.

Nessa lógica, o governo Lula estaria derretendo, devido à sua impopularidade, a partir dos percentuais apresentados em pesquisas como as da Quaest e do Datafolha.

No entanto, como adverte o professor Wilson Ferreira, do Canal Cinegnose, esses estudos não estão captando algo concreto, objetivo, uma mudança real na opinião pública. Simplesmente refletem a pauta midiática dominante. São tautológicos.

Seguindo essa linha de raciocínio, como bem denunciou Marcos Coimbra, ex-diretor do Instituto Vox Populi, há uma operação casada: um noticiário obstinado sobre temas negativos antes, e uma pesquisa a seguir, explorando aquele nicho do noticiário, que já se impregnou na opinião pública.

Não por acaso, a pesquisa Quaest, contratada pela Genial Investimentos (sempre o “mercado”!), foi bastante ousada em seu diagnóstico: 62% dos brasileiros acham que Lula não deveria disputar eleição de 2026. É o cenário perfeito para o próximo pleito, segundo os interesses da grande mídia.

Remetendo à conclusão do texto da citada Denise Assis: “de pesquisa em pesquisa, a mídia tem suas manchetes atribuídas aos resultados delas e não mais ao ‘denuncismo’, dos tempos de Lava-Jato. Limpinha, sorridente, gasta horas com comentaristas discutindo onde estão as falhas da comunicação, e as deficiências do ministro A, e do B”.

Desse modo, o anterior conluio “mídia/judiciário” é substituto pela tabelinha “mídia/institutos de pesquisas”. Infelizmente, na própria esquerda, há quem diga que denunciar esta manobra editorial é passar pano para o governo e negacionismo científico (pois questiona a lisura de determinados estudos). É para isso que servem idiotas úteis: corroborar, sob um verniz progressista, a ideologia dominante.

•        O futuro do jornalismo depende das respostas a duas perguntas complicadas. Por Carlos Cstilho

A indústria dos jornais impressos está em agonia terminal. Isto não é mais segredo entre os economistas, publicitários e até entre alguns jornalistas, mas o grande público ainda não se deu conta disto porque a imprensa esconde os seus dilemas. O fim da era de ouro dos grandes impérios jornalísticos está sendo ofuscado pelo turbilhão informativo criado pelas plataformas digitais, o que leva as pessoas comuns a não perceberem que o jornalismo se tornou ainda mais importante e indispensável do que antes.

A cada dia que passa nos damos mais conta de que é impossível viver sem notícias e sem jornalismo porque estamos cercados de informações distorcidas ou sem credibilidade, geradas pelo turbilhão informativo alimentado por mega plataformas digitais, como Facebook, TikTok, Instagram e YouTube. Acontece que, mesmo valorizado, o jornalismo não consegue se sustentar com base na publicidade, assinaturas e vendas avulsas, o que nos leva à primeira pergunta.

<><> Por que as pessoas não querem mais pagar por notícias?

A quase totalidade das pesquisas de opinião indicam que a grande maioria das pessoas não está disposta a meter a mão no bolso para pagar por notícias. A desculpa é clara: na internet se pode saber de quase tudo sem pagar nada. Se esta atitude for tomada como definitiva teremos um sinal de que o jornalismo, mesmo num formato digital, também está ameaçado de desaparecer. Isto porque produzir notícias implica gastos que precisam cobertos por algum tipo de receita. Não importa se quem produz é um indivíduo (repórter autônomo ou influenciador), ou se é um coletivo (cooperativa, associação, empresa ou governo).

Se não podemos viver sem notícias e se elas exigem dinheiro para serem produzidas, por que então as pessoas se recusam a pagar por elas? Não há uma única resposta, o que implica explorar uma série de possibilidades, dentre as quais se destaca o fato de as pessoas não atribuírem às notícias um valor econômico suficiente para justificar a inclusão do item no seu orçamento pessoal. Não atribuem valor econômico porque a pauta de notícias não as interessa, porque não se sentem representadas no noticiário, não confiam no jornal ou revista ou ainda porque acreditam que, no fim das contas, vão ficar sabendo das novidades sem pagar nada.

Isto indica que a imprensa, no geral, pode estar dedicando pouca atenção às necessidades, problemas e desejos do público consumidor de notícias. Ela está imersa numa bolha informativa onde a agenda noticiosa é determinada pelas elites políticas, sociais, econômicas e militares. Este isolacionismo informativo da grande imprensa nacional, por exemplo, pode ser medido pelo espaço dedicado a questões como, por exemplo, as sandices do ex-presidente Jair Bolsonaro, possíveis candidatos nas eleições de 2026, a polêmica em torno do déficit fiscal, o equilíbrio orçamentário e a provável reforma ministerial.

São temas de escasso ou nulo interesse para a maioria esmagadora do público, enquanto questões ligadas à economia popular, educação, saúde e emprego merecem uma cobertura lateral, salvo quando estão associados a algum interesse político, à exploração sensacionalista ou geram medo e preocupação. A segurança pública é um tema de interesse do leitor, ouvinte, telespectador ou usuário da internet, mas quase sempre é enfocado a partir da ótica policial ou governamental. As vítimas merecem pouca atenção. Resultado: o público é atraído mais pelo sensacionalismo e pela insegurança do que pela expectativa de contribuir para a solução do problema.

Nesta questão da valorização da notícia como item econômico, há um aspecto sobre o qual os empreendedores jornalísticos, individuais ou corporativos, nunca deram atenção especial, mas que é chave no funcionamento de uma empresa comercial. Em qualquer negócio sempre há uma relação entre custos (salários e matéria prima) e preços ao consumidor, regida pela lei da oferta e da procura. Os gestores da maioria das empresas jornalísticas conhecem os custos operacionais, mas só têm ideias muito gerais sobre o preço que os consumidores estão dispostos a pagar pelo produto jornal. Não havia no passado preocupação com este fator porque quase 80% dos gastos com a produção de notícias eram cobertos pela publicidade paga. Mas quando os anúncios migraram para a internet, ficou claro que se os custos fossem integralmente cobertos pela receita de vendas em bancas ou assinaturas, os preços ao consumidor teriam que ser absurdamente altos, afugentando em massa a clientela.

<><> Por quais notícias as pessoas estão dispostas a pagar?

Se quisermos encontrar uma solução para a recusa das pessoas em pagar por notícias inevitavelmente teremos que nos debruçar sobre a identificação das necessidades informativas das pessoas. Pesquisas feitas nos Estados Unidos, em especial pelas Universidades Montclair e Northwestern, mostram que não basta fazer pesquisas buscando conhecer a opinião das pessoas, porque elas tendem a responder de acordo com o discurso dos meios de comunicação através dos quais se informam. Para obter um quadro realista e confiável da percepção das pessoas é necessário um engajamento mínimo entre pesquisador/jornalista e o público-alvo.

Uma convivência básica capaz de quebrar desconfianças, reticências, preconceitos e diferenças, tarefa que só mesmo as universidades e fundações podem executar, dado o seu elevado grau de especialização em pesquisas. Tendo uma ideia básica das necessidades, desejos e problemas do público-alvo é possível montar uma agenda noticiosa capaz de combinar interesses e disponibilidades financeiras das pessoas.

As necessidades são essencialmente locais ou segmentadas, características que determinam o conteúdo e o formato das pesquisas. Quanto mais locais e específicas, maiores as chances de os responsáveis por projetos jornalísticos mostrarem ao seu público-alvo como o pagamento das notícias é importante no atendimento das necessidades básicas da sobrevivência individual e familiar. Quando alguém vai comprar arroz, carne, pão ou óleo comestível sabe que precisa pagar por estes produtos porque eles são essenciais para seu bem-estar físico.

Acontece a mesma coisa com a informação. Somos dependentes dela para sobrevivermos na era digital em meio ao caos criado por versões conflitantes, notícias falsas, desinformação e discurso do ódio. Precisamos tomar decisões em meio a um ambiente informativo marcado por uma avalanche de notícias, especialmente intensa nas plataformas digitais.

Não há dúvidas de que estamos diante de um problema complexo porque as duas perguntas mencionadas neste texto estão muito ligadas entre si. Sem valorizar as notícias as pessoas não pagarão por elas e sem receitas o jornalismo e a imprensa não conseguirão cumprir a sua missão informativa.

 

Fonte: Por Francisco Fernandes Ladeira, no Observatório da Imprensa

 

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