Milei perde a
primeira batalha de 2025: um grande passo na luta contra sua agenda reacionária
Em pleno verão e em
meio a uma onda de calor, uma multidão nas ruas chacoalhou o governo, com
múltiplas facetas. Depois de meses tentando se mostrar bem-sucedido e
avassalador, o discurso mais reacionário de Milei ficou na defensiva. Também
não conseguiu aplicar o "Protocolo Antipiquetes". O governo vinha
ocupando o centro da cena política, mas neste sábado ficou visível a existência
de uma oposição muito ampla que, por sua vez, está atravessada por debates
estratégicos. Junto à diversidade sexual e às mulheres à frente, participaram
trabalhadores em luta e dezenas de milhares de pessoas que queriam se
manifestar contra Milei por múltiplas causas. Restam grandes desafios, mas a
mobilização massiva mostrou que é possível enfrentar o governo e seguir até
derrotar seu plano.
Desde cedo, era
evidente que a marcha seria muito importante. Os lenços verdes, os laranjas e
as cores da diversidade já haviam tomado os ônibus, os metrôs e os trens. Pouco
depois, chegariam às ruas: uma multidão ocupou as ruas do centro de Buenos
Aires e das principais cidades do país, ao mesmo tempo em que houve
concentrações solidárias em diferentes países do mundo. Também participaram
setores de trabalhadores que estão lutando contra fechamentos e demissões, além
de um amplo espectro político e social.
Milei havia
exagerado. Encorajado por seu melhor momento geopolítico, com a ascensão de
seus amigos Donald Trump e Elon Musk, que viralizaram em todo o mundo com suas
saudações nazistas e seus discursos reacionários, o presidente argentino
lançou, a partir do Fórum de Davos, um de seus ataques mais reacionários,
destilando ódio contra a diversidade sexual e contra as mulheres. No dia
anterior, ele também havia tuitado contra os "esquerdistas filhos da
puta".
No cenário local, o
terreno também havia sido criado para ele. Depois que os facilitadores de
governabilidade do macrismo, do radicalismo e de setores do peronismo
facilitaram a aprovação da Lei de Bases e dos vetos contra os aposentados e as
universidades públicas, o capital financeiro estava exultante com o
"sucesso" do ajuste que permitia sua festa e a de poucos,
enquanto a maioria empobrecia, sem perder o controle da situação. As
burocracias sindicais e universitárias colaboravam com o quadro geral,
retirando-se das ruas com uma cumplicidade absoluta e tentando criar um
clima de que "não se pode enfrentar o governo". A CGT está de férias há
muitos meses.
Nesse quadro
"exitista", o governo lançou seus ataques obscurantistas. No entanto,
a conjuntura reacionária que se vivia e que os jornalistas e tuiteiros de
peruca amplificavam ao infinito escondia diversos pontos de fragilidade. Um
deles era o esquema econômico, que está apoiado em múltiplos elementos de
precariedade que abrem interrogações sobre seu futuro, um "futuro"
que o governo tenta "adiar" até as eleições legislativas, sem
desvalorizar a moeda para que a inflação não se agrave: o acordo com o FMI ainda
pendente de assinatura, reservas do BCRA que continuam em terreno negativo, uma
balança de conta corrente que acumula sete meses consecutivos no vermelho, um
"dólar barato" difícil de sustentar no contexto nacional e
internacional, atritos não apenas com as grandes massas, mas também com os
patrões do campo (aos quais reduziram as retenções no marco de uma disputa) e
com setores mercadointernistas que também sofrem com a abertura comercial.
Junto a
isso, a multidão que se mobilizou neste sábado mostrou a existência de uma
grande polarização política e social. O governo vinha quase monopolizando o
centro da cena política, diante de uma oposição dos partidos do regime que
estava em crise e desorientada, mas esse fato escondia a existência de uma
grande oposição social que aparecia dispersa e atomizada. Mas neste
sábado, mais uma vez, demonstrou-se que, quando existem canais de expressão e
convocações claras, as pessoas vão às ruas com força, como foi na luta
pelo financiamento universitário, nas greves nacionais, no 8 de março ou no 24
do ano passado, entre outras ocasiões. Os partidos do regime e as burocracias,
como a CGT, eram responsáveis por isso não se expressar, o que também faz parte
da explicação do grande descontentamento que existe com o papel do peronismo na
oposição. Neste caso, a assembleia do Parque Lezama teve o mérito de
organizar uma primeira resposta aos ataques furiosos de Milei, que agiu, com a
diversidade sexual e as mulheres à frente, como um ponto aglutinador para
que também se somassem setores de trabalhadores em luta e, de forma mais geral,
dezenas de milhares de pessoas que querem lutar contra o governo. Isso também
pôde ser visto nos próprios móveis dos diversos canais de televisão, que
tiveram que refletir depoimentos de muitas pessoas que, ao explicar seus
motivos para se mobilizar, manifestavam sua repulsa aos ataques de Milei às
mulheres e às pessoas LGBTQ, assim como também ao ajuste, ao ataque à saúde e à
educação públicas, ao fato de governar para os mais ricos, e até se ouviu mais
de uma vez a exigência de "greve, greve, greve, greve geral". A
esquerda, especialmente atacada por Javier Milei, também foi impulsionadora das
convocações e apresentou denúncias contra Milei por incitação à violência e por
querer impor a discriminação como política de Estado.
Ao mesmo tempo,
esses dias também demonstraram que mesmo uma parte da base eleitoral que votou
em Milei no segundo turno não compartilha esses valores reacionários que querem
impor a discriminação como política de Estado. Em muitos casos, apoiam de
forma reacionária a agenda econômica de ajuste, mas não os ataques à
diversidade sexual, às mulheres ou à esquerda. Isso se expressou até mesmo em
declarações e participações de alguns setores do PRO ou da UCR que quiseram
aproveitar o tropeço de Milei para tentar recuperar parte do terreno perdido
diante de um La Libertad Avanza que vinha tentando hegemonizar todo o espaço de
direita. Todos os debates políticos estão atravessados pelo ano eleitoral e
pelos possíveis fechamentos (ou não) de coalizões políticas.
Em outras faixas
que apoiaram a marcha, há setores como Juan Grabois que querem aproveitar as
circunstâncias para propor uma frente eleitoral de "todos contra
Milei". Sob o argumento de "enfrentar o fascismo", propõem
incorporar até mesmo setores que vêm dando apoios chave ao governo de
ultradireita e antes ao macrismo, como Martín Lousteau (chave para aprovar a
Lei de Bases) ou Elisa Carrió (histórica referência da direita gorila). É uma
política de tentar reeditar - mas em uma versão ainda mais à direita - a
política fracassada de fazer frentes amplas "para enfrentar a
direita", que depois terminam ajustando e descumprindo todas as suas
promessas, como aconteceu com o Frente de Todos, que acabou abrindo caminho
para a ultradireita de Milei e frustrando sua própria base política. Um tempo
atrás, outra experiência havia sido a Aliança de Fernando de la
Rúa-"Chacho Álvarez".
Por parte do
governo, quando perceberam seu erro não forçado, que estava provocando a
organização de uma marcha massiva, quiseram tarde e mal atacar a mobilização,
tentando desprestigiá-la, associando-a apenas ao peronismo e opondo os
interesses das supostas "minorias" aos da suposta "gente
comum" que sofre com a economia e a chamada insegurança. Também tentaram instalar
que o presidente havia sido tirado de contexto ou que retirariam o projeto de
eliminar o feminicídio como figura penal, mostrando uma atitude errática, que
evidenciou um passo em falso do oficialismo. O fracasso total dessa tentativa
de enfrentar a marcha ficou evidente na derrota de Patricia Bullrich, que não
conseguiu aplicar seu "Protocolo Antipiquetes" contra a mobilização.
Muito pelo
contrário, o que importa é, mais do que nunca e como propõe a
esquerda, aproveitar esse revés do clima reacionário que o governo vinha
impondo para seguir com força nas ruas, unificar as lutas democráticas contra
os ataques às mulheres, à diversidade sexual e à esquerda, às lutas contra o
ajuste. Por isso, foi muito auspiciosa a participação de setores em luta, como
o Hospital Bonaparte, Shell, Pinkington, estatais e locais de memória. É
preciso apoiar e coordenar todas essas lutas até que triunfem e preparar desde
já mobilizações massivas para o 8 e o 24 de março.
A principal
conclusão do dia é que é possível enfrentar e derrotar o plano de Milei. Nem
bandeiras progressistas com ajuste (como foi um setor do Frente de Todos), nem
discursos ultrareacionários "em nome da gente comum" (a quem ajustam
selvagemente), como o governo de Javier Milei. Unidos e adiante, juntxs por
todas as nossas causas de luta.
¨
Gustavo Petro é a voz de todos nós. Por Ana Prestes
Terminamos o mês de janeiro de 2025 com o povo latinoamericano e
caribenho frontalmente atacados pelo novo governo Trump, empossado há pouco
mais de dez dias. Uma das promessas de campanha que funcionou como pilar da
estratégia da volta dos republicanos à Casa Branca, a massiva deportação de
imigrantes, está sendo realizada e marca fortemente este início de mandato.
Resta saber se ficará no alarde e na produção do terror e do medo dos últimos
dias e depois será acomodada na burocracia, ou se será levada a cabo nos termos
que se anunciam. Infelizmente, o que se percebe é uma América Latina e Caribe
desintegrados e sem grande capacidade de resposta conjunta neste primeiro
momento, embora iniciativas como a de Gustavo Petro, presidente da Colômbia,
deem esperança de resistência e combate na região.
Para o cumprimento da medida, foram iniciadas as buscas e prisões
de imigrantes indocumentados a serem enviados de volta aos seus países de
origem Os primeiros voos partiram com destino ao Brasil, à Colômbia, à
Guatemala e ao México. No dia 27 de janeiro, uma semana após a posse de Trump,
a presidenta do México, Claudia Sheinbaum, informou a chegada de 4094 pessoas,
em sua maioria mexicanas, e o número não surpreendeu muito, pois este é o país
que mais recebe deportados dos EUA anualmente. De janeiro a novembro de 2024,
por exemplo, o México recebeu mais de 190 mil deportados. A diferença em
relação ao período anterior é que o governo Trump tentou enviar parte dos
imigrantes em voos militares, o que não foi aceito pelo governo do México. Tais
voos militares puderam pousar na Guatemala por volta do dia 24 de janeiro e é
deste ponto que parto para trazer a reação do Brasil e da Colômbia ao envio
desses voos.
O presidente da
Colômbia, Gustavo Petro, durante evento em Zipaquirá,em dezembro de 2024.
O primeiro voo de deportados brasileiros da gestão Trump chegou em
território brasileiro no dia 24 de janeiro e pousou em Manaus, mesmo que seu
destino original fosse Confins, em Minas. Pode-se considerar que as cenas das
condições em que brasileiras e brasileiros desembarcaram foram fundamentais
para a denúncia inicial da crueldade, da desumanidade e a total violação dos
direitos humanos e das leis brasileiras praticadas pelo governo dos EUA. Os
relatos são de que o avião possuía sérias avarias e as pessoas vieram em
condições absolutamente indignas de calor absoluto, privação de alimentos,
água, sanitários e algemadas nos pés e nas mãos, quando não amarradas pela
barriga. Rapidamente, tanto a Polícia Federal, o Itamaraty e o presidente Lula
pessoalmente agiram e determinaram a libertação dessas pessoas e enviaram um
voo da FAB para a realização do trajeto final da viagem até Belo Horizonte. Muitas
pessoas, cerca de 50, precisaram de atendimento médico diante das condições que
enfrentaram. O governo Lula exigiu explicações da Embaixada dos EUA em
Brasília.
Diante desse quadro, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se
posicionou de forma mais dura e assertiva no sentido de prevenir tanto a
chegada de cidadãs e cidadãos colombianos em voos militares dos EUA, como
aconteceu no México, Guatemala e Brasil, e impedir que estas pessoas fossem
tratadas da forma degradante como as brasileiras e que nenhum voo tocasse o
solo colombiano com pessoas algemadas e em condições desumanas de tratamento. A
comunicação do Presidente Petro veio na forma de uma carta ao presidente Trump
que pode ser considerado um documento histórico que marcará o início dessa nova
fase de enfrentamento da América Latina e o Caribe com os EUA. Destaco abaixo
um trecho do texto que representou a voz do povo latinoamericano e caribenho
sistematicamente atacado pelos governos estadunidenses e que passa a um novo
patamar de ataques:
“Você nunca nos dominará.
No seu oposto temos Bolívar, o guerreiro que cavalgava nossas terras gritando
por liberdade. Na Colômbia está o primeiro território livre das Américas, antes
mesmo de Washington, é lá que me abrigo, nos cantos africanos. Derrube-me,
presidente, e as Américas e a humanidade responderão.”
A resposta de Trump não foi em termos históricos e literários,
terreno que ele não domina e pelo qual não se interessa, mas sim econômicos.
Muitos desdenharam de Petro dizendo que ele inocentemente atacou com história e
literatura e recebeu uma dura resposta pragmática, com imposição de tarifas
alfandegárias sobre os produtos colombianos e suspensão de vistos para membros
do governo e familiares de Petro, mas o fato é que, ao final do embate e das
negociações diplomáticas que seguiram, os voos que chegaram à Colômbia não eram
em aviões militares dos EUA, mas sim colombianos, e ninguém chegou algemado e
privado dos seus direitos básicos como ser humano. Além disso, o governo
colombiano anunciou para estas pessoas “um plano de crédito produtivo,
associativo e barato”, conforme as palavras de Petro, que ainda reforçou: “o
migrante não é um criminoso, é uma pessoa humana livre”.
A iniciativa de Petro ficou isolada na região, pois mesmo o
Brasil, que foi o primeiro a denunciar os horrores dos voos dos deportados,
recuou para uma postura mais moderada com relação aos EUA. A iniciativa da
presidente da Celac, Xiomara Castro, presidenta de Honduras, de realizar uma
reunião da organização no dia 30 de janeiro para tratar o tema também não
prosperou. Isso demonstra uma desarticulação e uma desintegração das forças
políticas progressistas que hoje governam países na América Latina e Caribe,
mas também uma conjuntura de conforto da extrema direita neoliberal e
reacionária que avança na nossa região e no mundo, mas isso é tema para o
próximo artigo.
Fonte: Esquerda
Diário/Opera Mundi
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