sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Marcelo Uchôa: Dois anos da tentativa de golpe

Em 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a uma tentativa de golpe que enlameou severamente sua história democrática. Terroristas e radicais extremistas invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes em ação visando destituir o recém-empossado governo do presidente Lula. Dois anos depois é fecundo analisar avanços, desafios e lacunas no enfrentamento do episódio.

No dia da intentona e dias posteriores, o ex-ministro da Justiça Flávio Dino teve papel determinante. Sob sua liderança, o Executivo reagiu com veemência e, pela batuta da Polícia Federal, os protagonistas do caos começaram a ser responsabilizados.  Por articulação do presidente Lula, o Executivo reforçou a segurança institucional e articulou esforços de cooperação com governos estaduais, restaurando a ordem. 

O Judiciário também não se calou. Ali, o ministro Alexandre de Moraes, em especial, consolidou-se como peça-chave na defesa do Estado Democrático de Direito. À frente de decisões cruciais, coordenou inquéritos viabilizando ações que resultaram em avanços concretos, como a condenação de 371 pessoas diretamente envolvidas nos ataques, com penas chegando a 17 anos de prisão, sinalizando que os atos antidemocráticos teriam consequências severas. Em casos de menor gravidade, 527 acordos de não persecução penal foram firmados, de tal maneira que 898 réus, dos mais de 1500 denunciados, já tiveram processos apreciados. Vultuosas somas em dinheiro foram recuperadas para o erário, processos e mais processos foram movidos pela Advocacia Geral da União a título de ressarcimento por danos ao patrimônio público. 

Apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios sobremaneira significativos. Passados dois anos, os principais financiadores, autores intelectuais e altas autoridades que apoiaram a trama golpista seguem fora do alcance da Justiça. A impunidade lança dúvidas sobre as conquistas obtidas e alimenta questionamentos sobre o comprometimento das autoridades competentes no enfrentamento do problema em sua totalidade.

A partir da prisão do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, investigações já concluíram que generais como o ex-candidato a vice na chapa do ex-presidente Braga Netto (atualmente preso preventivamente por tentar frustrar apurações policiais) articularam diretamente ações visando o golpe, com planejamento de ações meticulosas que incluíam o assassinato do presidente Lula, de seu vice Geraldo Alkmin, do ministro do STF Alexandre de Moraes, além de intervenção militar direta no governo nacional e especulação, até mesmo, de criação de campo de prisioneiros (semelhante a campo de concentração) para reclusão em massa de oposicionistas. Uma gangue denominada Kids Pretos tentava, de dentro das Forças Armadas, viabilizar o golpe. 

É certo que, de lá para cá, a Policial Federal vem fazendo a sua parte. Quarenta altos conspiradores foram indiciados pela inserção em núcleos político, militar, operacional, financeiro e de inteligência na trama conspiratória. Além de Braga Netto e Mauro Cid, figurões do governo anterior, como o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional general Augusto Heleno, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-diretor da Agência Brasileira de Informação Alexandre Ramagem foram indiciados. O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado por abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado e organização criminosa (sucessivamente, arts. 359-L e 359-M, ambos do Código Penal, e art. 2° da Lei n. 12.850/2013), imputações que, se convertidas em condenações, podem resultar em 28 anos de prisão, à parte eventuais adicionais por agravantes.

O fato é que, neste 8 de janeiro de 2025, dois anos após a tentativa de golpe, milhões de pessoas país afora estão interconectados pelo questionamento de uma só pergunta: quando o Procurador-Geral da República Paulo Gonet irá denunciar Jair Bolsonaro para que finalmente ele responda pelas gravíssimas acusações que lhe dizem respeito? Como é patentemente conhecido, o tempo é amigo da impunidade e a impunidade é irmã siamesa da injustiça. Portanto, nada de demora, nada de anistia, nada de perdão. Todos os que tentaram acabar com a democracia no Brasil precisam pagar caro, muito caro, pela ousadia de tentar calar mais uma vez o povo brasileiro. Somente assim o fantasma do golpismo perecerá na imensidão das sombras.

¨      Autoridades pedem responsabilização por tentativa de golpe

O Palácio do Planalto foi palco, na manhã desta quarta-feira (8), de um ato político sobre os dois anos da invasão e destruição dos prédios na Praça dos Três Poderes, em uma tentativa de golpe de Estado para depor o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que derrotou o ex-presidente Jair Bolsonaro nas urnas, em 2022. Acompanhado por autoridades, entre magistrados de tribunais superiores, parlamentares e ministros, o evento contou com discursos dos representantes dos Poderes presentes, que reafirmaram a necessidade de que o episódio de ataque à democracia assegure a responsabilização de seus mentores e executores.

"Não podemos ser tolerantes com os intolerantes. Não podemos homenagear o fascismo, o ódio político. Precisamos aprender com a história. Aqueles que querem romper com a democracia não podem ter de nossa parte a leniência", afirmou a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), segunda-secretária da Câmara dos Deputados. Ela representou o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que não compareceu ao ato. Em alguns momentos durante a cerimônia, os presentes gritaram em coro a frase "sem anistia", em alusão aos processos judiciais e investigação em curso contra os envolvidos nos atos golpistas.  

Pelo Senado Federal, o vice-presidente Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) foi o representante no lugar do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Para ele, o ato não significa partidarização, mas a necessidade de preservar a memória de uma agressão à democracia. Na presença dos comandantes das Forças Armadas (Exército, Força Aérea e Marinha), Veneziano falou sobre destacar aquelas autoridades que permaneceram fiéis à democracia, separando-as de quem tentou quebrar as regras constitucionais.

"Entre membros das Forças houve aqueles que não se predispuseram a subjugar-se à infâmia dos que tentavam e tramavam contra as vidas, como a do presidente Lula, do vice-presidente Alckmin, do ministro Alexandre de Moraes. É necessário que façamos justiça porque não podemos tratar igualmente os que são desiguais", afirmou.

Já o presidente Lula fez questão, antes iniciar o seu discurso, de destacar a presença dos comandantes militares. "Eu quero agradecer ao José Múcio [ministro da Defesa], que trouxe os três comandantes das Forças Armadas, para mostrar a esse país que é possível a gente construir as Forças Armadas com o propósito de defender a soberania nacional", disse.

O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, foi quem discursou no lugar do ministro Luís Roberto Barroso, que está em viagem. "Relembrar essa data, com a gravidade que o episódio merece, constitui um esforço para virarmos a página, mas sem arrancá-la da história. A maturidade institucional exige a responsabilização por desvios dessa natureza. Ao mesmo tempo, porém, estamos aqui para reiterar nossos valores democráticos, nossa crença no pluralismo e no sentimento de fraternidade. Há lugar para todos que queiram participar sob os valores da Constituição", afirmou Fachin lendo um discurso do próprio ministro Barroso.

<><> Redes sociais

O ministro prosseguiu o discurso do presidente do STF, enfatizando as iniciativas para desregulamentar a profusão de notícias falsas nas redes sociais. Foi uma menção indireta ao anúncio da empresa Meta, que controla Instagram, WhatsApp e Facebook, que afrouxará regras sobre conteúdos de ódio nas plataformas.

"Não devemos ter ilusões. No Brasil e no mundo, está sendo insuflada a narrativa falsa de que enfrentar o extremismo e o golpismo, dentro do Estado de direito, constituiriam autoritarismo. É o disfarce dos que não desistiram das aventuras antidemocráticas, com violação das regras do jogo e supressão dos direitos humanos. A mentira continua a ser utilizada como instrumento político naturalizado".

Em seu discurso, Lula falou que a democracia venceu que, agora, é preciso que as pessoas que provocaram a tentativa de quebra democrática e de crimes graves sejam processadas e punidas. "Os responsáveis pelo 8 de janeiro estão sendo investigados e punidos. Ninguém foi ou será preso injustamente. Todos pagarão pelos crimes que cometeram, inclusive os que planejaram os assassinatos do presidente, do vice-presidente da República e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral", afirmou.  

Segundo a Presidência da República, três governadores compareceram ao evento: Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte), Jerônimo Rodrigues (Bahia) e Elmano de Freitas (Ceará). A vice-governadora de Pernambuco, Priscila Krause, também estava presente. Já entre os ministros do governo, o comparecimento foi amplo, com 34 titulares do primeiro escalão presentes. Presidentes de tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Superior Tribunal Militar (STM), também marcaram presença no ato. 

<><> Lula acena às Forças Armadas em ato contra o golpismo

O presidente Lula expressou sua gratidão nesta quarta-feira (8), durante o ato em Defesa da Democracia, que marcou os dois anos dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Durante a cerimônia, Lula agradeceu inclusive ao ministro da Defesa, José Múcio, por ter reunido os comandantes das Forças Armadas na solenidade:

“Quero agradecer José Múcio, que trouxe os três comandantes das Forças Armadas para mostrar a esse país que é possível a gente construir as Forças Armadas com o propósito de defender a soberania nacional, nossos 16 mil quilômetros de fronteira seca, nossos quase 5,5 milhões de km² de mar sob a responsabilidade do Brasil, a nossa maior floresta de reserva no mundo, 12% da água doce, as nossas riquezas no subsolo, as nossas riquezas no solo, a nossa riqueza no fundo do mar e, sobretudo, a soberania do povo brasileiro”.

A maioria dos condenados pelos atos golpistas foi detida no local dos ataques ou em acampamentos que permaneceram por semanas em frente aos quartéis, com a conivência das Forças Armadas. Essa relação tem sido evidenciada no inquérito conduzido pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes.

Imagens registram, inclusive, membros das Forças Armadas facilitando o acesso de manifestantes a áreas restritas próximas à Praça dos Três Poderes, no dia dos atos. Atualmente, o Ministério da Defesa colabora com o STF na identificação dos responsáveis por essas ações.

¨      Nova ameaça de atentado contra Lula e Moraes é investigada pela PF

A Polícia Federal e a Polícia Civil do Distrito Federal investigam uma nova ameaça de morte contra o presidente Lula (PT) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, informa a CNN Brasil. Segundo a denúncia, um ataque com uso de explosivos, granadas e um fuzil Barrett, utilizado por atiradores de elite, seria feito em janeiro.

Neste momento, as investigações buscam identificar autores, participantes e meios empregados no possível atentado. O caso começou a ser apurado na semana passada, mas ainda é mantido em sigilo na Divisão de Proteção e Combate ao Extremismo Violento (Dpcev), da PCDF, e na Divisão de Inteligência Policial (DIP), da PF. 

Na última semana de 2024, a PCDF prendeu um homem de 30 anos, suspeito de planejar ataques na capital federal. Após denúncias anônimas, o indivíduo foi capturado na Bahia, após o caminhão em que viajava ser interceptado por um helicóptero da Polícia Civil. O suspeito  foi monitorado e teve a prisão temporária e “outras medidas judiciais” solicitadas.

Na mesma semana, um homem foi detido após estacionar um veículo nas proximidades do Comando-Geral da Polícia Militar do DF, no Setor Policial de Brasília. Ele alegou ter dispositivos explosivos que seriam usados para atacar as sedes da Polícia Militar e da Polícia Federal. 

¨      Governo Lula e TSE veem "retrocesso" na mudança de política da Meta e especialistas apontam risco para 2026

A recente decisão da Meta, controladora de plataformas como Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp, de encerrar seu programa de checagem de fatos nos Estados Unidos provocou uma onda de preocupação entre autoridades e especialistas no Brasil. A medida foi anunciada pelo CEO Mark Zuckerberg na última terça-feira (7), justificando que o modelo baseado em verificadores externos apresentava “muitos erros e censura”. A iniciativa, que inicialmente valerá apenas para os EUA, já gera temor sobre sua replicação em outros países, especialmente com a proximidade das eleições de 2026 no Brasil, relata Malu Gaspar, do jornal O Globo.

Membros do Palácio do Planalto e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) consideram que a nova política da Meta representa um retrocesso significativo no combate à desinformação. A mudança ocorre em meio a um alinhamento entre a empresa e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, conhecido por sua retórica contra regulações e pela disseminação de conteúdos falsos. “Estamos entrando numa realidade distópica”, comentou reservadamente um integrante do Judiciário brasileiro.

“O Trump nem assumiu a Casa Branca e já botou as garras de fora. O Facebook e o Instagram correm o risco de se tornarem um novo X", disse um integrante do governo Lula. 

<><> Desafios para a democracia digital

 No Brasil, a Meta desempenhou um papel crucial nas últimas eleições. Durante a campanha de 2022, a empresa removeu mais de 2 milhões de conteúdos considerados nocivos às suas políticas de violência e discurso de ódio. Essas ações foram parte de um esforço para proteger o processo democrático, especialmente após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. No entanto, o fim do programa de checagem nos EUA e a implementação de um modelo que confia em “notas da comunidade”, similar ao adotado pelo X (antigo Twitter), geram desconfiança. 

João Feres Júnior, cientista político do Iesp-Uerj e diretor do Monitor da Extrema Direita (MED), considera a postura de Zuckerberg desastrosa. Ele afirma que, caso a nova política seja adotada no Brasil, o ambiente digital corre o risco de se transformar em um faroeste digital. “Foi uma briga enorme para o STF e o TSE conseguirem algum tipo de compromisso das big techs. Agora, parece que incentivam ativamente discursos de ódio contra minorias e gêneros”, avaliou Feres.

<><> Judicialização e impactos eleitorais

Especialistas preveem que a mudança na política da Meta pode levar a um aumento significativo na judicialização de casos envolvendo desinformação e propaganda irregular. André Eler, diretor técnico da consultoria Bites, alerta que, sem uma política de moderação efetiva, será necessário um acionamento maior do Judiciário para remoção de conteúdos criminosos. “As plataformas não são obrigadas a ter moderação, mas não estão livres para descumprir decisões judiciais”, explicou.

Essa possível mudança também levanta dúvidas sobre as regras de impulsionamento de conteúdos nas próximas eleições. Em 2024, a Meta foi a maior fornecedora de serviços de campanhas eleitorais no Brasil, acumulando R$ 195,6 milhões em receitas de candidatos. A restrição ao impulsionamento político por cidadãos fora das campanhas oficiais era uma política interna da empresa, em colaboração com a Justiça Eleitoral. Com a nova orientação, não está claro se essa política será mantida.

<><> Reação do governo brasileiro

No governo Lula, a preocupação é evidente. A Advocacia-Geral da União (AGU), por meio de sua Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, pode ser acionada com mais frequência para combater a disseminação de fake news. Apesar de não possuir poderes de remoção unilateral de conteúdos, o órgão tem atuado na intimação de plataformas para exclusão de postagens e na responsabilização judicial de responsáveis por disseminação de desinformação.

Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) deu 30 dias para que a Meta esclareça se sua nova política será implementada no Brasil e quando. A decisão poderá impactar diretamente as medidas de combate à desinformação nas eleições de 2026.

 

Fonte: Brasil 247/Agencia Brasil

 

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