Berço ou mérito? Trabalhadores pobres já nascem
com uma absurda desvantagem
O que fazemos durante a nossa vida é efeito
direto da nossa educação, seja ela oriunda de meios institucionais; como
escolas, universidades, igrejas, ou pela nossa cultura e vivência. Os
horizontes de possibilidades de nossa vida, está estritamente colada com a
nossa classe social, entretanto, é transmitido para a população, uma ideia que,
basta se esforçar para conseguir alcançar seus objetivos e, talvez, como maior
resultado dessa ideia, ascender de classe.
Essa ideia que falo é a meritocracia, que
produz uma percepção na qual o lugar do indivíduo não importa no cálculo
social, ou seja, cobre e esconde, os problemas estruturais sociais e econômicos
da sociedade. Mudando o problema que é estrutural, social e econômico para o
indivíduo, responsabilizando-o pela própria condição em que vive. Importante
ressaltar que a maioria das pessoas afetadas por essa ideia, são os
trabalhadores pobres e de classe média.
Vamos definir um pouco o papel da escola que
é fundamentais para instruir, incluir, ensinar modos de comportamentos e afins.
A diferença começa a ser mais perceptível quando analisamos uma escola pública
e privada. A escola pública enfrenta diversos fatores políticos e sociais que
acarretam a falta de verba e profissionais; contudo a localização das escolas
interfere como vão ser tratadas, pelos funcionários e da própria secretária de
educação e coordenações regionais.
No entanto, a escola privada antes de
qualquer coisa, produz um corte dos estudantes que irão ou não, frequentar a
instituição de ensino, esse processo de segregação é feito por meio da
mensalidade e de outros itens que é necessário adquirir como o uniforme, os
livros didáticos, materiais escolares, a própria alimentação do aluno.
Cada escola possui uma proposta, isso vale
para as escolas públicas e privadas, algumas seguem o rumo de carreira militar,
preparando o estudante para fazer as provas para o ingresso da corporação,
outras para o ingresso do ensino superior através do vestibular e ainda há
escolas que instruem os seus alunos para entrar no mercado de trabalho
oferecendo o ensino técnico mas, também não podemos esquecer das escolas que
produzem somente diplomados; alunos que saem com seu certificado e estão a esmo
para o mundo, podendo tornar-se trabalhadores precarizados.
O que podemos observar é quem é o público
alvo dessas escolas, por entender que muitas dessas escolas são privadas e
algumas poucas públicas. Devo voltar rapidamente no modo de ingresso. Nas
escolas privadas, só é possível ingressar por meio pagamento de matrícula e
mensalidade, em alguns casos, poucos alunos conseguem bolsas de estudos e não
pagam a mensalidade e nem matrícula, mas, ainda pagam os outros itens.
As escolas públicas são direito universal e
até os 17 anos é obrigatório. Quando falamos de determinadas escolas, sejam as
técnicas ou preparatórias, nem sempre serão acessíveis a todos, justamente por
ter um meio classificatório de entrada na instituição já prescreve vencedores e
perdedores, ou seja, merecedores e não merecedores.
Os trabalhadores pobres nascem com uma
desvantagem absurda e isso se intensifica se colocarmos categorias
estigmatizadas em nossa sociedade como o racismo, machismo, a homofobia. As
desvantagens sociais relacionadas à raça e ao gênero são oriundas de nossa
construção e organização como sociedade que nos acompanham desde nossa
colonização.
A concepção de mérito se tornou muito mais
moral do que realmente racional, óbvio que não afirmar que devemos ser sempre
racionais e a nossa “emoção” deixada de lado, no entanto quero destacar que é
importante para setores de direita, articularem a valorização moral do mérito,
do esforço individual pelas conquistas.
Quero ressaltar que é importante o esforço, e
parabenizamos aqueles que “venceram”, contudo, quero mostrar que é importante
analisar a origem desse discurso, de onde ele vem e pra quem ele vai, e como
isso impacta politicamente. Citei as escolas porque elas são de fácil
interpretação e observação ao meu ver.
Numa sala de aula de escola pública
localizada num subúrbio da zona norte do Rio de Janeiro, teremos diversos
alunos com diferentes trajetórias de vida. Alunos que moram perto da escola se
diferenciam na qualidade de vida daqueles alunos que moram alguns bairros de
distância e precisam se deslocar até a escola por meio dos transportes
públicos. Não há uma diferença tão gritante se ambos alunos tivessem a mesma
renda familiar e acesso aos meios culturais, sendo que um grupo, que deve
acordar mais cedo para ir pra escola e outro um pouco mais tarde por conta da
distância do seu domicílio.
No entanto, vivemos num país onde a
escravidão e o machismo, se tornaram estruturais e nos organizam como
sociedade. Se descrevo o mesmo cenário, porém, o grupo que mora mais longe da
escola estivesse localizada em uma comunidade, as variáveis seriam diversas,
seja um dia uma operação da polícia militar tentando ocupar os espaços com
truculência e violência, e pode haver pouquíssimos meios de locomoção naquela
região.
Nesse cenário descrito agora, ambos os
grupos, aquele que mora na comunidade e aquele outro que mora perto da escola,
teriam as mesmas possibilidades de fazer uma prova, manter o foco durante a
aula? Os dois grupos iriam passar pelos mesmos processos de avaliação, mesmo
com trajetórias e vivências diferentes, seria justo, que em uma competição, os
atletas estivessem em posições desiguais de competir? Creio que não.
Logo, podemos concluir desse modo, que nosso
destino passa por diversas trajetórias individuais, e nem todos poderão ter as
mesmas facilidades e ao mesmo tempo as mesmas coisas, e que o discurso que
esquece de maneira desonesta, de se atentar aos fatos sociais materiais e
históricos de cada pessoa, está sim contribuindo para a permanência das
estruturas sociais que produzem a desigualdade social. Atentar-se a origem do
discurso, é importante para não sermos pegos por nenhuma ideologia que nos
mantém nessa sociedade.
Fonte: Por Arthur Menezes de Carvalho Crespo,
em A Terra é Redonda

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