Breque
dos Aplicativos 2025: um balanço preliminar
Depois
de dois anos de relativo refluxo, os entregadores que trabalham em empresas de
plataformas digitais foram à luta entre 31 de março e 1º de abril. O Breque
Nacional dos APPs — denominação adotada pela categoria — espalhou-se por mais
de cem cidades. Bloqueou shopping centers, desfilou em dezenas de motociatas e
chegou a fazer trancamentos de ruas.
Além
das reivindicações econômicas, assumiu, em alguns lugares, pautas políticas —
como a defesa de direitos e garantias trabalhistas — ainda que sem,
necessariamente, enquadramento via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Estabeleceu laços internacionais e ampliou relações com parlamentares —
inclusive à direita do espectro político. Ao final da jornada, registrou-se
outro passo importante: a formação de um Comando Nacional do Breque, que já
prepara novas mobilizações.
As
principais reivindicações da categoria foram o aumento da taxa mínima de
entrega, de R$ 6,50 para R$ 10,00, o aumento do valor do quilômetro rodado, de
R$ 1,50 para R$ 2,50, o fim das entregas duplas em um mesmo trajeto e o limite
de quilometragem para entregas de bicicleta — condizente com o esforço físico
que é necessário pelos ciclistas. Essas reivindicações visam o aumento da
remuneração e a melhoria das condições de vida desses trabalhadores, que arcam
com todos os custos decorrentes do trabalho e não contam com nenhum acesso a
direitos sociais e trabalhistas.
Em
nota, a iFood, principal empresa do setor, afirma se colocar à disposição do
diálogo e diz que está analisando as possibilidades de reajuste da taxa para
este ano, embora não sinalize qualquer perspectiva de avanço nas demais
reivindicações. De igual forma, a Associação Brasileira de Mobilidade e
Tecnologia (Amobitec), que representa os interesses das empresas detentoras de
plataformas de mobilidade e entrega, tal como a 99, a Uber e a própria iFood,
também lançou nota reconhecendo o direito à manifestação dos entregadores,
apesar de não assumir qualquer compromisso com as reivindicações.
Até o
momento, o governo federal e o ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não se
pronunciaram sobre a mobilização e as reivindicações dos entregadores por
aplicativos, que foram alvo de uma tentativa de regulação a partir de um grupo
de trabalho (GT) que atuou ao longo de 2023.
Mesmo
com a ausência de vitórias imediatas, ou de sinalizações concretas das empresas
acerca da resolução das reivindicações, o Comando Nacional do Breque, que reúne
diversas organizações coletivas e lideranças da categoria, suspendeu a
paralisação e convocou uma plenária geral dos entregadores para a próxima
quarta-feira, 9, para avaliar e decidir os rumos do movimento.
- Enraizamento da paralisação
Em
comparação às mobilizações realizadas pelos entregadores no passado recente, é
possível notar que a paralisação desta semana contou com maior enraizamento. Em
nota, o Comando Nacional do Breque estima que a ação paredista ocorreu em pelo
menos cem municípios brasileiros, incluindo todas as capitais e o Distrito
Federal. Em um breve levantamento em diferentes veículos de imprensa,
hegemônicos e alternativos, foi possível notar protestos em pelo menos 60
municípios.
Na
ampla maioria dos municípios, o breque foi uma combinação do fechamento de
pontos de distribuição, sobretudo shoppings centers, e protestos que combinavam
motociatas e bloqueios nas vias públicas. Em algumas localidades, houve
panfletagens e discursos, realizados por lideranças e representantes da
categoria, destinados não apenas aos trabalhadores, mas também aos clientes das
plataformas. Por outro lado, em algumas localidades os trabalhadores optaram
por ações mais “silenciosas”, isto é, apenas desligando os aplicativos, sem
necessariamente combinar a paralisação do trabalho com outras táticas de
pressão e diálogo.
É
importante destacar que em algumas localidades, tais como em Recife, onde os
entregadores fecharam a Ponte do Pina com uma barricada, o breque teve uma
postura mais radical. Houve, ainda, localidades em que além das empresas, o
movimento também tinha como alvo o poder público, apontando a necessidade de
regulação do regime de trabalho, tal como em Brasília e Porto Alegre.
Em São
Paulo e Osasco, os entregadores se direcionaram à sede da iFood para tentar
dialogar com representantes da empresa, sendo reprimidos pela atuação da
Polícia Militar (PM). Naquela oportunidade, e apenas depois de muita pressão,
nove representantes do breque foram recebidos pela empresa para um diálogo
sobre as pautas do movimento, sem que houvesse qualquer negociação, mesmo que
parcial.
Essas
variadas formas de ação, que são derivadas de diferentes leituras, feitas a
partir dos múltiplos contextos em questão, mostram certa capacidade de
combinação entre o nacional e o local, o amplo e o específico. Noutras
palavras, ao mesmo tempo em que o breque tem um formato e uma agenda comum, ele
também se materializa com adoção de outras táticas e pautas. Regionalizado e
interiorizado, o movimento se destaca por uma maior coordenação das ações e a
consolidação de um — novo? — espaço, o Comando Nacional do Breque, que aponta
uma maior organização e articulação em comparação às experiências anteriores.
Este espaço ainda carece de maior compreensão e qualificação, embora já seja
possível especular que é conformado por heterogeneidades, tal como a Aliança
Nacional dos Entregadores por Aplicativos, ANEA, que o compõe. Resta saber o
que será deste espaço a partir de agora, se haverá saldos políticos, em geral,
para a categoria, e organizativos, em particular, para suas organizações.
- Solidariedade como parte constituinte da
luta
Um
elemento que sempre foi fundamental para a luta dos trabalhadores por
aplicativos é a capacidade de mobilizar a solidariedade de outras categorias.
Nas manifestações durante a pandemia da Covid-19, o apoio ativo dos
consumidores que se negavam a fazer pedidos durante os dias de protesto foi
parte importante do breque. Além disso, destaca-se também o engajamento nas
redes e as avaliações negativas dos aplicativos de entrega nas chamadas lojas
de aplicativos digitais dos smartphones.
No
breque de 2025, a solidariedade de outros trabalhadores também foi um recurso
mobilizado pelos entregadores. Chamou atenção, porém, uma maior presença de
apoios, logísticos e políticos, por parte de parlamentares e de organizações
sindicais e populares.
Quanto
aos parlamentares, é interessante notar que o apoio veio de ambos os lados do
espectro político: tanto parlamentares de direita quanto de esquerda
manifestaram apoio às reinvindicações da paralisação nacional. É o caso, por
exemplo, da deputada estadual do Rio de Janeiro, Danieli Balbi, do Partido
Comunista do Brasil (PCdoB); do deputado estadual de Minas Gerais, Betão, do
Partido dos Trabalhadores (PT); dos deputados estaduais do Espírito Santo,
Camila Valadão, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e Coronel Weliton, do
Partido Renovação Democrática (PRD); do deputado estadual de Goiás, Gugu Nader,
do Avante, que propôs uma audiência pública para debater e buscar melhorias nas
condições de trabalho; e do deputado estadual de Santa Catarina, Camilo
Martins, que destinou emendas parlamentares para viabilizar pontos de apoio
para os entregadores. Senadores do PT e a executiva nacional do PSOL também se
manifestaram em apoio à mobilização dos entregadores.
Nesta
direção, destaca-se também o apoio internacional, de lideranças da Argentina,
dos Estados Unidos, da Itália, da Bélgica e da Suécia, em materiais divulgados
pelo Comando Nacional do Breque. Isto pode indicar os próximos passos de
conformação do movimento e de suas organizações, alinhando-se a agendas
internacionais de luta, assim como a própria repercussão da mobilização para
fora do país.
De modo
geral, as organizações sindicais se envolveram de forma tímida, reforçando a
leitura de que o sindicalismo ainda encontra dificuldades não somente em se
aproximar desta categoria, mas em incorporar suas pautas em suas agendas de
luta e disputar um horizonte de proteção social e trabalhista que inclua esses
trabalhadores no regime de trabalho formal, com reconhecimento da — existente —
subordinação do trabalho.
Destaca-se
a atuação do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas
do Estado de São Paulo (SindimotoSP), principal sindicato da categoria do
motofrete, filiado à União Geral dos Trabalhadores (UGT), que divulgou
materiais informativos antes do breque, se somou ao movimento na capital
paulista e enviou ofícios ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) e ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) solicitando
a apuração de práticas antissindicais e de rebaixamento das condições de
trabalho praticadas pelas empresas. Em nota, este sindicato expõe que às
vésperas da paralisação nacional, a iFood ofereceu promoções e bonificações de
até R$ 800,00. No Rio Grande do Sul, o SindimotoRS, filiado à Central dos Trabalhadores
e das Trabalhadoras do Brasil (CTB), também se somou às manifestações ocorridas
em Porto Alegre e protocolou uma ação judicial contra as principais empresas de
plataformas digitais para negociar melhores condições de trabalho. Prevista
para 23 de abril, a audiência irá contar com protestos de entregadores e
motoristas por aplicativos, conforme indica o material produzido pelo Sindicato
dos Motoristas em Transporte Individual de Passageiros por Aplicativos do Rio
Grande do Sul (Simtrapli-RS).
A UGT
foi a central que mais se posicionou sobre a paralisação nacional, ainda que de
forma lateral, por meio da publicação de notícias sobre as ações do SindimotoSP
e de uma declaração do presidente da central, Ricardo Patah. O mesmo ocorreu
com a CTB, a partir das notícias do SindimotoRS. CTB, UGT e Força Sindical (FS)
priorizaram, ao longo da semana, divulgar notícias e notas sobre mobilizações
de outras categorias. No caso das duas últimas, houve destaque à organização do
ato do 1º de Maio em São Paulo, que será realizado em unidade junto à Central
dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Nova Central Sindical dos Trabalhadores
(NCST) e Pública – Central do Servidor. Sobre isto, chama atenção que a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), principal organização da cúpula sindical
brasileira, ficou de fora da ação.
O mesmo
ocorreu com relação ao pronunciamento sobre o breque: a CUT, que tem filiada a
maior parte dos sindicatos extraoficiais de motoristas e entregadores por
aplicativos, e que se empenhou diretamente no GT criado pelo governo federal
para regular o trabalho dessas categorias, não soltou nenhuma nota ou notícia
sobre a paralisação nacional dos entregadores. Muito possivelmente que, diante
do cenário de menor índice de aprovação do governo Lula, a central, aliada
histórica do PT, tenha optado pelo silêncio para não desgastá-lo, já que o
Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024, que regula o trabalho dos motoristas
por aplicativos, em tramitação no Congresso Nacional, criou grande polêmica e
reações contrárias, à esquerda e à direita.
- Os próximos passos da mobilização
O
Comando Nacional do Breque sinaliza que os próximos passos da mobilização dos
entregadores será decidido na plenária agendada para a próxima semana, que
também buscará avaliar os impactos da mobilização. Em nota, o comando orienta
que os trabalhadores mantenham a pressão contra as plataformas seguindo como
diretriz a rejeição de corridas abaixo de R$ 8,00, para os entregadores de
moto, e de 3 km, para os entregadores ciclistas; a rejeição de pedidos
agrupados; e a realização de paralisações pontuais.
Embora
vitoriosa do ponto de vista da organização da categoria e dos impactos sobre o
funcionamento das plataformas — sendo que, inclusive, vários restaurantes
informaram queda total dos serviços de delivery durante o breque —, ainda é
difícil mensurar os impactos da ação dos entregadores às empresas detentoras
das plataformas. A opacidade da gestão dessas plataformas é tão grande, que o
contingente total da força de trabalho não é um dado público, dificultando uma
análise rápida e objetiva sobre a adesão à paralisação.
O
breque emerge em um momento em que o tema do trabalho volta ao centro da agenda
pública. A mobilização dos entregadores se conecta a outras lutas em curso,
como a resistência à jornada 6 x 1 e a defesa da redução das jornadas, compondo
um movimento mais amplo por valorização do trabalho. Neste contexto, a demanda
por melhores condições, remuneração digna e proteção social aos trabalhadores
por plataforma reforça a urgência de enfrentar a precarização como um problema
coletivo.
É
importante destacar, ainda, que embora não fosse agitada pelo Comando Nacional
do Breque, a regulação do trabalho de entrega por aplicativos é uma
reivindicação que vez ou outra aparece em declarações dos trabalhadores e de
algumas lideranças. Essa palavra ecoa polissemicamente junto à categoria,
indicando muito mais um desejo de acesso a benefícios e contornos legais que
viabilizam a execução dos serviços do que o reconhecimento da subordinação do
trabalho e o acesso ao regime formal. Daí, resulta uma série de problemas, tal
como a desvalorização social do regime celetista, a ilusão de que a forma com
que as empresas de plataformas operam garante independência e autonomia do
trabalho, e a falta de acesso a direitos, que prejudica as condições de trabalho
e vida e impacta o conjunto do tecido social.
A
combinação desses elementos, sem haver enfrentamento político e ideológico para
sua reversão, pode acabar sendo direcionada com facilidade para a errada defesa
de um estatuto intermediário, favorável às empresas e atualmente defendido pelo
governo, que se situa entre o trabalho formal e o informal. O risco maior é a
possibilidade deste estatuto, uma vez vigente, se expandir para o conjunto da
classe trabalhadora.
Ainda
há questões fundamentais para o balanço do movimento dos entregadores que ficam
em aberto. Se por um lado há um visível avanço organizativo do movimento em
relação aos breques anteriores, como fica a relação da base do movimento com
suas direções? Como o movimento dos entregadores irá se estruturar daqui em
diante, principalmente na escolha e na formação de seus dirigentes e
representantes? Quais aprendizados os entregadores tirarão desta experiência de
luta? Como o sindicalismo irá se inserir neste debate, que se desenvolve em
suas margens e sem sua influência?
Também
ficam questões sobre o desenlace do conflito. Até o momento as empresas têm
reconhecido o direito à manifestação e feito reuniões sem resolução das
demandas dos trabalhadores. Como irão se comportar frente a um movimento que
começa a se estruturar com maior profissionalismo? Por outro lado, como o poder
público em geral e o governo federal e o MTE, em particular, vão atuar nesse
cenário? Será possível reverter os ânimos, que têm se direcionado à regulações
rebaixadas?
São
questões que interessam diretamente para um balanço do breque dos aplicativos,
mas que apontam também para as dinâmicas da luta de classes no próximo período
e o combate à precarização social no Brasil.
Fonte:
por Eduardo Rezende Pereira e Paulo
Antonio Romano de Mello, em Outras Palavras
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