O que é o 'efeito
máquina de lavar' que ajuda a explicar por que tarifas de Trump podem
prejudicar os EUA
Não é incomum
pensar nas tarifas como uma espécie de "punição" para produtos
estrangeiros e os países que os fabricam. No entanto, o "efeito máquina de
lavar" ajuda a explicar por que as empresas nacionais e os consumidores
locais também acabam pagando os custos da aplicação dessas taxas. Donald Trump, oficializou neste
sábado (1/2) seu plano de
taxar em 25% importações do Canadá e do México e 10% da China. A medida está
relacionada à percepção do presidente dos EUA sobre a má gestão dos governos
desses países em relação à migração e ao tráfico de drogas.
A ameaça da
imposição de tarifas também recaiu sobre a Colômbia, depois que o governo de
Gustavo Petro se recusou a autorizar o pouso de dois aviões militares com
cidadãos colombianos deportados. Bogotá acabou aceitando todos os voos com
imigrantes deportados — e os Estados
Unidos anunciaram que não adotariam as sanções. Mas a postura de
Trump sobre o tema migratório e a proteção das fronteiras continua bastante
clara: "Como todo o mundo sabe, milhares de pessoas estão entrando em
massa através do México e do Canadá, levando o crime e as drogas a níveis nunca
vistos". E segundo o republicano, a imposição de tarifas contra as
economias mexicana, canadense e chinesa continuará até que os países cooperem
com os Estados Unidos na luta contra a "grande ameaça de imigrantes
ilegais e drogas mortais".
"A tarifa
vinculada à migração e ao fentanil é uma espécie de extorsão", disse à BBC
Mundo o economista mexicano Luis de la Calle, que participou das negociações
com os Estados Unidos e o Canadá sobre o acordo de livre comércio anterior, o
NAFTA. "O que eles querem é começar uma negociação com uma vantagem",
disse Joan Domene, economista-chefe para a América Latina da Oxford Economics,
também à BBC Mundo.
·
Mas
o que isso tem a ver com máquinas de lavar?
A retórica de Trump
é que as tarifas retiram dinheiro de empresas estrangeiras para "tornar os
americanos mais ricos". Porém, quando economistas analisam experiências
passadas, esse nem sempre foi cenário alcançado. As tarifas que Trump aplicou
em sua primeira administração, além de afetar empresas estrangeiras, também
prejudicaram as empresas locais e os próprios consumidores americanos, de
acordo com vários estudos acadêmicos. Longe de enriquecê-las, as famílias
tiveram que pagar preços mais altos. E a arrecadação de impostos resultante da
imposição de tarifas foi muito baixa em comparação com o que o governo arrecada
por meio de impostos individuais e corporativos.
Um exemplo que
serve para ilustrar isso é o caso do imposto sobre máquinas de lavar
estrangeiras que Trump aplicou em 2018 durante seu primeiro mandato. Um estudo
realizado por três renomados economistas, Aaron Flaaen, Ali Hortacsu e Felix
Tintelnot, concluiu que o preço das máquinas de lavar nos Estados Unidos subiu
12% como efeito direto dessa tarifa. A ideia da tarifa, que é um imposto sobre
produtos importados, era proteger os produtores locais contra a entrada massiva
de máquinas de lavar muito baratas do exterior, no que é conhecido como um caso
de concorrência desleal ou dumping. "Embora alguns empregos tenham sido
criados, os consumidores pagaram um custo muito alto", diz Felix
Tintelnot, professor da Duke University, nos EUA, e coautor da pesquisa, à BBC
Mundo. Os americanos como um todo pagaram cerca de US$ 820 mil a mais pela
compra de máquinas de lavar, por cada emprego criado. "Não foi um bom
negócio para eles."
Esse é exatamente o
que os economistas chamam de "efeito máquina de lavar": o aumento de
preços pago pelas famílias americanas. Em última análise, "os consumidores
arcam com o custo do conflito comercial", explica Inga Fechner, economista
sênior de comércio global da equipe de pesquisa do banco ING na Alemanha. Uma
das consequências dessa experiência é que não apenas o preço das máquinas de
lavar importadas subiu, mas os produtores locais também aumentaram os preços. É
verdade que nem todas as tarifas são iguais. E que as taxas atuais de Trump
contra o México e o Canadá não tem nada a ver com acusações de concorrência
desleal, dirigidas especialmente contra produtos chineses. No entanto, o caso
das máquinas de lavar não é um exemplo isolado.
Após a
oficialização da imposição das taxas pelos EUA - e a resposta de Canadá, México
e China à notícia -, a própria Câmara de Comércio dos EUA alertou que as
tarifas aumentarão os preços para os americanos. O vice-presidente do órgão,
John Murphy, diz que o presidente "está certo em focar em grandes
problemas como nossa fronteira quebrada e o flagelo do fentanil", mas
alerta que a imposição de tarifas "não resolverá esses problemas e só
aumentará os preços para as famílias americanas e prejudicará as cadeias de
suprimentos. A Câmara consultará nossos membros, incluindo as principais
empresas em todo o país impactadas por essa mudança, para determinar os
próximos passos para evitar danos econômicos aos americanos", acrescentou
Murphy.
Outros grupos e
associações americanas relacionadas ao comércio de bens, agricultura e demais
setores também manifestaram preocupações semelhantes. A Associação de Líderes
da Indústria de Varejo dos EUA, que inclui grandes nomes como Home Depot,
Target e Walgreens, alertou sobre o risco do aumento dos preços para os
consumidores americanos nas lojas. "Entendemos que o presidente está
trabalhando para chegar a um acordo. Os líderes de todas as quatro nações devem
se unir e trabalhar para chegar a um acordo antes de 4 de fevereiro, porque
promulgar tarifas de base ampla será prejudicial à economia dos EUA",
disse a associação em nota.
A cosultoria TD
Economics, do Canadá, sugeriu ainda que os impostos de importação poderiam
aumentar o preço médio dos carros nos EUA em cerca de US$ 3.000, enquanto a
Associação Nacional de Construtores de Moradias disse que os custos de moradia
poderiam aumentar. Nas redes sociais, porém, Trump afirmou que a dor das
tarifas "valerá o preço". "Haverá alguma dor? Sim, talvez, e
talvez não! Tudo valerá o preço que deve ser pago", escreveu em um post na
rede social Truth Social. Ele disse que vários países, incluindo Canadá, México
e China, "continuam o roubo de décadas da América, tanto em relação ao
comércio, crime e drogas venenosas que são permitidas a fluir tão livremente
para a América. Esses dias acabaram", escreveu.
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Não
é um caso isolado
Observando o que
aconteceu durante o primeiro governo de Donald Trump, há muitas análises de
dados que mostram como a imposição de tarifas também teve efeitos negativos na
economia e nos consumidores americanos. "Estudo após estudo mostrou que as
tarifas dos EUA desde 2017 foram totalmente repassadas aos compradores
americanos", argumentam Kimberly Clausing e Mary Lovely, economistas do
Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE), um centro de pesquisa
independente com sede em Washington DC.
Outros think tanks,
como a conservadora Tax Foundation, publicam pesquisas há anos sobre os danos
econômicos causados pelas tarifas nos EUA. "Elas tiveram um impacto
líquido negativo na economia dos EUA", diz uma análise recente de Erica
York, vice-presidente de Política Tributária Federal da organização. "As
tarifas aumentaram os preços e reduziram a produção e o emprego",
acrescenta ela.
Essas conclusões
são refutadas por aliados do presidente Trump, como Peter Navarro, atual
assessor comercial do governo. Seu argumento é que as tarifas não aumentaram
nenhum preço durante o primeiro governo do presidente. "Tivemos inflação
zero por causa das tarifas", disse ele em declarações à imprensa local,
sem dar mais detalhes.
·
Rompimento
do acordo comercial?
Embora a tarifa,
sem dúvida, cause danos ao país afetado, o primeiro a pagar esse imposto é o
importador americano na alfândega ao importar produtos estrangeiros.
Com a nova de
tarifa de 25%, o importador americano que importa, por exemplo, abacates,
tomates, autopeças, cerveja, aço ou qualquer outro produto mexicano terá que
pagar esse valor extra. Como fica mais caro importar o produto, parte do preço
extra (ou todo o custo extra) costuma ser repassado ao consumidor final, neste
caso o consumidor americano, gerando um aumento na inflação.
No caso dos
produtos mexicanos e canadenses, a situação é mais complexa porque os três
países norte-americanos mantêm acordos de livre comércio há três décadas. O
primeiro foi o NAFTA e o segundo, que ainda está em vigor, é o Tratado entre
México, Estados Unidos e Canadá, om USMCA, na sigla em inglês. A aplicação de
tarifas "romperia com a ideia de um acordo comercial", explica
Valeria Moy, diretora geral do Centro de Pesquisa em Políticas Públicas, IMCO.
"É como dizer 'não me interessa'"
Mas os três países
precisam uns dos outros porque construíram cadeias de produção que, ao longo
dos anos, estiveram intimamente ligadas, com empresas ou fábricas binacionais
que dependem de exportações e importações. O principal parceiro comercial dos
Estados Unidos é o México, país que envia mais de 80% de suas exportações para
o mercado americano. Muitas empresas americanas dependem da fabricação no México
e, se não puderem mais importar produtos a um preço competitivo, terão sérios
problemas.
·
O
que aconteceu no primeiro governo Trump?
"Isso já
aconteceu antes", disse Xóchitl Pimienta, diretor do Departamento de
Relações Internacionais e Ciência Política do Instituto de Tecnologia de
Monterrey, na Cidade do México, à BBC Mundo.
Durante seu
primeiro governo, em 2018, Trump impôs temporariamente tarifas de 25% sobre o
aço e 10% sobre o alumínio, uma medida que causou alarme entre empresas
mexicanas e americanas, mas que também acabou tornando os produtos comprados
por famílias americanas mais caros. Pimienta explica que muitos estudos foram
realizados sobre o efeito nos preços que o consumidor final acabou pagando nos
EUA. Um deles mostrou que alguns produtos, como carros, máquinas de lavar,
liquidificadores e muitos outros, aumentaram de preço entre 8% e 20% nos EUA,
após a imposição de tarifas sobre esses produtos de metal. Outro estudo
determinou que o aumento da tarifa custou às famílias americanas cerca de US$
1.200 por ano em suas compras.
Desta vez, as
tarifas contra o México tendem a afetar mais o setor automotivo, o setor
agrícola, produtos alimentícios (como abacate, tomate, morango, pimentão),
cerveja e tequila, o setor de eletrônicos (como telas de telefones celulares) e
manufatura, bem como o setor de petróleo. Mais uma vez, diz Pimienta, "o
consumidor final nos Estados Unidos será afetado." Nesse cenário, Trump
teria que lidar com as pressões inflacionárias que ele prometeu reduzir durante
sua campanha, uma promessa eleitoral que o ajudou a retornar à Casa Branca em
meio a um clima de insatisfação com o alto custo de vida.
¨ E se a guerra de tarifas de Trump sair pela
culatra? Por Armando Alvares Garcia Júnior
A recente crise comercial entre Colômbia e Estados
Unidos, desencadeada pela recusa do governo colombiano em receber voos com
deportados e a consequente imposição de tarifas de 25% por parte da
administração Trump, evidencia o uso de barreiras comerciais como instrumentos
de pressão política. Trata-se de um precedente perigoso. Este artigo analisa as
repercussões dessa estratégia em outros países latino-americanos, especialmente
México, Brasil e América Central, e explora possíveis respostas governamentais
diante de futuras coerções econômicas similares.
Em 26 de janeiro de 2025, o presidente Gustavo Petro
anunciou que a Colômbia não aceitaria voos com deportados colombianos devido
às condições desumanas em
que eram transportados. Como resposta, Donald Trump impôs imediatamente
tarifas de 25% sobre as importações colombianas e ameaçou aumentá-las para 50%
caso a decisão não fosse revertida. Após negociações, em 28 de janeiro, o
governo aceitou a chegada dos deportados sob a condição de que fossem
transportados em aviões colombianos, o que permitiu a suspensão das tarifas
antes de sua implementação.
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Tarifas como instrumento de coerção política
Historicamente, as tarifas alfandegárias têm sido
utilizadas como ferramentas de proteção econômica, regulando o
comércio e protegendo indústrias nacionais da concorrência estrangeira. Entretanto,
sua aplicação como instrumento de coerção política representa um
desvio significativo dessa função tradicional. Em vez de servirem como mecanismo de equilíbrio
comercial,
passam a ser empregados para pressionar decisões políticas e diplomáticas,
ampliando a instabilidade global.
A dependência econômica
do México em relação aos Estados Unidos é significativa, com mais de 75%
das exportações mexicanas destinadas ao mercado norte-americano. Em 2024, essas
exportações somaram mais de US$ 466 bilhões, consolidando o México como o
principal fornecedor de produtos para os EUA. Com a efetivação das tarifas de 25% sobre
as importações mexicanas, iniciadas em 1º de fevereiro de 2025, a presidente
Claudia Sheinbaum afirmou que seu governo possui planos de contingência e
enfatizou a importância de manter um diálogo equilibrado com Washington. O
secretário de Economia, Marcelo Ebrard, destacou que tais tarifas podem
prejudicar os consumidores americanos, elevando os preços de diversos produtos.
Sheinbaum também rejeitou as acusações da Casa Branca sobre supostos vínculos
de seu governo com o narcotráfico, reforçando a necessidade de cooperação entre
os países. De momento, o governo declarou que implementará medidas tarifárias e
não tarifárias sobre diversos produtos norte-americanos. Previsivelmente imporá
tarifas de até 25% sobre o milho, a carne suína, o queijo, as batatas e as
bebidas alcoólicas, além de restrições para algumas empresas dos EUA que operam
no país. Paralelamente, o governo mexicano começou a intensificar contatos
diplomáticos com outras potências (como China), para reduzir sua dependência
econômica dos EUA.
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Brasil diz que haverá reciprocidade
No caso do Brasil, maior exportador mundial de soja e
carne bovina (commodities), o impacto das
novas tarifas também está sendo avaliado. Em 2023, o país exportou 2,26 milhões
de toneladas de carne para mais de 150 mercados, com a China sendo o principal
destino.
Diante da possibilidade de tarifas impostas pelos EUA, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva afirmou que, caso isso ocorra, haverá reciprocidade por parte do
Brasil, indicando uma postura firme na defesa dos interesses comerciais
brasileiros e uma busca por diversificação de
mercados.
A situação no Canadá escalou após a entrada em vigor
das tarifas de 25% sobre produtos canadenses e de 10% sobre os produtos
energéticos do país no dia 1º de fevereiro. O primeiro-ministro Justin Trudeau
assegurou que seu país responderia de forma decidida e enérgica,
implementando contramedidas imediatas. O
governo canadense anunciou tarifas de retaliação de 25% sobre
produtos americanos no
valor de US$ 107 bilhões, com US$ 30 bilhões entrando em vigor imediatamente e
os 77 bilhões restantes sendo aplicados em três semanas. Os produtos americanos
afetados incluem cerveja, vinho, bourbon, frutas, sucos (como o suco de laranja
da Flórida), roupas, equipamentos esportivos, eletrodomésticos, uísque (do
Tennessee) e manteiga de amendoim (do Kentucky). Além disso, o Canadá estuda a
imposição de tarifas de 100% sobre veículos Tesla, como forma de pressionar um
dos aliados mais influentes de Trump, Elon Musk. Especialistas estimam que
essas tarifas podem reduzir o PIB canadense em até 2,4% no primeiro ano.
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China vai levar o caso à OMC
A China respondeu às tarifas adicionais de
10% impostas pelo governo Trump, justificadas como uma forma de conter o fluxo de
fentanil, a imigração ilegal e reduzir o déficit comercial, impondo
restrições sobre produtos agrícolas dos EUA, como milho, soja e carne bovina,
além de tarifas sobre semicondutores e componentes eletrônicos. Paralelamente,
está intensificando contatos diplomáticos para fortalecer sua cooperação
econômica com a América Latina. Em resposta à nova ofensiva tarifária de
Washington, Pequim anunciou que levará a questão à
Organização Mundial do Comércio (OMC) e ampliará, sendo o caso, as
contramedidas para proteger seus interesses.
O problema é que a OMC está em crise desde
2019,
quando o primeiro governo Trump bloqueou a nomeação de juízes para o órgão de
apelação, alegando “ativismo judicial”, o que inviabilizou o sistema
de solução de controvérsias da instituição. Diante desse impasse, a China tem
duas opções: recorrer ao Acordo Interino de Apelação (MPIA), mecanismo
alternativo reconhecido por mais de 20 países, mas não pelos EUA, ou buscar uma
decisão em primeira instância na OMC, que, sem possibilidade de apelação, se
tornaria automaticamente válida após 60 dias, embora possa ser ignorada por
Washington.
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Novas tarifas podem impulsionar a demanda por produtos latino-americanos no
mercado chinês
Sendo otimistas, a curto prazo, as novas tarifas podem
impulsionar a demanda por produtos latino-americanos no mercado chinês, uma vez
que as exportações dos Estados Unidos para a China se tornam menos competitivas.
No entanto, há riscos de que a guerra comercial entre Washington e Pequim gere
instabilidade econômica e prejudique o comércio global, afetando os países da
América Latina que dependem da demanda chinesa por commodities (como cobre,
soja e petróleo) e tecnologia. No que concerne à América Central, a região
depende significativamente das remessas enviadas por
imigrantes nos Estados Unidos, que em 2023 atingiram níveis recordes,
representando aproximadamente 25% do PIB de alguns países. O comércio bilateral
com os EUA também é vital para essas economias, especialmente no contexto
do Tratado de Livre
Comércio entre República Dominicana, América Central e Estados Unidos
(CAFTA-DR),
em vigor desde 2004. Por outro lado, Trump declarou que pretende expulsar a Nicarágua do
tratado com América Central porque não lhe interessa como sócio. Com a
implementação das novas tarifas, os governos locais estão avaliando estratégias
para diversificar seus parceiros comerciais e reduzir sua vulnerabilidade
econômica, reconhecendo a necessidade de maior coordenação regional para
enfrentar as políticas protecionistas dos EUA.
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Estratégia de Trump deve potencializar presença chinesa na AL
A curto prazo, a estratégia de Trump pode até
fortalecer sua posição de poder. Contudo, a médio e longo prazo, essa política
terá um efeito contrário, potencializando a presença chinesa na América Latina.
A China tem ampliado significativamente seus investimentos na região,
especialmente em setores como infraestrutura, energia e tecnologia. Um exemplo
é o megaprojeto portuário
de Chancay, no Peru,
desenvolvido em parceria entre a estatal chinesa COSCO Shipping Ports e a
empresa peruana Volcan Compañía Minera, com um investimento estimado em US$ 3,6
bilhões. Este porto visa facilitar o comércio entre a América do Sul e a Ásia,
consolidando o Peru como um centro portuário no Pacífico sul. Na área
energética, a China tem impulsionado projetos de energia
renovável,
com investimentos importantes em energia solar e eólica, contribuindo para
a transição energética da
região.
No âmbito tecnológico, empresas chinesas estão ativamente envolvidas na
implementação da tecnologia 5G. A Huawei, por exemplo, tem colaborado com
diversos países latino-americanos para desenvolver a infraestrutura necessária
para esta rede, fortalecendo a
conectividade e impulsionando a inovação tecnológica. Vários países
latino-americanos, incluindo México, Brasil e, de forma pragmática, Argentina, estão
fortalecendo suas relações comerciais com a China e a Índia, buscando
diversificar seus parceiros econômicos e reduzir a dependência dos Estados
Unidos. Apesar da rivalidade entre China
e Índia,
ambas compartilham o interesse em ampliar os laços comerciais com a América
Latina, desafiando a hegemonia dos EUA.
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Índia mantém posição ambígua
No entanto, a posição da Índia nesse novo tabuleiro
geopolítico é mais ambígua. Embora tenha se aproximado dos Estados Unidos por
meio de acordos estratégicos e da participação no grupo Quad (juntamente
com Austrália e Japão), o país continua buscando preservar sua autonomia
diplomática. Ao mesmo tempo, mantêm relações sólidas com outras potências, como
a Rússia, e fortalece suas parcerias com países em desenvolvimento, o que a
coloca em uma posição independente no cenário internacional. Sua colaboração
comercial com a América Latina, especialmente em setores tecnológicos (ciência, tecnologia e
inovação, com ênfase em biotecnologia, nanotecnologia e tecnologia da
informação, no Brasil)
e energéticos (como o lítio na Argentina), reforça sua
estratégia de diversificação econômica sem se alinhar totalmente a nenhum dos
grandes blocos geopolíticos.
O fortalecimento do Brics+ é outro fator que indica a
reconfiguração das relações internacionais. Liderado por Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul, o bloco se consolida como uma plataforma reivindicativa
dos países em desenvolvimento, promovendo uma alternativa ao domínio econômico
do Ocidente. A inclusão de novos membros no ano passado (Egito, Emirados Árabes
Unidos, Etiópia e Irã) e em janeiro deste ano (Indonésia), além das recentes
negociações para a suposta criação de uma moeda
comum para
transações comerciais entre seus membros (desmentido por Rússia, que afirmou
tratar-se de uma mera plataforma de investimentos conjuntos entre os países
membros, ante a ameaça de Trump por impor barreiras tarifárias de
100% ao grupo)
demonstram que um novo cenário global está emergindo, impulsionado,
ironicamente, pelo protecionismo e isolacionismo autoimposto da administração
Trump. A longo prazo, as medidas tarifárias de Trump estão desmantelando o
T-MEC (antes conhecido como Tratado de Livre Comércio da América do Norte:
Estados Unidos, México e Canadá), provocando um realinhamento geopolítico e
geoeconômico que afetará profundamente a América Latina. Neste sentido, o
próprio fortalecimento do Brics+ tem ganhado espaço, contando com novos
membros. Em 2024, ingressaram Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em
2025, a Indonésia se aderiu ao bloco. Essa reconfiguração pode acelerar a
diversificação dos mercados latino-americanos e reduzir sua dependência
econômica de Washington, impulsionando novas alianças comerciais globais.
A crise entre Colômbia e EUA estabeleceu um precedente
na utilização de tarifas como instrumento de pressão política. No entanto, a
consequência inesperada pode ser o fortalecimento de um novo eixo geopolítico
liderado pela China e sustentado pelo Brics+. A América Latina, longe de ser apenas
vítima dessas políticas, encontra oportunidades para redefinir seu
posicionamento no comércio global, diversificando parceiros e diminuindo sua
dependência de Washington. O futuro do continente dependerá de sua capacidade
de articular alianças estratégicas e fortalecer sua presença nos novos blocos
econômicos emergentes.
Fonte: BBC News
Mundo/The Conversation
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