A desastrosa privatização da segurança
colombiana
Há quase meio milhão de civis na Colômbia —
mais do que todos os soldados e policiais do país juntos — que portam armas
legalmente e têm licença para matar. Os homens e mulheres armados que guardam a
entrada de condomínios fechados e shoppings de luxo, que deixam os filhos dos
ricos e poderosos em escolas particulares caras e que dirigem ou portam
espingardas nos veículos blindados que transportam dinheiro e objetos de valor
são todos funcionários de empresas de segurança privada.
Durante a administração do ex-presidente Iván
Duque, as empresas de segurança privada se expandiram muito, especialmente
durante a pandemia da COVID. O governo adicionou várias de suas instituições,
incluindo educação, comunicação, esportes e cultura como clientes e abriu a
possibilidade de privatização de prisões com empresas de segurança contratadas
para administrá-las. A indústria de segurança privada agora representa mais de
1% do PIB do país. Além disso, Duque tornou mais fácil o estabelecimento de empresas
de segurança privada reduzindo o número de requisitos e inspeções, concedendo
licenças que são quase impossíveis de revogar porque só precisam ser renovadas
uma vez a cada dez anos.
Na década de 1990, no auge da influência dos
cartéis de drogas colombianos, as oficinas de cobro (agências
de cobrança), administradas principalmente por líderes paramilitares ou
policiais e militares aposentados, ofereciam segurança para aqueles que mais
precisavam. Narcos e outros criminosos eram os principais
beneficiários desse acordo em que as oficinas transportavam
dinheiro, produtos e armas por todo o país. Eles também forneciam guarda-costas
para seus trabalhadores de alto escalão e pagavam sicários (assassinos
contratados) para matar a concorrência e executar qualquer um dentro de sua
própria organização que roubasse ou quebrasse as regras.
·
A expansão da segurança privada
Quando os cartéis de drogas se desfizeram e
novas organizações criminosas e de drogas surgiram do processo, as oficinas frequentemente
ofereciam seus serviços para gangues rivais em guerra ao mesmo tempo,
capitalizando assim com o alto nível de insegurança e violência que surgia nas
principais cidades. Desde o estabelecimento das oficinas, metade de
todos os assassinatos na Colômbia foram cometidos por sicários. Hoje
em dia, os sicários ainda podem ser contratados para resolver
diferenças comerciais, mas também servem para resolver vinganças pessoais ou
para se vingar de cônjuges infiéis. Levando em consideração que o preço de um
assassino contratado pode ser tão baixo quanto US$ 100, os assassinatos na
Colômbia não são mais ferramentas exclusivas de narcotraficantes de alto
escalão e chefes do crime. Eles foram democratizados.
As empresas de segurança privada floresceram
graças à ascensão dos sicários e aos homicídios que eles
perpetraram. Existem agora cerca de oito mil empresas de segurança privada
diferentes no país. Muitos líderes paramilitares e gerentes de oficinas estabeleceram
suas próprias empresas de segurança privada legais ou se tornaram associados de
empresas já existentes. Isso permitiu que expandissem sua clientela para
incluir empresas formais e indivíduos.
O cliente mais cobiçado das empresas de
segurança privada colombianas é o governo, especialmente a Unidade de Proteção
Nacional (UNP). A UNP é uma grande instituição estabelecida a pedido da
comunidade internacional. Ela fornece proteção a funcionários do governo,
jornalistas, indivíduos e comunidades em risco de serem assassinados por
qualquer um dos muitos grupos guerrilheiros ou organizações criminosas que
operam em todas as partes do país.
O governo não só oferece contratos muito
lucrativos para empresas de segurança privadas, como também dá a essas empresas
privadas tratamento especial. Isso inclui pagar pelos benefícios que policiais
e militares aposentados recebem se forem contratados por essas empresas.
À medida que o orçamento da UNP aumentou
exponencialmente na última década, ela foi acusada de cometer cada vez mais
abusos. Membros de alto escalão da UNP, incluindo um ex-diretor, foram presos
por suas conexões com narcos e organizações criminosas. A UNP
também foi acusada de contratar guarda-costas para seus serviços de proteção a
testemunhas de criminosos conhecidos sob o pretexto de que eles correm risco de
serem assassinados.
O novo diretor da UNP, Augusto Rodríguez,
escolhido a dedo pelo presidente Gustavo Petro para separar a instituição da
influência criminosa, quase foi morto em uma tentativa de assassinato pouco
antes de assumir o cargo. Onde quer que vá, ele é acompanhado por
guarda-costas, mesmo (ou especialmente) na instituição que dirige. Isso é menos
surpreendente pelo fato de que jornalistas recentemente ligaram Rodríguez a uma
figura criminosa bem conhecida, Papa Pitufo — um dos muitos envolvimentos entre
o Estado colombiano e organizações criminosas.
Jornalistas também descobriram evidências de
cartéis usando veículos blindados da UNP, cujo propósito é proteger servidores
públicos, jornalistas e líderes comunitários que receberam ameaças de morte,
para o transporte de drogas. Cento e cinquenta quilos de cocaína foram
encontrados recentemente escondidos em um desses veículos, que não são imunes a
buscas por policiais e militares sem mandados emitidos por um juiz.
Dos dez mil guarda-costas que a UNP emprega,
a instituição contrata apenas 10% diretamente. O restante vem de empresas de
segurança privada. A maioria das pessoas empregadas pela indústria de segurança
e vigilância na Colômbia são ex-militares ou recrutadas da polícia, mas muitas
também são paramilitares desmobilizados ou mesmo guerrilheiros. As empresas de
segurança privada, e as pessoas que elas contratam, não são oficialmente
verificadas quanto a laços com organizações criminosas e, portanto, muitos funcionários
trabalham nos dois lados da lei (vários sicários foram pegos
recentemente em flagrante com credenciais de uma empresa de segurança privada).
·
Controle expandido
Quando o Departamento Administrativo de
Segurança (DAS), a polícia secreta da Colômbia, responsável pelos assassinatos
seletivos de centenas de civis, foi pego grampeando e vendendo informações
sigilosas para organizações criminosas e unidades paramilitares, ele acabou
desmantelado pelo governo. Mais de oitocentos desses policiais secretos, no
entanto, foram eventualmente incorporados à UNP, seja diretamente ou por meio
de empresas de segurança privadas.
Calcula-se que mais de um terço dos
guarda-costas contratados pela UNP são contratados de uma ou mais das sete
empresas de segurança privada (incluindo a Guardianes, a maior
empresa desse tipo na Colômbia) de propriedade do chamado czar da
segurança, Jorge Arturo Moreno. Condenado por práticas comerciais desleais,
pelas quais foi sentenciado a sete anos de prisão, Moreno vive em Miami como um
fugitivo da lei. No entanto, as empresas de segurança privada de Moreno
continuam a receber contratos suculentos da UNP.
À medida que as empresas de segurança privada
crescem em número e poder, elas assumem cada vez mais controle. As empresas de
segurança privada recentemente receberam acesso a todos os canais de TV de
circuito fechado em condomínios na Colômbia e agora podem controlar o
processamento de dados dos cidadãos para seu próprio uso. Essas empresas também
têm acesso à avaliação de risco para processos administrativos, recrutamento e
avaliação de mão de obra, previsões de risco e perigo em processos de contratação,
análise de dados, reconhecimento facial e inteligência preditiva também. Muitas
empresas de segurança agora usam robótica, inteligência artificial, drones e
softwares para oferecer soluções alternativas.
Além de lidar com a segurança de moradias
urbanas e shoppings, autoridades governamentais concederam a grandes
conglomerados licenças para operar seus próprios exércitos privados na Colômbia
e forneceram armas a eles. Grupos empresariais, especialmente empresas de
mineração, agroindústrias e pecuaristas, também contratam grupos paramilitares
para se protegerem de guerrilhas de esquerda e organizações criminosas.
Sob o pretexto de se proteger de ataques de guerrilha
em seus oleodutos, a Ecopetrol, a enorme indústria petrolífera e petroquímica
de propriedade do governo, contratou as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), a
maior organização criminosa paramilitar da Colômbia na época, para proteger
seus interesses comerciais, o que incluía matar líderes sindicais e
comunitários que protestavam contra os abusos da empresa.
As corporações dos EUA há muito tempo
contratam organizações paramilitares para cuidar de sua segurança e fazer seu
trabalho sujo. A Chiquita Brands International, empresa que importa
a maior parte da produção de bananas da Colômbia para os Estados Unidos, deu
quase dois milhões de dólares para a AUC de 1997 a 2004, e enviou a eles 3.400
rifles AK-47 e quatro milhões de cartuchos de munição, mesmo a AUC tendo sido
listada pelo Departamento de Estado dos EUA como uma organização terrorista
desde 2001.
As gigantes da mineração de carvão Drummond
Company e Glencore International também foram
acusadas de contratar forças paramilitares da AUC entre as décadas de 1990 e
2010 para atuar como força de segurança privada para suas operações de
mineração na Colômbia (vários líderes e membros sindicais locais foram
assassinados durante esse período).
Em 2001, um tribunal de Miami acusou a
Coca-Cola de ter “contratado ou de outra forma dirigido forças de segurança
paramilitares que utilizaram violência extrema e assassinaram, torturaram,
detiveram ilegalmente ou de outra forma silenciaram líderes sindicais”. A
empresa negou essas acusações.
·
Presença estrangeira
AColômbia tem a maior força militar da
América Latina, treinada em batalha ao longo de décadas de guerra civil. Quando
se aposentam ou são desmobilizados, soldados militares ou paramilitares de
elite geralmente encontram emprego em empresas de segurança privada ou no
mercado global como mercenários. Ex-soldados de elite colombianos são
procurados no mercado internacional de segurança privada por sua experiência em
conflitos armados, treinamento dos EUA (anticomunista) e porque são muito mais
baratos do que seus equivalentes dos EUA ou da Europa.
Para serem contratados por empresas de
segurança privada, especialmente para atividades no exterior, militares
colombianos altamente treinados se aposentam o mais rápido possível, ou até
mesmo desertam mais cedo do exército. Como resultado, a indústria de segurança
privada está constantemente desviando pessoal qualificado das forças militares
do governo, deixando-as com falta de pessoal e fazendo com que sejam forçadas a
treinar constantemente novos funcionários. Como seus soldados começaram a se
aposentar mais cedo, o exército colombiano modificou seu contrato para que os
soldados tivessem que cumprir um período mínimo de serviço antes de irem para o
setor privado.
De 2000 a 2017, como parte do Plano Colômbia,
projetado para combater grupos guerrilheiros de esquerda, o governo dos EUA
enviou mais de US$ 10 bilhões em ajuda à Colômbia, com mais de 70% indo
diretamente para os militares e a polícia do país. Grande parte desse dinheiro,
no entanto, foi redirecionado de volta para contratantes militares privados
estadunidenses, incluindo Blackwater, Defense Systems
Limited, Military Professional Resources Inc., DynCorp e Global
CST, que cobraram quantias exorbitantes de dinheiro para treinar ou equipar
unidades especiais e paramilitares colombianos.
Com seus laços com o Pentágono e o
Departamento de Estado, contratantes militares privados frequentemente recrutam
oficiais militares de elite colombianos aposentados ou paramilitares. Em 2009,
a Blackwater (atualmente chamada de Academi), uma
das maiores contratantes militares privadas do mundo, fundou a primeira empresa
de recrutamento de mercenários na Colômbia. Desde então, mercenários
colombianos têm sido enviados por contratantes militares privados para lutar
guerras sujas ao redor do globo.
Em 2006, trinta e cinco veteranos militares
colombianos foram contratados para defender bases do exército dos EUA no
Iraque, e centenas de mercenários colombianos lutaram no Afeganistão em 2010.
Em 2011, mercenários colombianos foram enviados para Abu Dhabi, ostensivamente
para fornecer segurança aos ativos de petróleo dos Emirados, mas, em vez disso,
serviram como parte da coalizão de mercenários liderada pela Arábia Saudita,
implantada no Iêmen. A empresa Global Security Services Group também
tem enviado mercenários colombianos ao Iêmen para escoltar navios europeus e
estadunidenses que cruzam o Golfo de Áden e são frequentemente atacados por
piratas.
Centenas de mercenários colombianos lutam
atualmente contra tropas russas na Ucrânia. O embaixador russo na Colômbia,
reconhecendo os danos causados por essas unidades, acusou os mercenários
colombianos que lutam ao lado dos ucranianos de “não saberem
nada além da realização de ataques terroristas”. O governo
colombiano estima que sessenta e quatro mercenários
colombianos já foram mortos lá e mais de 120 desapareceram em ação.
Além dos contratados militares privados
internacionais e empresas de segurança, há várias empresas de segurança
privadas na Colômbia que contratam mercenários em todo o mundo. A A4SI, uma
contratante militar privada fundada em 2017 e administrada por oficiais
militares colombianos aposentados, enviou mais de trezentos mercenários
colombianos para lutar na guerra civil do Sudão. Pelo menos vinte e dois
morreram lá. A maioria dos homens que as contratantes militares enviam para a
batalha acreditavam que seriam empregados como guardas de segurança privados.
Mercenários colombianos também são enviados para lutar por cartéis de drogas
mexicanos, uma especialidade deles.
Mercenários colombianos têm sido
frequentemente contratados para realizar assassinatos seletivos e derrubar
regimes. Em 2004, autoridades venezuelanas detiveram 153 paramilitares
colombianos acusados de
participar de um plano para assassinar o então presidente Hugo Chávez. Os
vinte e seis mercenários colombianos envolvidos no assassinato do presidente
do Haiti, contratados pela empresa CTU Security, sediada em Miami (de
propriedade do venezuelano Antonio Intriago, atualmente cumprindo pena de prisão nos Estados
Unidos), eram reservas ativas do exército colombiano e vários tinham sido
treinados por unidades militares dos EUA, como os Boinas Verdes.
Os mesmos contratantes de segurança privada
que enviam mercenários para assassinar líderes estrangeiros também estão
ativamente fornecendo assassinos para ações dentro da Colômbia. O presidente
Petro sobreviveu a várias tentativas de assassinato. Quando ele faz discursos
públicos, Petro deve ser constantemente cercado por guarda-costas que seguram
escudos grossos equipados com pequenas janelas para que ele seja visto pelas
multidões. Recentemente, um plano para disparar dois mísseis no jato
presidencial de Petro foi descoberto. Embora muitos líderes da oposição zombem
afirmando que suas preocupações são pura paranoia, vários dos políticos de
esquerda mais importantes foram assassinados na Colômbia ao longo das últimas
décadas.
·
Democratização dos serviços
Nem os Estados Unidos nem a Colômbia
assinaram a Convenção Internacional da ONU contra o Recrutamento, Uso,
Financiamento e Treinamento de Mercenários. Assim, quando mercenários são pegos
com as mãos na massa (e nas armas), os Estados Unidos e seus contratados
privados são capazes de negar qualquer conhecimento de suas ações. Crimes e
violações de direitos humanos cometidos por mercenários são considerados
responsabilidade legal dos perpetradores materiais, ou seja, os próprios
soldados contratados.
A ONU aprovou centenas de resoluções nos
últimos vinte anos para coibir a indústria privada de mercenários, mas sem o
apoio dos Estados Unidos. Com os lucros que gera, a indústria de segurança
privada provavelmente continuará crescendo.
Quando mercenários retornam à Colômbia após
verem combates no exterior, eles não recebem atenção médica para TEPT ou outros
transtornos mentais antes de encontrarem emprego. Mercenários que retornam são
frequentemente contratados como executores ou assassinos a serviço de
organizações criminosas ou exércitos paramilitares, mas eles também podem
facilmente encontrar emprego em qualquer uma das milhares de empresas de
segurança privada.
Assim como o uso de sicários foi
popularizado e democratizado na Colômbia, qualquer um pode agora acessar
facilmente os serviços de empresas de segurança privada. Um desses negócios na
cidade de Cali, chamado Tu Escolta Ya (Seu Próprio
Guarda-Costas Agora), torna a contratação de proteção armada, com uma
motocicleta ou carro blindado, de acordo com o gosto e necessidade do cliente,
tão fácil quanto chamar um Uber.
No entanto, sem conhecer a experiência
anterior do homem ou da mulher que está com o dedo no gatilho de uma arma de
fogo ou espingarda protegendo a propriedade privada, sem saber completamente
quais são os laços entre os proprietários e funcionários de empresas de
segurança privada e organizações criminosas na Colômbia, e sem saber o quanto
as organizações criminosas penetraram em instituições governamentais
encarregadas da proteção de pessoas em situações vulneráveis, a sensação de
insegurança no país é ainda mais real do que o medo do crime e da violência nas
ruas da cidade.
Fonte: Por Kurt Hollander – Tradução Pedro
Silva em Jacobin Brasil

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