Da
cobertura do Mensalão ao pesquisismo: diferentes formas de forjar o
derretimento do governo Lula
Em
2002, quando Lula, após três tentativas, enfim, foi eleito presidente da
República, a estratégia da elite econômica, contrária à chegada do petista ao
Planalto, já estava preparada. Acreditava-se em um governo desastroso, o que
comprovaria a hipótese de que o PT só saberia se portar como oposição. No
poder, revelar-se-ia malsucedido. Assim, para evitar a reeleição, a grande
mídia (porta-voz dos interesses da elite) superdimensionaria e noticiaria todos
os erros petistas, preparando a volta do PSDB ao cargo máximo do país.
Não deu
certo! Como sabemos, o governo não foi o desastre esperado e Lula não só foi
reeleito, como também fez sua sucessora: Dilma Rousseff.
Diante
desse quadro, em 2005, já em campanha para a eleição presidencial para o ano
seguinte, os grandes grupos de comunicação, em conluio com o STF, transformaram
a Ação Penal 470 – processo jurídico que investigou um possível esquema de
corrupção no governo Lula – no espetáculo midiático do Mensalão. Tal campanha
antipetista, lembrando aos identitários, teve como principal nome o primeiro
ministro negro do STF: Joaquim Barbosa.
Na
época, primórdio das redes sociais, a grande mídia ainda tinha a prerrogativa
exclusiva de ditar a agenda pública nacional. Logo, noticiou-se aos quatro
cantos que um escândalo de corrupção estava derretendo o governo Lula junto à
população.
A
estratégia discursiva – seguida por Globo, Folha, Veja e afins – era a de que o
partido que se vendia como arauto da ética se rendeu à corrupção (narrativa que
tem grande apelo, sobretudo, na moralista e hipócrita classe média). Diga-se de
passagem, lembrando Jessé Souza, nos noticiários da imprensa hegemônica,
corrupção só existe no Estado; nunca no mercado.
Até Jô
Soares (que muitos, ingenuamente, consideravam que estivesse à esquerda no
espectro político) entrou nessa empreitada. Transformou seu programa de
entrevistas, aparentemente voltado para o entretenimento, em extensão dos
noticiários políticos.
No ano
em que Lula tentaria a reeleição, surgia o quadro “Meninas do Jô”, composto por
Cristiana Lobo, Lilian Witte Fibe, Ana Maria Tahan e Lúcia Hippolito. “Elas
tinham como objetivo falar mal do PT uma vez por semana. Era a primeira guerra
da Globo contra Lula, a do ‘mensalão’, vencida pelo petista”, escreveu Eduardo
Guimarães, no Blog da Cidadania.
Duas
décadas depois, estamos novamente em ano pré-eleitoral, com Lula,
provavelmente, buscando a reeleição em 2026. Forjar um desgaste do governo
Lula, via judicialização da política, após as farsas de Mensalão e Lava-Jato,
parece não colar mais. “A mídia não pode mais se expor em inventar ‘escândalos’
e operações policiais espetaculosas”, escreveu Denise Assis, em artigo no
Brasil 247.
Eis que
surge aquilo que Reynaldo Aragon e Sara Goes, também no Brasil 247, descrevem
como pesquisismo: lógica em que as pesquisas de opinião deixam de ser
ferramentas de leitura da realidade para se tornarem instrumentos de sua
fabricação.
Trata-se
da estetização da política como simulação: uma guerra de narrativas travada por
números e gráficos que, na aparência de neutralidade científica, opera dentro
do espectro da guerra híbrida e das operações psicológicas. O objetivo não é
convencer com argumentos, mas induzir percepções que sirvam a determinados
interesses de poder.
Nessa
lógica, o governo Lula estaria derretendo, devido à sua impopularidade, a
partir dos percentuais apresentados em pesquisas como as da Quaest e do
Datafolha.
No
entanto, como adverte o professor Wilson Ferreira, do Canal Cinegnose, esses
estudos não estão captando algo concreto, objetivo, uma mudança real na opinião
pública. Simplesmente refletem a pauta midiática dominante. São tautológicos.
Seguindo
essa linha de raciocínio, como bem denunciou Marcos Coimbra, ex-diretor do
Instituto Vox Populi, há uma operação casada: um noticiário obstinado sobre
temas negativos antes, e uma pesquisa a seguir, explorando aquele nicho do
noticiário, que já se impregnou na opinião pública.
Não por
acaso, a pesquisa Quaest, contratada pela Genial Investimentos (sempre o
“mercado”!), foi bastante ousada em seu diagnóstico: 62% dos brasileiros acham
que Lula não deveria disputar eleição de 2026. É o cenário perfeito para o
próximo pleito, segundo os interesses da grande mídia.
Remetendo
à conclusão do texto da citada Denise Assis: “de pesquisa em pesquisa, a mídia
tem suas manchetes atribuídas aos resultados delas e não mais ao ‘denuncismo’,
dos tempos de Lava-Jato. Limpinha, sorridente, gasta horas com comentaristas
discutindo onde estão as falhas da comunicação, e as deficiências do ministro
A, e do B”.
Desse
modo, o anterior conluio “mídia/judiciário” é substituto pela tabelinha
“mídia/institutos de pesquisas”. Infelizmente, na própria esquerda, há quem
diga que denunciar esta manobra editorial é passar pano para o governo e
negacionismo científico (pois questiona a lisura de determinados estudos). É
para isso que servem idiotas úteis: corroborar, sob um verniz progressista, a
ideologia dominante.
• O futuro do jornalismo depende das
respostas a duas perguntas complicadas. Por Carlos Cstilho
A
indústria dos jornais impressos está em agonia terminal. Isto não é mais
segredo entre os economistas, publicitários e até entre alguns jornalistas, mas
o grande público ainda não se deu conta disto porque a imprensa esconde os seus
dilemas. O fim da era de ouro dos grandes impérios jornalísticos está sendo
ofuscado pelo turbilhão informativo criado pelas plataformas digitais, o que
leva as pessoas comuns a não perceberem que o jornalismo se tornou ainda mais
importante e indispensável do que antes.
A cada
dia que passa nos damos mais conta de que é impossível viver sem notícias e sem
jornalismo porque estamos cercados de informações distorcidas ou sem
credibilidade, geradas pelo turbilhão informativo alimentado por mega
plataformas digitais, como Facebook, TikTok, Instagram e YouTube. Acontece que,
mesmo valorizado, o jornalismo não consegue se sustentar com base na
publicidade, assinaturas e vendas avulsas, o que nos leva à primeira pergunta.
<><>
Por que as pessoas não querem mais pagar por notícias?
A quase
totalidade das pesquisas de opinião indicam que a grande maioria das pessoas
não está disposta a meter a mão no bolso para pagar por notícias. A desculpa é
clara: na internet se pode saber de quase tudo sem pagar nada. Se esta atitude
for tomada como definitiva teremos um sinal de que o jornalismo, mesmo num
formato digital, também está ameaçado de desaparecer. Isto porque produzir
notícias implica gastos que precisam cobertos por algum tipo de receita. Não
importa se quem produz é um indivíduo (repórter autônomo ou influenciador), ou
se é um coletivo (cooperativa, associação, empresa ou governo).
Se não
podemos viver sem notícias e se elas exigem dinheiro para serem produzidas, por
que então as pessoas se recusam a pagar por elas? Não há uma única resposta, o
que implica explorar uma série de possibilidades, dentre as quais se destaca o
fato de as pessoas não atribuírem às notícias um valor econômico suficiente
para justificar a inclusão do item no seu orçamento pessoal. Não atribuem valor
econômico porque a pauta de notícias não as interessa, porque não se sentem
representadas no noticiário, não confiam no jornal ou revista ou ainda porque
acreditam que, no fim das contas, vão ficar sabendo das novidades sem pagar
nada.
Isto
indica que a imprensa, no geral, pode estar dedicando pouca atenção às
necessidades, problemas e desejos do público consumidor de notícias. Ela está
imersa numa bolha informativa onde a agenda noticiosa é determinada pelas
elites políticas, sociais, econômicas e militares. Este isolacionismo
informativo da grande imprensa nacional, por exemplo, pode ser medido pelo
espaço dedicado a questões como, por exemplo, as sandices do ex-presidente Jair
Bolsonaro, possíveis candidatos nas eleições de 2026, a polêmica em torno do
déficit fiscal, o equilíbrio orçamentário e a provável reforma ministerial.
São
temas de escasso ou nulo interesse para a maioria esmagadora do público,
enquanto questões ligadas à economia popular, educação, saúde e emprego merecem
uma cobertura lateral, salvo quando estão associados a algum interesse
político, à exploração sensacionalista ou geram medo e preocupação. A segurança
pública é um tema de interesse do leitor, ouvinte, telespectador ou usuário da
internet, mas quase sempre é enfocado a partir da ótica policial ou
governamental. As vítimas merecem pouca atenção. Resultado: o público é atraído
mais pelo sensacionalismo e pela insegurança do que pela expectativa de
contribuir para a solução do problema.
Nesta
questão da valorização da notícia como item econômico, há um aspecto sobre o
qual os empreendedores jornalísticos, individuais ou corporativos, nunca deram
atenção especial, mas que é chave no funcionamento de uma empresa comercial. Em
qualquer negócio sempre há uma relação entre custos (salários e matéria prima)
e preços ao consumidor, regida pela lei da oferta e da procura. Os gestores da
maioria das empresas jornalísticas conhecem os custos operacionais, mas só têm
ideias muito gerais sobre o preço que os consumidores estão dispostos a pagar
pelo produto jornal. Não havia no passado preocupação com este fator porque
quase 80% dos gastos com a produção de notícias eram cobertos pela publicidade
paga. Mas quando os anúncios migraram para a internet, ficou claro que se os
custos fossem integralmente cobertos pela receita de vendas em bancas ou
assinaturas, os preços ao consumidor teriam que ser absurdamente altos,
afugentando em massa a clientela.
<><>
Por quais notícias as pessoas estão dispostas a pagar?
Se
quisermos encontrar uma solução para a recusa das pessoas em pagar por notícias
inevitavelmente teremos que nos debruçar sobre a identificação das necessidades
informativas das pessoas. Pesquisas feitas nos Estados Unidos, em especial
pelas Universidades Montclair e Northwestern, mostram que não basta fazer
pesquisas buscando conhecer a opinião das pessoas, porque elas tendem a
responder de acordo com o discurso dos meios de comunicação através dos quais
se informam. Para obter um quadro realista e confiável da percepção das pessoas
é necessário um engajamento mínimo entre pesquisador/jornalista e o
público-alvo.
Uma
convivência básica capaz de quebrar desconfianças, reticências, preconceitos e
diferenças, tarefa que só mesmo as universidades e fundações podem executar,
dado o seu elevado grau de especialização em pesquisas. Tendo uma ideia básica
das necessidades, desejos e problemas do público-alvo é possível montar uma
agenda noticiosa capaz de combinar interesses e disponibilidades financeiras
das pessoas.
As
necessidades são essencialmente locais ou segmentadas, características que
determinam o conteúdo e o formato das pesquisas. Quanto mais locais e
específicas, maiores as chances de os responsáveis por projetos jornalísticos
mostrarem ao seu público-alvo como o pagamento das notícias é importante no
atendimento das necessidades básicas da sobrevivência individual e familiar.
Quando alguém vai comprar arroz, carne, pão ou óleo comestível sabe que precisa
pagar por estes produtos porque eles são essenciais para seu bem-estar físico.
Acontece
a mesma coisa com a informação. Somos dependentes dela para sobrevivermos na
era digital em meio ao caos criado por versões conflitantes, notícias falsas,
desinformação e discurso do ódio. Precisamos tomar decisões em meio a um
ambiente informativo marcado por uma avalanche de notícias, especialmente
intensa nas plataformas digitais.
Não há
dúvidas de que estamos diante de um problema complexo porque as duas perguntas
mencionadas neste texto estão muito ligadas entre si. Sem valorizar as notícias
as pessoas não pagarão por elas e sem receitas o jornalismo e a imprensa não
conseguirão cumprir a sua missão informativa.
Fonte:
Por Francisco Fernandes Ladeira, no Observatório da Imprensa

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