A
história do brasileiro negro e nordestino que impressionou líder vietnamita Ho
Chi Minh
Em
busca de fortalecer e intensificar relações
comerciais e diplomáticas com a Ásia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita o Vietnã nesta semana.
Na
quinta-feira (27/3), Lula embarca para Hanói, capital do país asiático, onde
tem previstos encontros com o secretário-geral do Partido Comunista do Vietnã, To Lam, o
primeiro-ministro do país, Pham Minh Chính, e o presidente do Vietnã, Luong
Cuong, entre outras autoridades.
Brasil
e Vietnã tem uma parceria recente, de 35 anos. Mas nos anos 1920, a história
dos dois países se cruzaram através de Ho Chi Minh, figura-chave da
independência do Vietnã em relação à França e da guerra em que os EUA foram
vencidos.
A
liderança vietnamita teve uma estadia forçada no Brasil durante alguns meses.
Foi aqui que o líder comunista se impressionou com a história de um homem negro
e nordestino, pouco lembrado na historiografia nacional.
José
Leandro da Silva era um líder sindical ativo durante a Greve dos Marítimos,
ocorrida no Rio de Janeiro no início dos anos 1920.
Conhecido
como Pernambuco, ele foi baleado por policiais — e também jogou agentes no mar
— durante a tentativa de incitar uma greve em um porto na cidade. O marinheiro
sobreviveu e acabou condenado a 30 anos de prisão.
A
história da vitória de Pernambuco na Justiça foi narrada por Ho Chi Minh em um
texto chamado Solidariedade de Classes, no qual o líder vietnamita destaca a
fraternidade entre as pessoas e discorre sobre o racismo.
Ele
narra que, após uma série de protestos no país, foi realizado um novo
julgamento no qual Pernambuco foi absolvido.
"O
veredicto foi recebido com uma torrente de aplausos. E José, o grevista negro,
deixou-se cair nos braços de seus companheiros e defensores, os delegados de
trabalhadores brancos. Pois, apesar da multiplicidade de cores, existem apenas
duas raças no universo: a dos exploradores e a dos explorados. E há apenas uma
verdadeira fraternidade: a fraternidade proletária", escreveu Ho sobre
José Leandro da Silva.
- Greve dentro de
um navio
O
início do século 20 no Brasil foi um período marcado por grandes conflitos nas
relações sociais. A chegada de estrangeiros para substituir a mão de obra
escrava nas fazendas e, posteriormente, nas cidades também trouxe ao país novas
ideias políticas que acabaram por mudar as relações trabalhistas na época.
"Esses
estrangeiros vêm ao Brasil com uma experiência de movimento socialista e
encontram aqui espaço para desenvolver esse trabalho. Tanto que as forças de
repressão do Estado brasileiro vão dizer que o movimento não é
brasileiro", disse Silvio Gallo, professor-doutor da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp).
Nesse
contexto, trabalhadores de um dos navios da Companhia de Navegação Lloyd
Brasileiro, estacionado no Rio de Janeiro, decidiram entrar em greve em 1921
por melhorias das condições de vida a bordo. Estavam fartos de tolerar "um
regime de escravos" dentro dos navios, afirma Hamilton Santos, doutorando
em história pela UFRJ.
Em
fevereiro, a paralisação dos trabalhadores do navio ganhou força e se alastrou.
"Numerosos operários da Companhia Cantareira abandonaram o trabalho e
declararam-se solidários ao movimento", noticiou a Folha da Noite.
O
governo brasileiro recomendou à polícia força máxima para conter os grevistas.
Enviou o navio de guerra Piauí para intimidar o movimento.
José
Leandro da Silva era taifeiro — responsável pela limpeza de camarotes e de
áreas comuns dos navios.
- Comoção nos
movimentos sociais
No dia
4 de março de 1921, ele tentou convencer outros marítimos a paralisar as
atividades. Pernambuco acabou entrando em confronto com policiais que tentavam
o impedir, jogando um deles ao mar. Ao se defender, também feriu outros com uma
faca.
O
grevista foi espancado por demais agentes e acabou gravemente ferido com cerca
de 17 projéteis no corpo, segundo o texto escrito por Ho Chi Minh.
Apesar
dos ferimentos, Pernambuco conseguiu sobreviver e foi preso. A notícia do
ocorrido ocupou as manchetes do país, reforçando a ótica policial e
desfavorável a José Leandro.
"O
taifeiro [José Leandro] foi apresentado como uma figura ameaçadora da ordem
social harmônica. [Ele era representado como uma figura] bestial,
descontrolada, com poder de violência superior ao dos agentes da repressão
estatal", diz Hamilton Santos.
Pernambuco
foi condenado a 30 anos de prisão pelo ocorrido. A condenação do grevista, no
entanto, causou comoção entre os movimentos sociais.
Diversos
esforços para arrecadação de recursos para o pagamento de advogados foram
feitos e, cerca de três anos após o ocorrido, o Supremo Tribunal Federal (STF)
concedeu um habeas corpus a José Leandro.
Logo
depois, um novo julgamento foi marcado no Tribunal do Júri no qual Pernambuco
foi absolvido pela Justiça em 1924. Movimentos sociais comemoraram o resultado
nas ruas.
- Ho Chi Minh no
Brasil
Não há
dados oficiais ou registros históricos, mas biógrafos dizem que Ho Chi Minh
(1890-1969) esteve no Brasil provavelmente em 1912.
Ainda
com o nome de Nguyen Tac Thanh (Ho Chi Minh quer dizer "aquele que
ilumina" e foi adotado anos depois), o líder da unificação do Vietnã e das
guerras contra a França e EUA viu de perto os conflitos sociais de um país que
ainda respirava os ares de um longo período de escravidão e era influenciado
pelos novos ventos de disputas sociais no começo do século 20.
Ho
trabalhava na época como ajudante de cozinha em um navio francês chamado
Admiral Tréville. Durante uma viagem à América do Sul, ficou doente e foi
deixado no Brasil pela tripulação para tratar de uma doença que não foi
especificada por historiadores.
Nos
cerca de três meses em que aguardou a nova passagem do navio, Ho sobreviveu
atuando como ajudante de cozinha em um restaurante que ficava em um hotel da
Lapa.
"Ho
Chi Minh morava em Santa Teresa, em uma pensão, trabalhava na Lapa e
constantemente ia para o porto do Rio para ter notícias do navio que o levaria
a continuar viagem", disse Ariel Seleme, emissário diplomático brasileiro
que morou em Hanói e estudou a passagem de Ho pelo Brasil.
Não há
registros, porém, de um encontro entre Ho e Pernambuco - mesmo que possam ter
frequentado os mesmos locais no Rio de Janeiro na mesma época.
Segundo
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o mais provável é que Ho Chi Minh
tenha ficado sabendo da mobilização dos trabalhadores em prol de José Leandro
por meio de Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista
Brasileiro (PCB).
Ho e
Pereira se encontraram em Moscou para discussões acerca do movimento
revolucionário em 1924.
"O
artigo do Ho Chi Minh foi publicado em 1924, justamente depois do desfecho
vitorioso [de José Leandro] e na ocasião em que Ho encontrou-se com o
Astrojildo Pereira na União Soviética, porque os brasileiros estavam lá para
oficializar o PCB. Muito provavelmente eles é que levaram a notícia do que
tinha acabado de ocorrer no Brasil. Nesse momento Ho publicava crônicas sobre a
luta dos trabalhadores em todo mundo, e publicou essa sobre os marinheiros do
Rio", afirmou o historiador Rafael Galante.
Segundo
Pierre Brocheux, biógrafo francês de Ho Chi Minh, as viagens do líder
vietnamita, incluindo ao Brasil, moldaram sua personalidade.
"Ho
Chi Minh viajou ao redor do mundo não como turista, mas como marinheiro e
descobridor. Portanto, ele observou atentamente o mundo e os povos, mas ao
mesmo tempo construiu laços abertos e amigáveis. Ele se comportou assim não
apenas com os trabalhadores, mas também com os intelectuais e artistas",
disse Brocheux.
"Depois
de suas viagens, ele não se tornou um extremista, mas um pragmático com uma
visão mais clara das coisas e dos homens. Portanto, ele estava convencido de
que o socialismo era o futuro da humanidade, mas também disse que 'para
construir o socialismo deve haver socialistas'", completou.
- Intervenção
artística
O
pesquisador e produtor Pedro Rajão pretende reviver a figura de José Leandro
por meio da arte na cidade - mais especificamente em algum muro próximo dos
Arcos da Lapa, onde tanto José Leandro quanto Ho Chi Minh estiveram.
Rajão
comanda o projeto Negro Muro, que busca homenagear personagens negros
históricos com intervenções artísticas no Rio.
"José
Leandro é uma figura negra completamente desconhecida e com uma história
cinematográfica. Queria fazer uma homenagem ao Pernambuco, na qual Ho Chi Minh
aparecesse também como líder e pessoa influente que foi", disse.
Fonte: BBC News Brasil

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