sábado, 8 de fevereiro de 2025

É possível mudar sua personalidade? Saiba como isso pode acontecer, segundo a ciência

Você já fez um teste de personalidade? Se você é como eu, já consultou o BuzzFeed e sabe exatamente que música da Taylor Swift "combina perfeitamente com sua vibe".

Pode ser óbvio que os quizzes da internet não sejam científicos, mas muitos dos testes de personalidade aparentemente sérios usados para orientar escolhas educacionais e profissionais também não são respaldados por pesquisas.

Apesar de ser uma indústria de bilhões de dólares, os testes de personalidade comerciais usados por escolas e empresas para direcionar as pessoas para suas funções ideais não predizem o sucesso na carreira.

Além da falta de respaldo científico, as abordagens mais populares para compreender a personalidade são problemáticas porque pressupõem que seus traços são estáticos — ou seja, você está preso à personalidade com a qual nasceu.

Mas os estudos modernos da ciência da personalidade mostram que os traços podem mudar e mudam com o tempo.

Além de observar minha própria personalidade mudar ao longo do tempo — de bagunceira e preguiçosa para uma pessoa cuidadosa e diligente —, também sou pesquisadora de mudanças de personalidade e psicóloga clínica.

Minha pesquisa confirma o que vi em meu próprio desenvolvimento e no dos meus pacientes: as pessoas podem moldar intencionalmente as características de que precisam para ter sucesso na vida que desejam.

Isso vai contra a crença popular de que seu tipo de personalidade o coloca em uma caixa, determinando que você escolha parceiros, atividades e carreiras de acordo com suas características.

·        O que é personalidade — e o que não é

De acordo com os psicólogos, a personalidade é sua maneira característica de pensar, sentir e se comportar.

Você é uma pessoa que tende a pensar sobre as situações da sua vida de forma mais pessimista ou é uma pessoa do tipo "copo meio cheio"?

Você tende a ficar com raiva quando alguém te fecha no trânsito ou é mais provável que você dê à pessoa o benefício da dúvida — talvez esteja correndo para o hospital?

Você espera até o último minuto para concluir as tarefas ou planeja com antecedência?

Você pode pensar na personalidade como uma coleção de rótulos que resumem suas respostas a perguntas como estas. Dependendo das suas respostas, você pode ser rotulado como otimista, empático ou confiável.

As pesquisas sugerem que todos estes rótulos descritivos podem ser resumidos em cinco traços de personalidade abrangentes – o que os psicólogos criativamente chamam de "Cinco Grandes" (Big Five, em inglês).

Na década de 1930, os psicólogos literalmente vasculharam um dicionário para extrair todas as palavras que descrevem a natureza humana, e as classificaram em categorias com temas semelhantes.

Por exemplo, eles agruparam palavras como "gentil", "atencioso" e "amigável". E descobriram que milhares de palavras poderiam ser representadas classificando-as entre cinco traços: neuroticismo, extroversão, conscienciosidade, amabilidade e capacidade receptiva.

O que a personalidade não é: as pessoas muitas vezes são protecionistas em relação à sua personalidade — acham que é a essência de quem você é. Mas, de acordo com definições científicas, a personalidade não são seus gostos, desgostos ou preferências. Não é o seu senso de humor. Não são seus valores ou o que você acha que é importante na vida.

Em outras palavras, mudar seus "cinco grandes" traços não muda a essência de quem você é. Significa simplesmente aprender a reagir a situações da vida cotidiana com pensamentos, sentimentos e comportamentos diferentes.

·        Você pode mudar sua personalidade?

A personalidade pode mudar? Lembre-se de que personalidade é a maneira característica de pensar, sentir e se comportar de uma pessoa. E embora possa parecer difícil mudar de personalidade, as pessoas mudam a forma como pensam, sentem e se comportam o tempo todo.

Suponha que você não seja super responsável. Se você começar a pensar que "ser pontual mostra aos outros que eu os respeito", começar a sentir orgulho quando chegar para um almoço antes dos seus amigos e adotar novos comportamentos que aumentem sua pontualidade — como botar um despertador para acordar, ativar notificações para compromissos e assim por diante —, você vai estar incorporando as características de uma pessoa resposável. Se você mantiver essas mudanças em seu pensamento, emoções e comportamentos ao longo do tempo — voilà! — você é confiável. Sua personalidade mudou.

Os dados confirmam esta ideia. Em geral, a personalidade muda ao longo da vida de uma pessoa. À medida que as pessoas envelhecem, elas tendem a vivenciar menos emoções negativas e mais emoções positivas, são mais conscientes, colocam maior ênfase em relacionamentos positivos e julgam menos os outros.

No entanto, há uma variabilidade aqui. Algumas pessoas mudam muito, enquanto outras se mantêm bastante estáveis.

Além disso, estudos, incluindo o meu, que testam se as intervenções na personalidade alteram os traços ao longo do tempo, mostram que as pessoas podem acelerar o processo de mudança de personalidade fazendo ajustes intencionais no seu pensamento e comportamento. Estes ajustes podem levar a mudanças significativas em menos de 20 semanas - em vez de 20 anos.

Cultive os traços de personalidade que melhor atendem a você

A boa notícia é que essas técnicas cognitivo-comportamentais são relativamente simples, e você não precisa procurar um terapeuta se não quiser.

O primeiro componente envolve mudar seus padrões de pensamento — esta é a parte cognitiva. Você precisa estar ciente de seus pensamentos para determinar se eles estão te mantendo preso, agindo de acordo com uma característica específica. Por exemplo, se você pensar que "as pessoas só querem saber de si mesmas", é provável que aja de forma defensiva com os outros.

O componente comportamental envolve tomar consciência de suas tendências atuais de ação e testar novas respostas. Se você ficar na defensiva perto de outras pessoas, elas provavelmente vão responder negativamente a você. Quando elas se afastam ou são rudes com você, por exemplo, isso confirma sua crença de que não pode confiar nos outros. Por outro lado, se você tentar se comportar de forma mais aberta — talvez compartilhando com um colega de trabalho que está com dificuldades em uma tarefa —, você terá a oportunidade de ver se isso muda a forma como os outros agem em relação a você.

Estas estratégias cognitivo-comportamentais são muito eficazes para estimular a personalidade, porque a personalidade é simplesmente sua maneira característica de pensar e se comportar. Mudanças consistentes em sua perspectiva e ações podem levar a hábitos duradouros que, em última análise, resultam na criação da personalidade que você deseja.

¨      Como sua personalidade muda conforme você envelhece

"Senhor presidente, quero levantar uma questão que está rondando há duas ou três semanas e apresentá-la especificamente no contexto da segurança nacional...", dizia o jornalista Henry Trewhitt, enquanto olhava seriamente para o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan.

Era outubro de 1984 e Reagan tentava a reeleição.

Algumas semanas antes, ele havia tido um mal desempenho no debate contra seu principal adversário. E havia rumores de que, aos 73 anos, ele estava simplesmente velho demais para o cargo.

Na época, Reagan era o presidente mais velho da história dos Estados Unidos, recorde que foi quebrado por Donald Trump (74) e agora pelo atual presidente, Joe Biden (78).

Seu antecessor no cargo havia passado dias sem dormir, na época da crise dos mísseis cubanos. E Trewhitt queria saber se Regan tinha alguma dúvida de que poderia governar sob circunstâncias semelhantes.

"Não, nenhuma, Trehwitt", respondeu Reagan, segurando um sorriso.

"E quero que saiba que também não vou fazer da idade um tema desta campanha. Não vou explorar, para fins políticos, a juventude e a inexperiência do meu oponente."

A resposta foi recebida com gargalhadas e aplausos, que precederam uma vitória esmagadora do candidato republicano.

A ironia de Reagan, no entanto, continha mais verdade do que ele podia imaginar.

Ele não só tinha a experiência ao seu lado, como também uma "personalidade madura".

Todos nós estamos familiarizados com a transformação física que o envelhecimento impõe: a pele perde elasticidade, a gengiva se retrai, o nariz cresce, os pelos brotam em lugares peculiares — ao mesmo tempo que desaparecem completamente de outros — e aqueles preciosos centímetros de altura a que nos agarramos começam a desaparecer.

Agora, após décadas de pesquisas sobre os efeitos do envelhecimento, os cientistas estão descobrindo mudanças mais misteriosas.

"A conclusão é exatamente esta: que não somos a mesma pessoa durante toda nossa vida", diz René Mõttus, psicólogo da Universidade de Edimburgo, na Escócia.

A maioria de nós gostaria de pensar na nossa personalidade como relativamente estável ao longo da vida. Mas várias pesquisas sugerem que não é o caso.

Nossas características estão mudando constantemente e, quando entramos na casa dos 70 e 80 anos, passamos por uma transformação significativa.

A modificação gradual da nossa personalidade tem algumas vantagens surpreendentes. Nos tornamos mais conscientes, agradáveis ​​e menos neuróticos. Os níveis dos traços de personalidade da chamada "tríade obscura" — maquiavelismo, narcisismo e psicopatia — também tendem a diminuir e, com eles, o risco de comportamentos antissociais, como crimes e uso abusivo de substâncias.

As pesquisas mostram que nos tornamos pessoas mais altruístas e confiantes. Nossa força de vontade aumenta e desenvolvemos um senso de humor melhor. Por fim, os idosos têm mais controle sobre suas emoções.

Sem dúvida é uma combinação imbatível — e que indica que o estereótipo de que as pessoas mais velhas são rabugentas e ranzinzas precisa ser revisto.

Longe de serem consolidadas na infância, ou por volta dos 30 anos — como a comunidade científica pensou durante anos —, parece que nossas personalidades são fluidas e maleáveis.

"As pessoas se tornam mais agradáveis e mais adaptadas socialmente", diz Mõttus.

"São cada vez mais capazes de equilibrar suas próprias expectativas de vida com as demandas da sociedade."

Os psicólogos chamam o processo de mudança que ocorre à medida que envelhecemos de "maturação da personalidade".

É uma mudança gradual e imperceptível que começa na nossa adolescência e continua até pelo menos a nossa oitava década no planeta.

Curiosamente, parece ser universal: a tendência é observada em todas as culturas humanas, da Guatemala à Índia.

"Geralmente é controverso fazer julgamentos de valor sobre essas mudanças de personalidade", diz Rodica Damian, psicóloga social da Universidade de Houston, nos Estados Unidos.

"Mas, ao mesmo tempo, temos evidências de que são benéficas."

Por exemplo, a falta de estabilidade emocional tem sido associada a problemas de saúde mental, maiores taxas de mortalidade e divórcio.

Damian explica que o parceiro de alguém com alto grau de conscienciosidade tende a ser mais feliz, porque é mais provável que essas pessoas lavem a louça na hora e sejam menos suscetíveis a trair.

Acontece que, embora nossa personalidade mude em certa direção à medida que envelhecemos, quem somos em relação a outras pessoas na mesma faixa etária tende a permanecer bastante estável.

Por exemplo, é provável que o nível de neurose de uma pessoa diminua como um todo, mas os mais neuróticos aos 11 anos de idade geralmente ainda são os mais neuróticos aos 81 anos.

"Há uma base de quem somos no sentido de que mantemos nossa posição em relação a outras pessoas em certo grau", diz Damian.

"Mas, em relação a nós mesmos, nossa personalidade não é imutável, podemos mudar."

Como essas mudanças de personalidade se desenvolvem? "Este é o grande debate na área", diz Mõttus.

Como o amadurecimento da personalidade é universal, alguns cientistas acreditam que, longe de ser um efeito colateral casual por termos tido mais tempo para aprender as normas sociais, as maneiras pelas quais nossa personalidade muda podem estar geneticamente programadas — talvez até moldadas por forças evolutivas.

Por outro lado, há especialistas que acreditam que nossa personalidade é em parte criada por fatores genéticos e posteriormente esculpida por pressões sociais ao longo de nossas vidas.

Por exemplo, uma pesquisa conduzida por Wiebke Bleidorn, psicóloga da personalidade da Universidade da Califórnia, nos EUA, concluiu que, em culturas onde se esperava que as pessoas amadurecessem mais rápido (em termos de casamento, começar a trabalhar, assumir responsabilidades adultas), suas personalidades tendem a amadurecer mais cedo.

"As pessoas simplesmente se veem obrigadas a mudar seu comportamento e, com o tempo, se tornam mais responsáveis. Nossa personalidade muda para nos ajudar a enfrentar os desafios da vida", explica Damian.

<><> Mas o que acontece quando ficamos muito velhos?

Há duas maneiras possíveis de estudar como mudamos ao longo de nossas vidas.

A primeira é pegar um grupo grande de pessoas de idades diferentes e observar como suas personalidades são distintas.

Um problema com essa estratégia é que é fácil confundir acidentalmente os traços geracionais que foram esculpidos pela cultura de um determinado período de tempo — como pudor ou uma adoração inexplicável por leite condensado e coca-cola — com as mudanças que ocorrem à medida que envelhecemos.

A alternativa é pegar o mesmo grupo de pessoas e acompanhá-las à medida que crescem.

Foi exatamente o que aconteceu com o Lothian Birth Cohort (estudo de coorte de Lothian), um grupo de pessoas na Escócia que teve sua personalidade e traços de inteligência analisados em junho de 1932 ou junho de 1947, quando ainda estavam na escola. Na época, tinham cerca de 11 anos.

Junto a seus colegas da Universidade de Edimburgo, Mõttus rastreou centenas dessas pessoas quando elas estavam na faixa dos 70 ou 80 anos — e fez mais dois testes idênticos, com vários anos de diferença entre si.

"Como tínhamos dois coortes diferentes de pessoas, e ambos foram medidos em duas ocasiões, pudemos usar as duas estratégias de uma vez", diz Mõttus.

Foi uma sorte, porque os resultados foram visivelmente diferentes para as duas gerações.

Enquanto as personalidades do grupo mais jovem permaneceram mais ou menos as mesmas no geral, os traços de personalidade do grupo mais velho começaram a mudar, de modo que, em média, eles se tornaram menos abertos e extrovertidos, assim como menos agradáveis e conscientes.

As mudanças benéficas que vinham ocorrendo ao longo de suas vidas começaram a se reverter.

"Acho que faz sentido, porque na velhice as coisas começam a acontecer com as pessoas num ritmo mais rápido", explica Mõttus, destacando que a saúde do grupo mais velho pode ter piorado e é provável que elas tenham começado a perder amigos e familiares.

"Isso tem um certo impacto em sua participação ativa no mundo."

Ninguém investigou ainda se essa tendência continuaria após os 100 anos.

Pesquisas sobre japoneses centenários mostram que eles tendem a obter uma pontuação alta em conscienciosidade, extroversão e abertura, mas podem ter apresentado mais essas características desde o início, e talvez isso até tenha contribuído para sua longevidade.

Na verdade, nossa personalidade está intrinsecamente ligada ao nosso bem-estar à medida que envelhecemos.

Por exemplo, aqueles com maior autocontrole são mais propensos a ser saudáveis ​​na idade adulta; mulheres com níveis mais elevados de neurose são mais suscetíveis a apresentar sintomas durante a menopausa; e um certo grau de narcisismo foi associado a taxas mais baixas de solidão, o que por si só é um fator de risco para morte precoce.

No futuro, compreender como certos traços da personalidade estão ligados à nossa saúde — e como podemos esperar que nossa personalidade evolua ao longo da nossa vida — pode ajudar a prever quem tem mais risco de sofrer de certos problemas de saúde e assim intervir.

"Eu estava dando uma palestra ontem em uma prisão", conta Mõttus. "E uma questão na qual eles estavam realmente interessados era: as pessoas mudam? A conclusão geral é que sim, elas mudam."

Isso significa que, na opinião dele, não há nenhuma evidência forte para sugerir que as pessoas podem usar sua personalidade como desculpa para seu comportamento.

O conhecimento de que nossas personalidades mudam ao longo de nossas vidas, quer a gente queira ou não, é uma prova útil de como elas são maleáveis.

"É importante que saibamos disso", afirma Damian.

"Por muito tempo, as pessoas pensaram que não."

"Agora estamos vendo que nossa personalidade pode se adaptar e isso nos ajuda a enfrentar os desafios que a vida nos apresenta", acrescenta.

No mínimo, isso nos dá algo para esperar à medida que envelhecemos e uma chance de descobrir quem nos tornaremos.

 

Fonte: Por Shannon Sauer-Zavala,  para The Conversation/BBC Future

 

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