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formas de identificar a falsificação de uma obra-prima
As
falsificações estão em toda parte: fake news, deep fakes, fraudes de
identidade.
O
fenômeno das ilusões digitais vem crescendo cada vez mais, com o
desenvolvimento da inteligência artificial. Estamos tão mergulhados nesta
cultura que fica fácil imaginar que a falsificação seria uma invenção de alta
tecnologia da era digital.
Mas
observamos recentemente a descoberta de um elaborado ateliê de falsificação de
arte em Roma, na Itália – certamente criado sem o uso de alta tecnologia.
Isso
sem falar na surpreendente acusação de que uma apreciada obra-prima barroca do
acervo da Galeria Nacional de Londres seria uma imitação grosseira de um
original que foi perdido.
Estas
revelações nos relembram que a falsificação de obras no mundo da arte tem uma
longa história comprovada. E ela não foi escrita de forma binária por
computador, mas com pigmentos impossíveis, pinceladas desajeitadas e
assinaturas suspeitas.
A
fraude e a falsificação de obras de arte, portanto, não são nenhuma novidade.
No dia
19 de fevereiro, o Comando Carabinieri de Proteção do Patrimônio Cultural da
Itália descobriu uma operação clandestina de falsificação em um bairro no norte
de Roma.
As
autoridades confiscaram mais de 70 obras de arte falsificadas, atribuídas de
forma fraudulenta a artistas consagrados, como Camille Pissarro, Pablo Picasso,
Rembrandt e Dora Maar. No mesmo local, havia materiais usados para imitar telas
antigas, assinaturas dos artistas e carimbos de galerias hoje inoperantes.
O
suspeito ainda não foi preso. Acredita-se que ele tenha usado plataformas
online como Catawiki e eBay para divulgar seu material falso, enganando
possíveis compradores com certificados de autenticidade convincentes,
elaborados por ele mesmo.
A
notícia da descoberta do laboratório clandestino foi rapidamente seguida pelo
anúncio de um novo livro, lançado em março, que afirma que uma das principais
obras do acervo da Galeria Nacional de Londres não é nada do que parece.
A
artista e historiadora grega Euphrosyne Doxiadis é a autora do livro NG6461:
The Fake National Gallery Rubens ("NG6461: O falso Rubens da Galeria
Nacional", em tradução livre). Segundo ela, o quadro Sansão e Dalila foi
produzido três séculos depois da data indicada pela galeria (1609-10) e seu
valor é incalculavelmente menor do que acredita o museu.
Sansão
e Dalila é uma grande pintura a óleo sobre madeira, atribuída ao mestre
flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640). O museu londrino adquiriu a obra em
1980 por 2,5 milhões de libras (cerca de R$ 18,6 milhões, pelo câmbio atual).
Na época, foi o segundo valor mais alto já pago por um quadro em um leilão.
A
conclusão de Doxiadis confirma outra descoberta, feita em 2021, pela companhia
Art Recognition. A empresa suíça determinou, utilizando inteligência
artificial, que havia 91% de probabilidade que Sansão e Dalila fosse obra de
outro artista, não de Rubens.
A
avaliação da artista de que o trabalho com o pincel que observamos na pintura é
grosseiro e totalmente inconsistente com o fluxo fluido das mãos do mestre
flamengo é veementemente contestada pela Galeria Nacional, que defende sua
atribuição.
"Sansão
e Dalila é aceito há muito tempo, pelos estudiosos de Rubens, como uma
obra-prima de Peter Paul Rubens", afirmou a galeria, em declaração
fornecida à BBC.
"Pintada
em óleo sobre um painel de madeira, pouco antes do seu retorno a Antuérpia
[hoje, na Bélgica] em 1608 e demonstrando tudo o que o artista havia aprendido
na Itália, esta é uma obra da mais alta qualidade estética. Um exame técnico do
quadro foi apresentado em um artigo publicado no Boletim Técnico da Galeria
Nacional em 1983. As conclusões permanecem válidas."
A
divergência de opiniões entre os especialistas do museu e os que duvidam da
autenticidade da obra abre um curioso espaço para refletir sobre interessantes
questões sobre mérito e valor artístico.
Existe
legitimidade na falsificação? As falsificações podem ser obras-primas?
Ferramentas
de análise cada vez mais sofisticadas vêm sendo aplicadas às pinturas e
desenhos cuja legitimidade é questionada há muito tempo. Eles incluem diversas
obras atribuídas a Leonardo da Vinci (1452-1519), como o fortemente questionado
desenho em tinta e giz A Bela Princesa (1495-96). E também geraram debates
sobre outras obras, que nunca tiveram sua validade colocada em dúvida antes.
Com
isso, o debate sobre a integridade de ícones culturais, provavelmente, só irá
aumentar.
A BBC
reuniu cinco princípios práticos para se ter em mente ao observar as
controvérsias futuras. São cinco regras básicas para identificar obras de arte
falsas.
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Regra 1: Os pigmentos nunca mentem
Para
falsificar obras de arte com sucesso, é preciso muito mais do que proficiência
técnica e princípios éticos mal definidos.
Não
basta apenas se aproximar do pontilhado de tinta de Georges Seurat (1859-1891),
por exemplo, ou dos expressivos e espessos redemoinhos de Vincent van Gogh
(1853-1890). Você precisa conhecer história e química.
Pigmentos
anacrônicos irão denunciar você todo o tempo. Eles foram os responsáveis pela
descoberta do falsificador de arte alemão Wolfgang Beltracchi e sua esposa
Helene.
O casal
ganhou milhões vendendo obras primas modernistas falsificadas, até que a
inclusão descuidada de tinta pré-fabricada nas suas audaciosas paletas, em
2006, selou o seu destino.
O modus
operandi de Beltracchi era criar "novas" obras de todos os pintores,
de Max Ernst até André Derain, e não recriar as pinturas perdidas. Ele sempre
teve o cuidado de misturar suas próprias tintas, para garantir que elas
contivessem apenas ingredientes existentes na época do artista que ele
pretendia imitar.
Ele só
escorregou uma vez – e foi o suficiente.
Beltracchi
tentava produzir um cenário vermelho deformado com cavalos recortados, no
estilo do movimento artístico alemão Der Blaue Reiter. Ele atribuiria a obra ao
pintor expressionista alemão Heinrich Campendonk (1889-1957).
Para
isso, o falsificador usou um tubo de tinta pronta, que ele não percebeu que
continha traços de branco de titânio – um pigmento relativamente novo, ao qual
Campendonk não teria tido acesso. Era tudo o que os pesquisadores precisavam
para comprovar a falsidade do trabalho – que havia sido vendido por 2,8 milhões
de euros (cerca de R$ 17,5 milhões).
Beltracchi
teve pouca sorte. O intervalo entre a disponibilidade do branco de titânio e
seu possível uso por Campendonk era de apenas alguns anos. Mas, às vezes, este
período de tempo é surpreendentemente longo.
A
análise de um retrato de São Jerônimo, antes atribuído ao mestre italiano
Parmigianino (1503-1540) e vendido pela casa de leilões Sotheby's em 2012 por
US$ 842.500 (cerca de R$ 4,86 milhões), demonstrou a existência em toda a obra
do pigmento sintético verde de ftalocianina, inventado em 1935 – quatro séculos
depois do pintor renascentista do século 16.
Os
artistas podem ser visionários, mas não viajam no tempo.
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Regra 2: Tenha presente o passado
É
estimulante acreditar que os valores de uma pessoa não estão presos ao passado.
Exceto quando o assunto é arte.
Uma
pintura, escultura ou desenho sem uma forte história, infelizmente, não
desperta mais inspiração devido à sua falta de bagagem. Ela se torna suspeita
ou, pelo menos, deveria.
Muito
frequentemente, a ganância pode interferir na clareza de visão para determinar
a autenticidade de uma pintura ou escultura. Nestes casos, as obras têm a
história que nós queremos que elas tenham.
Este
certamente foi o caso de uma sucessão de falsas obras de Vermeer (1632-1675),
originadas do ateliê de um retratista holandês chamado Han van Meegeren
(1889-1947) – um dos mais produtivos e bem sucedidos falsificadores do século
20. Entre as obras, havia uma ilustração de Cristo e os Homens em Emaús.
Os
colecionadores ficaram desesperados. Eles queriam acreditar que aquelas telas
miraculosamente surgidas pudessem realmente ser obras-primas perdidas das
mesmas mãos que criaram A Leiteira e a Moça com Brinco de Pérola.
Isso
fez com que todos ficassem cegos para a evidente ausência de qualquer indicação
sobre a origem das pinturas, como seu dono anterior, histórico de exibições e
comprovação de vendas. Todos foram iludidos.
Ao
autenticar a pintura na revista de arte Burlington, um especialista insistiu
que "em nenhuma outra pintura do grande Mestre de Delfos [na Holanda],
encontramos tanto sentimento, uma compreensão tão profunda da história da
Bíblia – um sentimento humano expresso de maneira tão nobre pelo meio da mais
fina arte".
Mas era
tudo mentira.
Em uma
reviravolta surpreendente da história, Van Meegeren acabou confessando a
fraude, pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). As
autoridades holandesas o haviam acusado de vender um Vermeer – considerado
tesouro nacional – para o oficial nazista Hermann Göring (1893-1946).
Para
comprovar sua inocência (se é que pode ser chamada assim), ele precisou
demonstrar que havia vendido apenas uma cópia sem valor forjada por ele mesmo,
não um quadro real do Velho Mestre. Para isso, Van Meegeren realizou o feito
extraordinário de criar uma obra-prima totalmente nova, a partir do nada,
perante os olhos atônitos dos especialistas.
Mais
recentemente, em 2017, um episódio do popular programa de artes da BBC Fake or
Fortune? ("Falso ou fortuna?", em português) levou ao ar um antigo
pressentimento do apresentador e comerciante de arte Philip Mould.
Mould
acreditava que um quadro que ele vendeu, certa vez, por 35 mil libras (cerca de
R$ 260,7 mil), na verdade, poderia ser um original com valor incalculável do
artista romântico inglês John Constable (1776-1837) – uma versão alternativa e,
até então, não documentada da obra-prima A Carroça de Feno (1821).
Mould e
a coapresentadora do programa, Fiona Bruce, escavaram registros financeiros
arquivados há muito tempo e, surpreendentemente, confirmaram o pressentimento
do apresentador.
A
equipe do programa rastreou a propriedade da pintura até uma venda feita pelo
filho do artista. Com isso, eles recalcularam o verdadeiro valor da tela em 2
milhões de libras (cerca de R$ 14,9 milhões).
Ou
seja, certamente vale a pena vasculhar certos itens do passado.
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Regra 3: Olhe com atenção
Os
gestos dos artistas – suas pinceladas e desenhos, simultaneamente bem estudados
e instintivos – são nada menos do que suas impressões digitais nas telas e
folhas de papel.
A
leveza de toque de um artista e a força do impacto de outro são extremamente
difíceis de se falsificar, especialmente se você tiver consciência de que cada
contorção do seu pincel e cada traço do seu lápis serão analisados por olhos
desconfiados e equipamento de última geração.
É
difícil manter pressão sob pressão – um obstáculo que o falsificador britânico
Eric Hebborn (1934-1996) superou com álcool.
Hebborn
morreu em Roma sob circunstâncias suspeitas, depois de ter falsificado mais de
1 mil obras atribuídas a diversos artistas, como Andrea Mantegna, Giovanni
Tiepolo, Nicolas Poussin e Giovanni Piranesi.
Consta
que o remédio preferido de Hebborn para acalmar seus nervos à flor da pele era
o conhaque. A bebida permitia que ele incorporasse, sem a menor inibição, a
mente e os músculos de qualquer mestre antigo que ele quisesse canalizar.
Enquanto
as falsificações de Beltracchi e Van Meegeren foram descobertas por inspeções
cuidadosas, por serem repletas de gestos incoerentes, a fluidez dos desenhos
falsificados pelo embriagado Hebborn durante seu apogeu, nos anos 1970 e 1980,
continua a confundir os especialistas até hoje.
Algumas
instituições que mantêm a guarda dos trabalhos que passaram pelas suas mãos
ainda se recusam a aceitar que todos sejam falsos. É o caso do Museu
Metropolitano de Arte de Nova York, nos Estados Unidos, que segue defendendo
que o desenho Templos de Vênus e Diana em Baia Vistos do Sul, feito a tinta e
caneta, é realmente do círculo do pintor flamengo Jan Brueghel, o Velho
(1568-1625).
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Regra 4: Vá a fundo
Quando
a análise dos pigmentos, proveniência e pressão do pincel ainda deixar você em
dúvida, pode ser necessário ir um pouco mais a fundo.
Por 20
anos, desde os anos 1990, diferentes especialistas confirmaram e rejeitaram a
autenticidade de uma natureza-morta supostamente criada por Vincent van Gogh.
Para
alguns deles, os vermelhos berrantes e azuis-marinhos estranhamente refletidos
do buquê de rosas, margaridas e flores silvestres não têm aparência real e
parecem discordantes da paleta do pintor. E a ausência de registros de
propriedade da pintura agravava a situação.
Mas um
raio X realizado em 2012 respondeu aos questionamentos. O exame revelou que o
artista, para economizar, reutilizou uma tela sobre a qual havia criado outra
imagem completamente diferente, à qual ele faz referência explícita em uma
carta de janeiro de 1886.
Na
carta, van Gogh relatou ao seu irmão Theo: "Esta semana, pintei algo
grande com dois torsos nus – dois lutadores... e realmente gostei de fazer
aquilo."
Como se
previsse, profeticamente, a disputa futura entre os acadêmicos sobre a
autenticidade da obra, a imagem estática da contenda entre os dois atletas,
oculta sob a tinta por mais de um século, resgatou a pintura das acusações
injustas de falta de legitimidade.
E ainda
criou uma espécie de pintura composta, uma compressão vívida – um quadro
congelado de uma mente incessante lutando contra si própria, desesperada para
sobreviver.
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Regra 5: As revelações estão nos pequenos detalhes
Como
última defesa antes de autenticar uma obra de arte, revise os detalhes.
Esta
simples medida teria feito o colecionador Pierre Lagrange economizar US$ 17
milhões (cerca de R$ 98 milhões) em 2007. Foi o preço que ele pagou pela
convincente falsificação de uma pequena pintura de 30x46 cm, falsamente
atribuída ao expressionista abstrato americano Jackson Pollock (1912-1956).
Famoso
pelo seu estilo característico, Pollock tem uma assinatura surpreendentemente
legível, um inconfundível "c" antes do "k" final. A omissão
de uma simples consoante faria mais do que expor uma simples falsificação – ela
destruiria toda a reputação da galeria.
A falta
de cuidado na assinatura foi apenas um dos vários sinais que passaram
despercebidos em obras falsamente atribuídas a Mark Rothko, Willem de Kooning,
Robert Motherwell e outros artistas, que foram vendidas por US$ 80 milhões
(cerca de R$ 461 milhões), pela galeria Knoedler & Co. – uma das mais
antigas e estimadas instituições de arte de Nova York.
As
obras fraudulentas foram fornecidas por um negociante duvidoso, que declarou
terem vindo de um enigmático colecionador, o "Sr. X".
A
galeria fechou as portas depois de 165 anos, pouco antes que o escândalo
surgisse na imprensa. O suspeito pela falsificação era um septuagenário chinês
autodidata chamado Pei-Shen Qian, que havia trabalhado no ateliê de um
falsificador no Queens, em Nova York. Ele desapareceu e ressurgiu
posteriormente na China.
Fonte:
BBC Culture

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