O que há de verdade
na história heroica da origem da maratona
Em setembro do ano
490 a.C., um soldado atravessou centenas de quilômetros às pressas até a cidade
de Esparta, para pedir ajuda
contra o poderoso exército imperial persa, que ameaçava invadir a Grécia.
Ele havia partido
de Maratona, que fica a leste de Atenas.
O hemeródromo
(mensageiro) chamava-se Fidípides. Ele percorreu 250 km de terreno escarpado em
menos de dois dias, segundo o relato do historiador grego Heródoto (c.485 a.C.
– c.425 a.C.), a principal fonte histórica sobre as
guerras entre a Grécia e a Pérsia.
Mas o historiador
não mencionou outra suposta façanha do veloz mensageiro, ainda mais famosa.
Conta-se que Fidípides correu sem parar desde o campo de batalha de Maratona
até Atenas, levando a notícia da vitória do Exército ateniense sobre os persas
e o iminente retorno dos soldados para proteger a cidade.
Depois de cumprir
sua missão, Fidípides desmaiou e morreu, extenuado pelo esforço.
Esta história
inspirou um membro do Comitê Olímpico Internacional, Michel Bréal (1832-1915),
a propor a adoção da distância entre o local da batalha e a capital grega como
referência para um dos eventos mais extenuantes dos Jogos Olímpicos da Era
Moderna. A prova recebeu o nome da cidade (cujo nome significa "funcho",
a erva aromática que crescia abundantemente naquela localidade): maratona.
Por isso, todos os
anos, milhares de pessoas se submetem aos exaustivos 42 km em corridas de longa
distância em todo o mundo.
Diversos autores
misturaram os dois relatos. Alguns afirmam que Fidípides correu nas duas
ocasiões e chegou até a lutar na batalha. Outros eruditos acreditam que as duas
histórias são fictícias.
·
Dúvidas
A maioria dos
historiadores concorda que Fidípides realmente existiu. Mas os relatos de suas
ações heroicas são confusos desde que foram registrados em texto pela primeira
vez, cerca de 50 anos depois da suposta ocorrência dos fatos.
Por isso, não
surpreende que, 2,5 mil anos depois, pouco tenha sido feito para separar os
fatos da lenda – e que ainda não se saiba ao certo até que ponto os relatos são
corretos.
O que deixou de ser
dúvida é a possibilidade de realização dessa façanha.
Em 1982, o
comandante britânico John Foden e mais quatro oficiais da Força Aérea Real do
país foram até a Grécia para
comprovar se realmente seria possível percorrer uma distância de quase 250 km
em menos de dois dias. E três membros do grupo - entre eles, Foden -
conseguiram completar o percurso, seguindo a rota descrita por Heródoto.
Assim se soube que
Fidípides realmente poderia ter realizado o feito que, para muitos
especialistas, seria apenas uma lenda. Aliás, a façanha, segundo Heródoto, foi ainda
mais incrível, pois a viagem do mensageiro foi de ida e volta, realizada no
espaço de três dias.
Ele precisou
regressar, novamente descalço e armado apenas com uma espada curta, trazendo
más notícias na bagagem. Os espartanos estavam dispostos a ajudar, mas só
conseguiriam chegar em mais de uma semana.
Outro aspecto
questionável da história que nos chegou é a representação da batalha de
Maratona.
A vitória do
reduzido Exército ateniense sobre uma força invasora enviada pelo homem mais
poderoso do planeta na época – o Rei dos Reis da Pérsia, Dario 1º, o Grande (c.
550 a.C.-486 a.C.) – é tida como uma das proezas mais espetaculares da história
militar.
Devemos os detalhes
a Heródoto, o primeiro grande historiador da humanidade. Mas existe um dado que
parece fantasioso para os historiadores atuais.
Heródoto conta que
os atenienses começaram sua investida a quase 1,5 km de distância da linha de
combate dos inimigos.
Seria possível que
os atenienses corressem por toda essa distância, carregando lanças e escudos, e
ainda tivessem energia suficiente para vencer os persas?
"A batalha
ocorreu no local de desembarque mais próximo de Atenas, a planície de
Maratona", relata o historiador da Antiguidade Jason Crawley, da
Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.
"Sua vitória
(dos persas) estava garantida. Eles tinham uma vantagem de 2 contra 1 e seus
adversários gregos eram todos amadores, enquanto a Pérsia tinha um exército
imperial", prossegue ele.
"Eles deveriam
tê-los arrasado, mas, contra todos os prognósticos, foram vencidos."
·
Como
foi possível?
"Houve um
choque entre dois sistemas militares opostos", explica o historiador.
"Os persas, com sua
infantaria leve, preferiam o combate à distância, usando armas como lanças. Os
helenos só sabiam combater corpo a corpo: eles se lançavam contra o inimigo e o
apunhalavam sem piedade. Os persas não esperavam encontrar pessoas tão
loucas!"
Heródoto relata que
os gregos correram "oito estádios", cerca de 1,5 mil metros. Mas,
para os historiadores, isso não faz sentido. "Acreditamos que o relato
tenha sido aumentado pelos que o contaram."
A BBC resolveu
colocar essa história à prova, juntamente com Jason Crawley, em um episódio do
programa Making History, da Radio 4 da BBC.
A historiadora Iszi
Lawrence foi a "cobaia" do experimento. O local escolhido para o
teste não foi "uma praia parecida com as gregas, para correr com um grupo
de jovens, idealmente com roupas leves", segundo Lawrence, mas um laboratório
esportivo, onde ela teve de usar uma enorme máscara azul no rosto e um monitor
de batimentos cardíacos no peito.
O responsável pelo
experimento foi Steve Atkins, diretor de Esporte, Educação Física e
Fisioterapia da Faculdade de Saúde da Universidade de Salford, no Reino Unido.
Sua intenção era realizar exames fisiológicos, psicológicos e mecânicos, para
simular as condições dos soldados atenienses durante a batalha de Maratona.
Eles tentaram
simular o escopo do material que teria sido carregado por um soldado ateniense.
"O mínimo que
os soldados gregos carregavam era um escudo redondo grande chamado áspide, que
pesava 8 kg e tinha quase um metro de diâmetro", explicou Crawley. E
usavam ainda "algum tipo de armadura no corpo; provavelmente, protetores
nas pernas; e uma grande lança, com pontas afiadas nas duas extremidades."
Por isso, Lawrence
teve de vestir um jaleco pesando 18 kg e ainda carregar dois pesos, para
reproduzir o peso levado pelos soldados.
Depois de correr
por seis minutos, o coração de Lawrence batia 173 vezes por minuto – muito
acima dos 138 batimentos da medida de controle verificada quando ela correu sem
carregar peso.
E o que o
historiador da Antiguidade conseguiu
concluir com este e outros estudos?
"O que
Heródoto disse sobre o avanço a toda velocidade em uma distância tão longa,
nestas condições, é simplesmente impossível", responde Crawley.
Se os soldados
tivessem corrido desta forma, eles teriam chegado exaustos ao ponto onde o
inimigo os esperava.
"Outro ponto
que Heródoto conta é que a batalha durou 'muito tempo'", prossegue o
historiador.
"Isso é muito
relativo. Até dois minutos de combate corpo a corpo, carregando todo este peso,
sob o sol ardente, é muito tempo."
"Do meu ponto
de vista, este experimento confirma a teoria de que as batalhas da Antiguidade
eram resolvidas rapidamente", afirma Crawley.
·
Ponto
final?
Por mais
interessantes que sejam estes experimentos, até que ponto eles podem realmente
reproduzir, por exemplo, as condições dos atenienses, dois milênios e meio
atrás?
"As palavras
'realmente' e 'reproduzir' são a chave", responde a arqueóloga Carenza
Lewis, da Universidade de Lincoln, no Reino Unido.
"É claro que
estudar a forma em que reagimos fisiologicamente ao uso da energia e por quanto
tempo podemos nos manter intensamente ativos oferece uma ideia aproximada da
capacidade dos seres humanos", prossegue ela.
"O problema é
que se trata de outra época. Não sabemos muito sobre as condições físicas ou o
dia a dia dos gregos que estavam combatendo."
"Por outro
lado, nunca se pode reconstruir a experiência, pois nunca conseguiremos entrar
nas suas mentes", explica Lewis. "A ideia de que o medo dá asas, que
se alguém o inflama, você pode exceder suas próprias capacidades... tudo isso é
muito difícil de quantificar."
Além disso, como
comparar as exigências físicas cotidianas da Antiguidade com a era moderna?
"Acredito que
as condições físicas das pessoas eram muito melhores", afirma David Miles,
diretor de Arqueologia da organização English Heritage. "Apenas duas
gerações atrás, no Reino Unido, já era assim."
"Para o meu
avô, não parecia grande coisa caminhar 12 km até o pub, pois ele nunca teve
carro... nem mesmo bicicleta."
"Estamos
falando de pessoas que, em sua maioria, eram fortes, devido às suas atividades
diárias", indica Miles. "Acrescente-se que eles treinaram saltando
obstáculos para poder abranger grandes extensões de terreno."
"Certamente,
os sinais de osteoartrite que observamos nos esqueletos demonstram isso, pois
eles nos indicam o alto nível de atividade daqueles gregos antigos",
confirma Lewis.
Fonte: BBC News
Mundo
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