segunda-feira, 21 de abril de 2025

Antonio Machado: Déficit público desafia governo, congresso e entra nos planos da oposição não bolsonarista

Em meio ao mundo de distrações trazidas pelo colapso dos anseios sociais nas grandes sociedades, sobretudo nos EUA de Donald Trump, duas situações saltam aos olhos dos mais atentos no Brasil.

1ª: o status quo das políticas econômicas assumidas desde os anos 1990, que já estavam em causa pelas transformações tecnológicas, se tornou precário, como atesta a decadência industrial dos EUA;

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2ª: programas de ajuste do orçamento federal tipo “teto de gasto” e “arcabouço fiscal” não têm mais futuro. Tornaram-se obsoletos.

As dúvidas se dissolveram com o anúncio da LDO, a proposta de lei de diretrizes orçamentárias enviada ao Congresso pelo governo Lula para balizar a discussão da lei orçamentária anual para 2026 (LOA) a ser apresentada possivelmente até agosto. É uma proposta viciada de premissas inexequíveis tanto das despesas quanto das receitas.

A falta dos ministros da Fazenda e do Planejamento na divulgação da LDO, na quarta-feira, foi premonitória da penúria fiscal. Mas é bom precisar o conceito: penúria não por faltar receita nem porque haja “gastança”, termo usual entre colunistas da imprensa.

Falta é gestão, profissionais experientes em administração, além de prioridades sobre o que é relevante. Exemplo: investimento que transforma e promove a produção ou transferências que perpetuam a pobreza em vez de preparar a autonomia econômica dos mais pobres?

Como diz o economista Fernando Montero, o cenário da LDO sugerida para 2026 “tem receitas superestimadas, despesas subestimadas, PIB acima das projeções apuradas pelo Focus (pesquisa semanal do Banco Central), juros abaixo, e deflatores ganhando dos IPCA médios”. Ou seja: reflete não a realidade das contas públicas federais, mas a incapacidade do governo em expor a verdade poucos meses antes das eleições gerais em outubro de 2026.

Com vontade política, haveria tempo para grandes ajustes. Mas “gasto é vida”, conforme expressão corrente no entorno de Lula, não junto à sua equipe econômica.

Aviso geral: apesar da aridez do tema, o que o faz ser podado das campanhas eleitorais pelos marqueteiros, os magos dos partidos de centro já se aperceberam que quem tiver um programa econômico que seja transformador terá mais chances que a turma da mesmice.

<><> Ajustes para ganhar tempo

Com muitos eufemismos, para não desagradar a Lula e seu ministro da propaganda recrutado para tonificar as taxas de popularidade do presidente à base de benefícios fiscais, o secretário de Orçamento Federal, Clayton Montes, foi ao ponto. Disse, ao explicar a LDO:

“Precisamos tomar medidas que nesse momento ainda não foram tomadas e não estão sendo projetadas, mas não quer dizer que não seja projetado para frente. Para atingir o superávit, precisamos tomar medidas. A trajetória da [despesa] discricionária é decrescente se medidas não forem tomadas.” Traduzindo: chegará o dia em que faltará dinheiro para pagar o lanche de um ministro ou reembolsar a condução de um mensageiro do ministério.

O pagamento não obrigatório no orçamento tem o nome de despesa discricionária. Está estimada em R$ 221 bilhões neste ano (1,8% do PIB) e tende à merreca de R$ 8,9 bilhões (0,1% do PIB) em 2029. Vai definhar, como já definha há vários anos, não por que os governos sejam gastalhões. Também são, mas por que os gastos obrigatórios (salários do funcionalismo, déficit do regime próprio de aposentadoria pública e do INSS, bolsa família) crescem à frente do aumento da receita, não obstante a carga tributária seja recorde entre as economias emergentes e a maior no G-20 se se tirar da lista os países desenvolvidos. O excedente vira dívida.

Os déficits orçamentários são bancados com emissão de papéis pelo Tesouro Nacional, vendidos a investidores e operados no dia a dia pelos chamados farialimers, traders do mercado financeiro. Quanto maior a dívida, medida em relação ao PIB, maior a propensão a que os juros, puxados pela Selic do BC, sejam pela hora da morte.

<><> Não há nada “de grátis”

Este é o quadro. Olhado pela métrica da dívida pública bruta, ela deve escalar de 71,7% do PIB no fim de 2022 para 85,6% em 2026. O aumento em quatro anos de 13,9 pontos de percentagem significa, em dinheiro, conforme o PIB projetado para 2026, R$ 1,9 trilhão – ou R$ 471 bilhões na média anual a partir de 2023, inclusive.

Transformada em renda disponível e ampliada pela indução oficial à contratação de dívida pelas pessoas, tal dinheirama explica duas coisas: 1ª, o recorrente erro de projeção do PIB pelos economistas do mercado sempre para menos; a miopia política é flagrante entre os tais farialimers; 2ª, a dificuldade de redução da Selic, já que o incentivo ao consumo bateu na restrição da oferta, e também na estrutura oligopolizada da economia tanta estatal como privada.

Pode-se dizer que o que o governo dá com uma mão a economia tira com a outra – com inflação, mais impostos, mais taxas embutidas em preços, com menor qualidade ou quantidade etc. Nada é “de grátis”.

Três frentes se contrapõem a tal situação, todas caquéticas e sem poder de mudar o que se exauriu: a intenção de buscar o superávit do orçamento com mais tributos ou menos desonerações, o caminho do governo; ou mais austeridade, a linha do mercado; ou a negação, um viés menor mas ainda considerado por alguns setores do PT.

<><> Novos tempos, novas atitudes

Outras evidências, todas arriscadas, de que o orçamento exauriu a capacidade de seguir se esgarçando com mais dívida contratada a um custo lesivo, tipo IPCA+7% ou mais, está nas tentativas de bancar novos programas fora da lei orçamentária, como o Pé de Meia, vale gás, linhas de crédito subsidiado etc. A ideia é tosca: se não estiver no orçamento, não compromete a meta fiscal. Ora…

Tais gastos, chamados de parafiscais, estão sendo auditados pelo TCU. Bruno Dantas, ministro-relator, convocou para explicar que piro é esse os ministros da Fazenda e do Planejamento, os chefes de bancos estatais e deputados e senadores à frente da análise da LDO e a LOA. Por tais coisas, o governo Dilma entrou em coma.

O tema é político, inclui o uso abusivo de emendas parlamentares e a suspeita de que tais gastos não contemplam necessidades reais da sociedade e da economia, mas atendem motivações eleitoreiras.

É onde entram os cálculos dos partidos de centro e até de direita: a intuição de que o eleitorado também desconfia do que é apresentado como graça social desmotivada. Novos tempos implicam novas atitudes. Começa com um programa transformador. Se as atuais direções da Câmara e do Senado forem antenadas, pode começar até antes, com uma polida ampla e geral das propostas da LDO e da LOA.

¨      Brasil tem a chance de liderar coalizão por comércio justo e nova governança multipolar. Por Armando Alvares Garcia Jr.

O que antes se anunciava como uma disputa comercial, hoje é uma guerra aberta contra o próprio sistema que sustentou a ordem global nos últimos setenta anos. Os Estados Unidos transformaram as tarifas alfandegárias em instrumento de pressão política e chantagem estratégica.

O governo Trump elevou suas tarifas sobre produtos chineses para até 145%, justificando-se com o argumento da crise do fentanil, mas na verdade operando em uma lógica de desestabilização geral. As consequências dessa política não recaem apenas sobre a China. O mundo inteiro já sente os abalos da ruptura.

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As declarações do próprio presidente norte-americano não deixam margem para dúvidas. Admitiu publicamente que as tarifas “não sairão de graça”, que haverá “custos de transição inevitáveis”, e que os “efeitos colaterais” sobre a economia americana são reais.

Enquanto isso, Wall Street mergulha em sucessivos colapsos, ignorando as promessas de pausa de 90 dias nas tarifas para alguns países. Os investidores já não confiam nos gestos simbólicos do governo dos EUA. Os dados do mercado falam mais alto: Nasdaq, Dow Jones, S&P 500 — todos em queda livre, mesmo diante de indicadores positivos como o controle da inflação. A desconfiança tomou conta do centro financeiro do capitalismo.

<><> Europa oscila entre dependência dos EUA e cooperação com a China

A Europa, pressionada entre sua dependência tecnológica dos EUA e sua crescente cooperação com a China, oscila. Espanha, Itália e Alemanha pressionam por pragmatismo comercial, enquanto Bruxelas responde de maneira desigual, ora retalhando, ora recuando. A União Europeia chega ao ponto de suspender suas contramedidas diante da ofensiva tarifária norte-americana, ao mesmo tempo em que Pequim se aproxima de chanceleres europeus, de esta vez com mais força, para negociar um pacto de eliminação de tarifas sobre veículos elétricos.

No vácuo dessa desorientação, países como Marrocos começam a ocupar espaços inesperados. A perda de competitividade da Espanha nas exportações de azeite para os EUA é simbólica: com tarifas de 20%, cede espaço a Rabat, que, com tarifas de apenas 10% (o mínimo global aplicado pelos EUA na segunda era Turmp), conquistará novas fatias de mercado. A geoeconomia não perdoa.

Nesse novo cenário de blocos comerciais esgarçados, o Brasil tem mais a perder com a paralisia do que com o engajamento. A retórica do “equilíbrio entre potências” já não basta. O mundo não está mais dividido entre modelos ideológicos clássicos, mas entre quem formula regras e quem apenas reage a elas. Permanecer no segundo grupo é assinar a rendição estratégica.

<><> Novo arranjo comercial global

A guerra tarifária colocou em movimento um novo arranjo global, em que a previsibilidade comercial, a segurança energética e a autonomia regulatória se tornaram os principais ativos nacionais.

O Brasil tem meios para ocupar uma posição de liderança. Possui peso regional, canais abertos com China, EUA e União Europeia, assento nos BRICS e uma capacidade produtiva rara entre os países em desenvolvimento. Mas isso não bastará se o país continuar operando como fornecedor de matéria-prima em um sistema internacional que exige voz própria na formulação de normas.

A nova batalha será regulatória, e não aduaneira. Ela se travará na definição dos padrões técnicos, das novas plataformas digitais, da segurança de dados, da regulação da inteligência artificial e da arquitetura monetária do século XXI.

<><> Reações chinesas

A China, embora afetada diretamente pela guerra de tarifas, reagiu sem perder o foco. Além de anunciar novas contramedidas, que afetam os produtos americanos entre 84% e 125%, convocou a Índia a formar uma frente comum e reafirmou sua disposição para uma “abertura de alto nivel” com novos parceiros. A lógica indica que o BRICS Plus ganhará peso neste cenário. A ofensiva diplomática chinesa é clara: sinalizar estabilidade enquanto Washington implode sua própria credibilidade.

Em meio a tudo isso, Trump recusa se responsabilizar pelos efeitos de sua política. “Não vi as quedas de Wall Street, estive trabalhando”, afirmou com frieza, no mesmo dia em que o Dow Jones despencava mais de mil pontos. A negação do colapso não o impedirá de ocorrer.

O Brasil não deve repetir a paralisia estratégica da Europa, nem se contentar com um papel secundário diante de uma Ásia em reconfiguração, impulsionada pela liderança crescente da China e, em breve, também da Índia — potências que disputam protagonismo regional e global e que, ao lado do Brasil e da Rússia, fundaram o BRICS.

<><> Papel ambicioso do Brasil

Diante desse cenário, o país precisa articular uma agenda própria, ancorada em objetivos estratégicos claros e posicionamento assertivo. Caso contrário, corre o risco de ser arrastado pelas dinâmicas impostas por outros atores e de ver seu papel reduzido no novo arranjo global em formação.

O Brasil deve assumir sua própria ambição estratégica. Isso significa liderar uma coalizão pelo comércio justo, pelo financiamento sustentável, pela construção de uma governança multipolar que não reproduza a lógica de dominação do século passado. Significa também investir pesado em infraestrutura logística, em autonomia energética e em soberania tecnológica. A multipolaridade não é um conceito; é uma batalha em curso — e o Brasil não pode entrar nela desarmado.

Os tempos que virão não serão de estabilidade. Serão tempos de disputa, de reconfiguração abrupta e de instabilidade permanente. Nesse contexto, a neutralidade passiva será confundida com irrelevância. O Brasil, se quiser ser ouvido, terá que falar alto — e com coerência.

 

Fonte: Jornal GGN/The Conversation Brasil

 

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